Definido pelo correligionário Alfredo Sirkis como caótico, o processo decisório que levou Marina Silva a abdicar da segunda candidatura presidencial mais bem posta em favor do lanterninha das pesquisas começou num telefonema à Europa. A caminho de Genebra, o senador Jarbas Vasconcelos recebeu, na sexta-feira, uma ligação do amigo e também senador Pedro Simon. A Marina quer conversar com o Eduardo Campos, disse Simon a Jarbas, pedindo-lhe que fizesse o meio de campo.
Enquanto os dois dissidentes do PMDB conversavam, Marina concedia uma entrevista para informar aos repórteres que ainda estava “em processo de decisão”. A noite seria longa, ela vaticinou. O que ninguém supunha era que, antes do raiar do dia, Marina produziria o fato político mais relevante da temporada pré-eleitoral. Costurada numa reunião que entrou pela madrugada de sábado, sua alinça com Eduardo Campos criou uma terceira via real, tornando 2014 menos previsível.
No diálogo telefônico com Jarbas, Eduardo estranhara a prosa segundo a qual a candidatura de Marina passaria a conviver com a dele dentro do PSB. Mas Jarbas foi autorizado a informar a Simon que havia, sim, interesse em conversar. Feita a ponte, o convite veio logo que Marina se livrou dos repórteres. Campos voou para Brasília em jato executivo, ainda na noite de sexta. Foi ao encontro de Marina na companhia do senador pelo DF Rodrigo Rollemberg, líder do PSB no Senado.
Para estupefação de Eduardo, Marina demonstrou na conversa um desprendimento inusual na política. Maior do que Campos nas pesquisas, Até Entre três e quatro vezes maior do que o interlocutor nas pesquisas, Marina se dispôs a abrir mão do sonho presidencial. Atribuindo ao governo e ao PT o indeferimento do registro de sua Rede no TSE, ela falou de “ameaça à democracia”. Queria dar uma resposta à altura. Se necessário abriria mão da candidatura, desde que atendidas as suas condições.
Fábio Vaz de Lima, o marido de Marina, se opôs. Mas ela deu de ombros. Ao perceber que o acaso acabara de lhe presentear com a vice dos seus sonhos, Eduardo Campos entregou a Marina tudo o que ela pediu: o reconhecido de que a Rede Sustentabilidade já é um partido, o compromisso de elaborar uma plataforma conjunta e a conversão do PSB em abrigo temporário até que a Rede obtenha da Justiça Eleitoral o seu registro.
Enquanto Eduardo tricotava com Marina, quatro membros da Executiva do PPS viajavam às pressas dos seus Estados para Brasília. Convocara-os o presidente da legenda, deputado Roberto Freire (SP). Marina mandara dizer a Freire que queria conversar na manhã de sábado. O mandachuva do PPS depreendera que a estrela da Rede estava na bica de se filiar ao seu partido para manter em pé a candidatura presidencial. Daí a convocação dos dirigentes.
A turma do PPS foi à presença de Marina como uma noiva que se prepara para ouvir a proposta de casamento. Freire chegou antes de seus correligionários ao local do encontro, um apartamento de classe média do setor Sudoeste de Brasília. Em conversa testemunhada pelo ex-tucano Walter Feldman, Marina informou a Freire que o PPS não seria a noiva, mas a testemunha do casamento da Rede com o PSB de Eduardo Campos.
Com a sinceridade que lhe é peculiar, Freire chamou o arranjo de “loucura”. Não enxergou nexo no desprendimento de Marina. Numa eleição em dois turnos, disse ele, os acordos entre candidatos devem ser celebrados no segundo turno. Freire pregava no deserto. Não sabia que o jogo estava jogado. De madrugada, após se entender com Eduardo, Marina reunira sua infantaria para “comunicar” que fechara com o PSB e que não seria a cabeça da chapa.
Os demais dirigentes do PPS chegaram ao apartamento em tempo de testemunhar a última parte da conversa. Abespinharam-se quando um assessor de Marina, com um tablet nas mãos, informou que o acerto da ex-candidata da Rede com o presidenciável do PSB já ganhara o noticiário da internet. Freire esgrimiu um derradeiro argumento. Se Lula decide ser candidato, disse, Eduardo sai de fininho, Marina fica a ver navios, e o governo abate dois rivais de Dilma com uma mesma cajadada.
