"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 6 de outubro de 2013

"ESTATAL PRÉ-SAL S.A VAI SER UM ENCOSTO" - DIZ DELFIM NETTO

Ex-ministro na época dos choques do petróleo, em 1973 e em 1979, afirma que até a Petrobras vai se arrepender da nova estatal criada para administrar a exploração no pré-sal



Delfim: ‘Esse negócio de dar todo o poder a quem não põe dinheiro nunca terminou bem’
Foto: FOTO: MichelFilho / Agência O Globo
Delfim: ‘Esse negócio de dar todo o poder a quem não põe dinheiro nunca terminou bem’FOTO: MICHELFILHO / AGÊNCIA O GLOBO


 
O economista diz que os chineses serão bons parceiros na exploração do pré-sal. Ele rebate críticas de que manter o crescimento da economia em 1979, ano do segundo choque do petróleo, quebrou o país: “O Brasil já tinha quebrado. Queria fazer a falência crescendo 1% ou crescendo 8%?”
 
Houve uma certa frustração do governo com as empresas habilitadas para o leilão do pré-sal. Algumas gigantes do petróleo, como a BP, ficaram de fora...
 
Honestamente, na minha opinião, eles (o governo) não são tão ingênuos assim. Eles queriam parceiros estatais. O chinês não vai se perturbar muito com a tal de Pré-sal S/A pondo a mão em tudo. Essa Pré-sal S/A vai ser um encosto, encosto no sentido do espiritismo, que não deixa ir para frente, que vai estar lá o tempo todo. Até a Petrobras vai se arrepender dela no fim. Porque esse negócio de dar todo o poder a quem não põe dinheiro nunca terminou bem. A China (três estatais chinesas de petróleo se habilitaram para o leilão) não pode crescer 6% a 7% ao ano durante muito tempo porque não tem recursos naturais. A China precisa de petróleo físico, não importa muito o lucro.
 
Foi, então, estratégia do governo?
Talvez você possa dizer: mas isso é uma coisa maquiavélica! Não acredito nesse negócio de que eles não sabiam nada. O governo sabe um pouco mais do que parece. A frustração foi dos senhores, da imprensa. Tenho muitas dúvidas se realmente o governo se surpreendeu, ou se pelo menos o núcleo duro do governo se surpreendeu.
 
Com as regras impostas acabaria tendo esse resultado?
Foi na direção que eles queriam.
 
Isso é bom ou é ruim?
Não é bom nem é ruim. Você criou regras que produziram esse resultado. Você poderia dizer, eu gostaria que participassem as empresas privadas. Se fosse verdade, eu teria construído as condições para que elas participassem.
 
A Pré-sal S/A é um dos motivos para afastar as empresas privadas?
Seguramente. Você imagina se a BP quer um encosto dessa natureza, que não vai pôr um tostão no capital e tem direito de veto. Eu acho que o chinês é parceiro conveniente, não vai chatear, só vai querer o “olinho” dele e acabou.
 
De onde vão vir os recursos para a Petrobras explorar o pré-sal?
Quando houver a exploração e for se confirmando que esse é um bombom de alta qualidade, pode ter recuperação de 8 a 12 milhões de barris, vai ser como descontar uma fatura com a mercadoria em caixa.
 
Como foi administrar a crise do petróleo em 1973?
Não teve grandes consequências. Em 1973, estávamos numa condição perfeita: US$ 12 bilhões de reservas e US$ 6 bilhões de exportações. A dívida líquida era um ano de exportação. O problema se acumulou depois, ao longo de 1974 a 1979.
 
A crítica que fazem ao senhor é de que a aceleração do crescimento em 1979, quando assumiu o Planejamento, (a expansão do PIB passou de 5% em 1978 para 9,2% em 1980) acabou levando o país a quebrar...
É uma crítica extremamente burra. Por uma razão muito simples. O Brasil já tinha quebrado. Já estava dada a falência no Brasil. Queria fazer a falência crescendo 1% ou crescendo 8%? Não adiantava parar o crescimento, porque ia quebrar do mesmo jeito. Era uma dinâmica da dívida. Devia ter parado em 1975. Não cortar o crescimento depois que acumulação da dívida tinha decretado a falência. O que adiantava fazer uma recessão com o país quebrado? Ah, não teve déficit em conta corrente este ano. E daí? Nada, empurramos e crescemos 8% e quebramos juntos.
 
O que ficou de lição?
Ficou de lição que não se pode brincar com conta corrente (transações com o resto do mundo). A grande lição é a seguinte: o credor é um animal muito perigoso. Você imagina que ele é tão canalha que quer receber o que te emprestou. Nos últimos seis anos, acumulamos US$ 280 bilhões de déficit em conta corrente. Claro que temos US$ 370 bilhões de reserva. Mas não se deve brincar com esse negócio.
 
O que poderia ser feito diferente naquela época?
Cometemos um grave erro. Em 1972, Giscard d'Éstaing, ministro de Finanças na França, me disse: Delfim, se prepara porque os árabes vão fazer um cartel e vão puxar o preço do petróleo para US$ 5 o barril. Era menos de US$ 2. Na verdade, durante anos o barril custava menos que uma garrafa de água mineral. Quando cheguei, comuniquei ao governo este fato. O Geisel era presidente da Petrobras. Eu e o Dias Leite (Antônio Dias Leite Júnior, ministro de Minas e Energia), aconselhamos o governo a fazer os contratos de risco. Tínhamos dois anos, três anos de antecipação. Se tivéssemos feito os contratos de risco provavelmente a crise seria de outra natureza. O Geisel se opôs dramaticamente e houve um escarcéu no governo. Tivemos uma chance de evitar a grave crise, e não soubemos aproveitar, como de costume. Tinha uma ideia de que qualquer violação, qualquer contrato privado iria destruir a virgindade da Petrobras, que precisava ser preservada a qualquer custo. Um problema puramente ideológico.
 
O senhor tem dito que há um pessimismo muito grande com o governo Dilma...
Há um pessimismo muito maior que o justificado. Tudo que ela fez foi na direção certa. Talvez o método de fazer seja um pouco agressivo, na base do cabo de guerra. É obvio que reduzir a tarifa de energia era fundamental, melhorar a produtividade dos portos é fundamental, ou seja, o ruído vai passar e vão aumentar a produtividade da economia. Mas acho que o governo está demorando muito para entender que precisa de sucesso nos leilões de infraestrutura. Não se pode ter projetos na base do subsídio, do crédito do BNDES, com aumento da dívida pública.
 
06 de outubro de 2013
 
* Enviada especial

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