"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

A BOLA EM OUTROS CAMPOS





Em sua última crônica antes de o Brasil estrear na Copa do Mundo, em 1958, Nelson Rodrigues, indignando-se contra o pessimismo das ruas, cunhou um chiste famoso, o “complexo de vira-lata”. Arrematava a explicação: “o brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-lata e que tem futebol para dar e vender lá na Suécia”.

O dito do nosso maior dramaturgo há tempos abandonou os vãos da nossa alma futebolística para fazer eco em outras arquibancadas, principalmente nos ambientes palacianos dos governantes.

A fantasia, a improvisação e a invenção, matérias-primas que, por anos a fio, sedimentaram as bases da “pátria em chuteiras” (outra expressão de Nelson) e jorraram com abundância nos dutos da catarse social, hoje não passam de arremedos infrutíferos.

Pouco adiantará apontar culpados, ensaiar jogadas recíprocas de acusações, tatear nas margens das questões que o futebol suscita, a partir do reconhecimento de que suas técnicas evoluíram, priorizando os conceitos da força do conjunto, da celeridade, do preparo psicológico, de táticas e estratégias específicas para cada adversário.

CHOQUE DE GESTÃO

Já se prega a urgência de um choque de gestão no futebol brasileiro, o que implicaria a oxigenação nas cúpulas da cartolagem, a busca de perfis adequados aos contextos de competitividade e o fim do ciclo até então vivido pela seleção.
Pode ser um caminho. Mas não se espere que mexer com uma pedra do tabuleiro será suficiente para conduzir o nosso futebol aos primeiros lugares do ranking mundial. Ele é parte de um todo, não um fio separado do rolo. O ethos nacional é mescla de hábitos, costumes, atitudes, visões, história e tradição.

Essa radiografia valorativa, porém, não comporta apenas a planilha de coisas bonitas, conforme se pode depreender de uma olhada na estética das ruas durante a Copa. Abriga aspectos nem sempre alinhavados pelas lupas sociológicas, como o desleixo, a individualidade, a desorganização, enfim, o cenário que tende a propiciar atos de selvageria.
Nesse ponto, convém puxar o papel do poder público para a harmonização social.
Trata-se de dever inalienável da administração do Estado cuidar para suprir as demandas dos contingentes socais na esfera do cotidiano. Daí a importância de um choque geral de gestão.

DERROTA VERGONHOSA

A escorchante e vergonhosa derrota para a Alemanha pode abrir o encontro do Brasil com suas realidades. Passar uma camada de tinta sobre o nosso futebol, deixando o reboco mofado sobre as paredes da saúde, educação, segurança pública, transporte, enfim, continuar a encobrir a paisagem torta das ruas é perpetuar o estado de carências.

O futebol é apenas um eixo da roda da diversão nacional. A respeito dele, sem querer esmaecer o conceito de negócio que o transforma em atividade das mais lucrativas do mundo do espetáculo, urge que promova maior correspondência entre os salários de jogadores e suas atuações.

O clamor das galeras expressa o desempenho da equipe: “falta raça, sobra ração ($)”. E muita exibição. Estrelas do Olimpo, os nossos atletas até parecem sofrer do “complexo do pavão”.

(transcrito de O Tempo)

25 de julho de 2014
Gaudêncio Torquato

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