"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

O BOLIVARIANISMO MÁGICO

Para os venezuelanos, atordoados com os rumos do Socialismo do Século 21, o Aeroporto Internacional de Maiquetía em Caracas representa um bafo de ar puro. Por isso mesmo, os fiadores da República Bolivariana inventaram a última boa nova: um imposto para respirar.

No dia 1.º de julho, o governo do presidente Nicolás Maduro começou a recolher 127 bolívares, equivalente a US$20, de cada passageiro que embarcar no maior aeroporto do país. É que o sistema de ventilação de Maiquetía, construído em 1945, foi modernizado para zelar pelos pulmões da nação. Os companheiros engenheiros inventaram de injetar no ar condicionado doses concentradas de ozônio, para matar as bactérias aéreas e deixar impoluto o ambiente do portal principal do país.

Os venezuelanos taparam nariz. Há tempos, aprenderam a diferença entre inovação e perfumaria e sabem que a revolução não virá por imposto. Aliás, tão logo que nasceu, a taxa do ozônio já dobrou, chegando a 250 bolívares. "Logo devem começar a cobrar para atravessar a rua", tuitou um passageiro inconformado na semana passada.

Novas ideia, paridas por decreto, promessas de glória e vida renovada, tudo cortesia do pioneirismo bolivariano e do bolso do contribuinte. Os venezuelanos já conhecem esse roteiro. O governo Maduro congelou preços para tentar conter a inflação e, pronto, sumiu com o papel higiênico. Fez da petroleira PDVSA uma caixa eletrônica para custear miragens sociais e converteu bonança em rombo nacional.

Alquimia pelo avesso e exotismo são a marca do laboratório bolivariano, que nasceu com Hugo Chávez e hipertrofiou na mão de Maduro. Para distinguir sua proposta daquela do capitalismo "neocolonial", Hugo Chávez retalhou a iconografia nacional. Redesenhou a bandeira nacional para que o cavalo branco no seu escudo galopasse para a esquerda e não mais para a direita. Atrasou os relógios em meia hora para contrariar a cronometragem "imperialista" e ordenou aos ministros que fizessem o juramento erguendo a mão esquerda. Seu website preferido, aporrea.org, até fala em copyleft e não copyright.

Morto de câncer no ano passado, Chávez sempre encantou seus compatriotas misturando blagues e estripulias num grande teatro político. Sem a lábia nem a presença de palco do seu comandante, Maduro recorre à empulhação. Segundo ele, o líder falecido lhe teria visitado na forma de um pássaro e, depois, aparecido com o rosto esculpido nas escavações do metrô de Caracas.

Quando não está conjurando o comandante do além túmulo, Maduro se ocupa em remexer no organograma e no calendário. Criou o Ministério da Felicidade Social e, para capitalizar a comoção em torno do líder beato, decretou um novo feriado, o Dia de Lealdade e Amor ao Comandante Supremo Hugo Chávez. E para adoçar o suor dos trabalhadores, antecipou em três semanas a comemoração do Natal, adiantando o décimo terceiro para todos os companheiros do gigante setor público.

A moda arrisca pegar. Em junho, o presidente da Bolívia, Evo Morales, acólito do chavismo, mandou inverter os relógios, para que os ponteiros circulassem do número 1 ao 12, da direita para a esquerda. Segundo o chanceler boliviano, David Choquehuanca, a reforma é uma resposta ao imperialismo gringo e à cronocracia das nações do Hemisfério Norte, que querem mandar até no sol. "Afinal, comemoramos o solstício de inverno em junho", disse Choquehuanca.

Quem disse que o realismo mágico morreu?

 
23 de julho de 2014
Mac Margolis, O Estado de S.Paulo

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