As dificuldades iniciais parecem ter sido superadas e assim os chefes de Estado dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reunidos em Fortaleza, criaram terça-feira duas instituições internacionais que podem sacramentar uma sigla quase vazia enquanto bloco nascido de objetivos comuns.
É um passo importante, mas é pouco. Uma vez criados o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, em inglês) e o Acordo Contingente de Reserva (CRA, um fundo de reservas para socorrer países momentaneamente incapacitados de honrar seus compromissos externos), é preciso saber quais seriam os critérios para fazê-los funcionar, respectivamente, como banco de desenvolvimento e como fundo de reservas.
No momento, dos cinco membros do clube, só a África do Sul poderia aproveitar melhor essas disponibilidades caso delas necessite. Os demais, incluído aí o Brasil, dispõem de mais recursos ou acesso a outras fontes externas do que essas duas instituições poderiam oferecer.
Como já foi argumentado aqui na Coluna de terça-feira, apenas o BNDES brasileiro é sete vezes maior do que esse NDB. China, Rússia, Brasil e Índia têm, cada um, substancialmente, mais reservas externas do que as que serão colocadas à disposição do novo fundo.
Isso sugere que as duas instituições estão sendo criadas mais para apoiar projetos de infraestrutura e políticas de países de fora do bloco do que de dentro dele. Nascem num contexto de críticas contundentes à atuação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pretendem, assim, começar a rodar. Mas, outra vez, com que critérios?
Se for para atuar com parâmetros técnicos parecidos com os do Banco Mundial e do FMI, tendem a não passar de farinhas de qualidade similar dispostas em sacos de tamanhos diferentes. Se os critérios para a distribuição de financiamentos ou empréstimos-ponte para cobertura de dívidas forem políticos, então fica difícil saber que tipo de grude pode manter unidos os cinco do Brics.
Imagine, por exemplo, se a Crimeia ou a Síria ou a Venezuela solicitarem um socorro do CRA (a Argentina, por sinal, parece já contar com isso). Mas o que levará a direção desse fundo a atendê-los ou não? Questões geopolíticas compartilhadas pelos cinco? Provavelmente, não.
Dos cinco integrantes do Brics, três são potências nucleares (Rússia, Índia e China), no momento com interesses mais conflitantes do que convergentes entre si. Afora isso, as coisas mudam e a fila anda. Mudanças de governo na Rússia, na Índia ou na China - para não falar no Brasil - podem mudar os alinhamentos políticos e o que foi interesse comum num momento pode, perfeitamente, não ser mais no momento seguinte.
Por enquanto, o que os une parece ser o que está lá na declaração conjunta: a desaprovação ao emperramento das propostas de reforma do Banco Mundial e do FMI. Mais difícil é saber como sair desse não ao FMI para um sim ao que tem de ser. Suponhamos que, lá pelas tantas, o Congresso dos Estados Unidos concorde com modernizar as instituições de Bretton Woods. Nesse caso, essas instituições alternativas vingariam do mesmo jeito?
Sabe-se como esse jogo começou. Não se sabe como seguirá.
25 de julho de 2014
celso ming, O Estadão
É um passo importante, mas é pouco. Uma vez criados o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, em inglês) e o Acordo Contingente de Reserva (CRA, um fundo de reservas para socorrer países momentaneamente incapacitados de honrar seus compromissos externos), é preciso saber quais seriam os critérios para fazê-los funcionar, respectivamente, como banco de desenvolvimento e como fundo de reservas.
No momento, dos cinco membros do clube, só a África do Sul poderia aproveitar melhor essas disponibilidades caso delas necessite. Os demais, incluído aí o Brasil, dispõem de mais recursos ou acesso a outras fontes externas do que essas duas instituições poderiam oferecer.
Como já foi argumentado aqui na Coluna de terça-feira, apenas o BNDES brasileiro é sete vezes maior do que esse NDB. China, Rússia, Brasil e Índia têm, cada um, substancialmente, mais reservas externas do que as que serão colocadas à disposição do novo fundo.
Isso sugere que as duas instituições estão sendo criadas mais para apoiar projetos de infraestrutura e políticas de países de fora do bloco do que de dentro dele. Nascem num contexto de críticas contundentes à atuação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pretendem, assim, começar a rodar. Mas, outra vez, com que critérios?
Se for para atuar com parâmetros técnicos parecidos com os do Banco Mundial e do FMI, tendem a não passar de farinhas de qualidade similar dispostas em sacos de tamanhos diferentes. Se os critérios para a distribuição de financiamentos ou empréstimos-ponte para cobertura de dívidas forem políticos, então fica difícil saber que tipo de grude pode manter unidos os cinco do Brics.
Imagine, por exemplo, se a Crimeia ou a Síria ou a Venezuela solicitarem um socorro do CRA (a Argentina, por sinal, parece já contar com isso). Mas o que levará a direção desse fundo a atendê-los ou não? Questões geopolíticas compartilhadas pelos cinco? Provavelmente, não.
Dos cinco integrantes do Brics, três são potências nucleares (Rússia, Índia e China), no momento com interesses mais conflitantes do que convergentes entre si. Afora isso, as coisas mudam e a fila anda. Mudanças de governo na Rússia, na Índia ou na China - para não falar no Brasil - podem mudar os alinhamentos políticos e o que foi interesse comum num momento pode, perfeitamente, não ser mais no momento seguinte.
Por enquanto, o que os une parece ser o que está lá na declaração conjunta: a desaprovação ao emperramento das propostas de reforma do Banco Mundial e do FMI. Mais difícil é saber como sair desse não ao FMI para um sim ao que tem de ser. Suponhamos que, lá pelas tantas, o Congresso dos Estados Unidos concorde com modernizar as instituições de Bretton Woods. Nesse caso, essas instituições alternativas vingariam do mesmo jeito?
Sabe-se como esse jogo começou. Não se sabe como seguirá.
25 de julho de 2014
celso ming, O Estadão
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