O pecador que se nomeou Juiz dos Juízes escapou por pouco de enfrentar a primavera pendurado em embargos infringentes
Na festa promovida pela OAB para celebrar o 25º aniversário da Constituição de 1988, que o PT se recusou a assinar no dia da promulgação, o ex-presidente Lula confirmou que, se descobrissem que o governo simpatizava com o calendário gregoriano, os ferozes oposicionistas do século passado proporiam a adoção do calendário chinês. “O PT foi o único partido que, no dia da instalação da Constituinte, entregou um projeto de Constituição”, lembrou o palanque ambulante. “Só tínhamos 16 deputados, mas éramos desaforados como se fôssemos 500″. (Desaforado, como ensina o glossário da novílingua lulopetista, é o adjetivo que se deve aplicar a companheiros carentes de juízo e neurônios, que não resistem à tentação da molecagem irresponsável quando deliberam sobre assuntos relevantes).
“Se a Constituição que a gente apresentou fosse aprovada”, admitiu com o sorriso jocoso de quem retransmite uma previsão de Guido Mantega, “certamente seria ingovernável, porque éramos muito duros na queda”. No glossário da novilíngua, duro na queda é a expressão que designa quem confunde teimosia com coerência, é incapaz de refletir sobre ideias divergentes, rejeita o convívio dos contrários, sonha com o partido único e persegue o poder perpétuo. Há dez anos no controle do governo federal, os devotos continuam tão “duros na queda” quanto nos velhos tempos. O mestre mudou para pior.
Nesta terça-feira, por exemplo, aproveitou o sarau na OAB para proclamar-se Patrono do Judiciário e Controlador-Geral do Supremo Tribunal Federal. Caprichando na pose de Juiz dos Juízes, informou ter descoberto que os ministros devem usar a toga por menos tempo. “Se tudo no país pode ser renovado, por que um juiz tem que ficar a vida inteira?”, comparou. “Eu acho que tem que ter mandato em tudo quanto é lugar, porque senão as pessoas ficam 35, 40 anos”. Ele garante que a nova fórmula “teria outra vantagem: a alternância”. Mas ainda não decidiu se a idade limite para a aposentadoria “vai ser 75 anos ou vai ficar como está”.
O fundador do Brasil Maravilha reiterou que, se pudesse voltar no tempo, corrigiria um dos raríssimos erros que cometeu. “Eu teria mais critério para nomear ministros do Supremo”, penitenciou-se com sotaque de pecador no confessionário.
Mais critério, no caso, quer dizer mais desfaçatez, ou nenhuma vergonha. Lula nunca levou em conta os dois pré-requisitos constitucionais que antigamente orientavam o preenchimento de vagas no STF: eram indicados pelo chefe do Executivo e sabatinados pelo Senado apenas juristas dotados de notório saber e reputação ilibada.
Lula sempre indicou (e os senadores engoliram sem engasgos) doutores que lhe pareceram prontos para pagar a toga com a absolvição de bandidos companheiros e cumprir disciplinadamente as determinações do presidente que lhes garantiu o empregão. Com o julgamento do mensalão, descobriu que existem juízes independentes e sem medo. A decepção e o ressentimento induziram o estadista de galinheiro a parir a aberração com que sempre sonharam os bacharéis de porta de cadeia: a Teoria do Mais Critério.
Dos ministros nomeados por Lula, permanecem no STF Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Os dois primeiros não chegariam lá se o chefe do Executivo tivesse seguido a teoria que inventou. O nome de Lewandowski foi soprado por Marisa Letícia, que vivia ouvindo da vizinha elogios superlativos ao filho desembargador.
A indicação acabou dando certo, mas o primeiro dos selecionados com mais critério foi Dias Toffoli. Duas vezes reprovado no exame para o ingresso na magistratura, ex-advogado do PT, ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil, ex-chefe da Advocacia-Geral da União, tinha tudo para brilhar como ministro da defesa dos quadrilheiros do mensalão. Bingo.
Lula deveria ser mais amável com juízes que qualifica de “ingratos”, caso do já aposentado Ayres Britto e, sobretudo, de Joaquim Barbosa. Se fossem menos clementes, ambos teriam argumentos de sobra para defender a instalação do ex-presidente no banco dos réus.
Os ministros fingiram acreditar que Lula nunca soube de nada que ocorria nas salas ao lado, acima e logo abaixo do gabinete presidencial.