Marina não se deu por achada. Argumentou que já havia celebrado o entendimento com Eduardo. Não rinha como dar meia volta. A pé, Freire e seus acompanhantes ganharam uma carona de Fábio Vaz, o marido de Marina, até o ponto de táxi mais próximo. No caminho, ele disse que também desaprovara a atitude de sua mulher. Defendia que ela fosse candidata.
Com o assentimento de Marina, Eduardo Campos tentou comunicar-se com Lula para avisá-lo sobre as novidades. Não conseguiu. O telefone fixo do apartamento de São Bernardo não atendeu. O celular de Lula deu “fora da área de serviço”. Ao tomar conhecimento do que se passava em Brasília, Lula considerou “um soco no fígado” a parceria celebrada entre seus dois ex-ministros, agora autoconvertidos em antagonistas de Dilma Rousseff.
Dois dias antes, quando o TSE indeferiu o pedido de registro de Marina, Lula dissera a dois companheiros petistas que era preciso verificar para onde migrariam os votos dela. Intuía que, a exemplo do que ocorrera no segundo turno de 2010, a maioria dos simpatizantes de Marina migraria para Dilma. Agora, a lógica indica que um bom lote dos votos que seriam dados a Marina descerão ao cesto de Eduardo Campos. Sobretudo se a ex-ministra levar adiante a ideia de se tornar vice.
Um dirigentes do PT fez as contas: Eduardo frequenta as pesquisas com cerca de 5%. Marina teve 16% no último Ibope. Juntos, somariam 21%. Com metade desse percentual, o candidato do PSB se achegaria a Aécio Neves e entraria no jogo. Desfrutando da folga de sábado, um auxiliar de Dilma assistiu pela TV ao ato que sacramentou a união de Marina e Eduardo. Enxergou no discuso e nas respostas da ex-petista aos jornalistas uma excessiva carga de animosidade contra o PT e o governo. Receia que o timbre termine por contaminar Eduardo.
De Nova York, onde se encontra, o presidenciável tucano Aécio Neves só tinha olhos para Brasília. Numa troca frenética de telefonemas, parlamentares e dirigentes do PSDB tentavam extrair da nova conjuntura algo de positivo. Torcia-se para que Marina se mantivesse na disputa. Mas jamais se imaginou que faria isso como potencial vice de Eduardo Campos. Ainda assim, concluiu-se que a parceria é menos danosa do que a saída de Marina do processo.
Recordou-se que, na sucessão de 2010, após amealhar quase 20 mihões de votos no primeiro turno, Marina se absteve de tomar partido no segundo round. E Dilma, então adversária de José Serra, herdou mais de 50% dos votos dela. De resto, o tucanato receava que Eduardo Campos cedesse aos apelos de Lula e se retirasse da disputa, facilitando a vida de Dilma. Essa hipótese, mercê dos compromissos assumidos publicamente com Marina, tornou-se improvável.
De resto, o eventual crescimento de Eduardo Campos nas pesquisas, como ele próprio disse neste sábado, irá furar “a falsa polarização” entre tucanos e petistas. Nessa perspectiva, vai para o beleléu a estratégia de Lula de repetir em 2014 o Fla-Flu que faz das sucessões presidenciais, desde 1994, uma gincana entre petistas e tucanos.
Marina produziu todo esse rebuliço entre a noite de quinta-feira, dia em que a Rede conheceu o seu Waterloo no plenário do TSE, e a tarde deste sábado, quando ela revelou, sob holofotes, as razões que a levaram articular o ‘Plano C’ de Campos. Em 48 horas, a líder da Rede evitou o abismo com uma técnica de desenho animado.
Nos desenhos, quando acaba o chão, os personagens caminham no vazio. Só despencam quando se dão conta de que estão pisando o nada. Se não olhassem pra baixo, atravessariam o abismo. Marina Silva adotou essa técnica. Com sete partidos a lhe oferecer abrigo para que fizesse o previsível, optou por filiar-se ao PSB para fazer o improvável. Marina não olhou para baixo.
06 de outubro de 2013
Josias de Souza - UOL
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