"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 6 de outubro de 2013

VENDO O GRITO


 
 
A classe política passa a impressão de que viu, mas não ouviu, os gritos do povo. Eles provocaram um pequeno ativismo, como para dar satisfação com atos legislativos, mas sem gestos e leis que permitissem uma revolução que o povo deseja.
 
As manifestações foram sentidas com a emoção de quem vê o quadro do pintor norueguês Edvard Munch, representando uma pessoa gritando, em cima de uma ponte. O observador pode até sentir o grito que sai daquele rosto transtornado, mas não ouve porque o quadro está em outra dimensão, é uma representação, não é a realidade do grito. Da mesma forma, por indiferença de uns e incompetência de outros, os gritos não foram ouvidos.
 
Diversos fatos têm mostrado esta insensibilidade.
 
O povo foi às ruas querendo uma reforma radical, uma revolução na maneira como se faz política no Brasil. Em vez disso, propusemos uma minirreforma política, e nem ela foi concluída.
 
Nesta semana, quase 50 parlamentares mudaram de partido, não por discordâncias ideológicas, mas para tirar vantagens dos novos, em troca de oferecer tempo de televisão e dinheiro público do fundo partidário.
 
Ouvir as vozes, em vez de apenas ver a cara dos que estão nas ruas, exigiria, entre outras coisas, proibir coligações no primeiro turno; eliminar os fundos partidários com recursos públicos; proibir financiamento de campanha por pessoas jurídicas e limitar o valor das doações particulares; permitir apenas uma reeleição para todos os cargos eletivos; redefinir a forma de escolha de ministros do STF e do TCU; criação de mecanismos para cassação de mandatos pelo eleitor; possibilidade de candidaturas independentes sem filiação partidária; eleição por voto distrital de vereadores; limitar o horário eleitoral apenas às falas dos candidatos; fim do voto secreto e do voto de liderança, com votação aberta e nominal em todos os casos; adoção de consultas populares por meio de modernas tecnologias de comunicação; perda de mandato do parlamentar nomeado para cargos de ministro e de secretário; fim do recesso parlamentar e instituição de férias de 30 dias para os eleitos; registro dos compromissos de campanha; limitação de benefícios específicos da classe política; considerar falta de decoro o uso de serviços públicos por detentores de mandato; malha fina automática para ocupante de cargo público; e eliminação do foro especial.
 
Estas e outras propostas estão no Senado ou na Câmara de Deputados em forma de Projetos de Lei ou Propostas de Emenda à Constituição, mas não foram consideradas, porque os gritos foram vistos, mas não ouvidos.
 
Nos últimos 90 dias, centenas de pequenas manifestações foram realizadas, mas estas nem ao menos estão sendo vistas, como se não formassem uma ainda maior do que a de junho, sobretudo, pela lógica de que são organizadas como parte de uma imensa guerrilha cibernética do povo na rua, mobilizado pelos métodos que a internet permite.
 
06 de outubro de 2013
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF). Originalmente publicado em O Globo em 5 de outubro de 2013.

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