Também fingiram nunca ter ouvido o que disse José Dirceu mais de uma vez: “Nunca fiz nada sem a autorização do presidente Lula”.
Se os julgadores optassem por um tratamento menos compassivo, este começo de primavera encontraria o Juiz dos Juízes pendurado em meia dúzia de embargos infringentes.
E Dirceu teria muito mais chances de repassar a patente de chefe de quadrilha.
06 de outubro de 2013
Augusto Nunes, Veja
“Se a Constituição que a gente apresentou fosse aprovada”, admitiu com o sorriso jocoso de quem retransmite uma previsão de Guido Mantega, “certamente seria ingovernável, porque éramos muito duros na queda”. No glossário da novilíngua, duro na queda é a expressão que designa quem confunde teimosia com coerência, é incapaz de refletir sobre ideias divergentes, rejeita o convívio dos contrários, sonha com o partido único e persegue o poder perpétuo. Há dez anos no controle do governo federal, os devotos continuam tão “duros na queda” quanto nos velhos tempos. O mestre mudou para pior.
Nesta terça-feira, por exemplo, aproveitou o sarau na OAB para proclamar-se Patrono do Judiciário e Controlador-Geral do Supremo Tribunal Federal. Caprichando na pose de Juiz dos Juízes, informou ter descoberto que os ministros devem usar a toga por menos tempo. “Se tudo no país pode ser renovado, por que um juiz tem que ficar a vida inteira?”, comparou. “Eu acho que tem que ter mandato em tudo quanto é lugar, porque senão as pessoas ficam 35, 40 anos”. Ele garante que a nova fórmula “teria outra vantagem: a alternância”. Mas ainda não decidiu se a idade limite para a aposentadoria “vai ser 75 anos ou vai ficar como está”.
O fundador do Brasil Maravilha reiterou que, se pudesse voltar no tempo, corrigiria um dos raríssimos erros que cometeu. “Eu teria mais critério para nomear ministros do Supremo”, penitenciou-se com sotaque de pecador no confessionário.
Mais critério, no caso, quer dizer mais desfaçatez, ou nenhuma vergonha. Lula nunca levou em conta os dois pré-requisitos constitucionais que antigamente orientavam o preenchimento de vagas no STF: eram indicados pelo chefe do Executivo e sabatinados pelo Senado apenas juristas dotados de notório saber e reputação ilibada.
Lula sempre indicou (e os senadores engoliram sem engasgos) doutores que lhe pareceram prontos para pagar a toga com a absolvição de bandidos companheiros e cumprir disciplinadamente as determinações do presidente que lhes garantiu o empregão. Com o julgamento do mensalão, descobriu que existem juízes independentes e sem medo. A decepção e o ressentimento induziram o estadista de galinheiro a parir a aberração com que sempre sonharam os bacharéis de porta de cadeia: a Teoria do Mais Critério.
Dos ministros nomeados por Lula, permanecem no STF Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Os dois primeiros não chegariam lá se o chefe do Executivo tivesse seguido a teoria que inventou. O nome de Lewandowski foi soprado por Marisa Letícia, que vivia ouvindo da vizinha elogios superlativos ao filho desembargador.
A indicação acabou dando certo, mas o primeiro dos selecionados com mais critério foi Dias Toffoli. Duas vezes reprovado no exame para o ingresso na magistratura, ex-advogado do PT, ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil, ex-chefe da Advocacia-Geral da União, tinha tudo para brilhar como ministro da defesa dos quadrilheiros do mensalão. Bingo.
Lula deveria ser mais amável com juízes que qualifica de “ingratos”, caso do já aposentado Ayres Britto e, sobretudo, de Joaquim Barbosa. Se fossem menos clementes, ambos teriam argumentos de sobra para defender a instalação do ex-presidente no banco dos réus.
Os ministros fingiram acreditar que Lula nunca soube de nada que ocorria nas salas ao lado, acima e logo abaixo do gabinete presidencial.
Também fingiram nunca ter ouvido o que disse José Dirceu mais de uma vez: “Nunca fiz nada sem a autorização do presidente Lula”.
Se os julgadores optassem por um tratamento menos compassivo, este começo de primavera encontraria o Juiz dos Juízes pendurado em meia dúzia de embargos infringentes.
E Dirceu teria muito mais chances de repassar a patente de chefe de quadrilha.
06 de outubro de 2013
Augusto Nunes, Veja
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