Não vi nas manifestações do último domingo nenhuma indignação – nem mesmo uma plaquinha – contra a enorme desigualdade social brasileira, reduzida apenas timidamente durante os 12 anos do governo do PT. Também não havia cartazes denunciando a violência responsável por vitimar em sua maioria jovens negros, pobres e moradores de favelas dos grandes centros urbanos. Os abusos cometidos pela Polícia Militar em operações nas periferias das metrópoles não estampavam nenhuma camiseta. Reivindicações pela melhoria do transporte público, por moradias populares, pela ampliação da reforma agrária, nem pensar.
A ausência dessas pautas, negligenciadas desde sempre no Brasil, não desqualifica os protestos significativos do último fim de semana do ponto de vista da liberdade de expressão. Apenas mostra como a parcela realmente mais sofrida da população brasileira não estava presente em massa nem representada nos protestos do dia 15. E não porque essas pessoas estão satisfeitas com a sua situação, mas talvez reconheçam uma pequena melhoria na qualidade de vida na última década.
O ódio expressado por uma parte nem tão pequena de quem foi para as ruas não encontra respaldo em boa parte da sociedade. Desaprovar o governo – como mostrou a pesquisa Datafolha, 62% reprovam a gestão de Dilma Rousseff nesse momento – não significa, ou não deveria significar, tirá-lo à força ou defender o retrocesso de conquistas sociais importantes.
BANDEIRAS CONSERVADORAS
Por trás dos pedidos genéricos de basta à corrupção, há sim inúmeras bandeiras conservadoras e também desejos individualistas de manutenção de privilégios. A centralização no PT e no governo Dilma de toda a responsabilidade pela corrupção no país, como ocorreu no domingo, é uma forma simplista, desonesta e intencional de deslegitimar discussões importantes trazidas à opinião pública a partir de 2003.
Os crimes sórdidos cometidos durante a ditadura militar e a discussão da punição de seus autores, por exemplo, só se tornaram uma agenda porque o governo capitaneou esse processo nos últimos anos. Da mesma forma, o debate da violência contra a mulher, o respeito à diversidade sexual, um olhar para fora da zona Sul apenas são possíveis porque houve uma sinalização do poder público nesse sentido.
Os erros e “traições” dos governos do PT – e não são poucos, inclusive a permissividade despudorada com a corrupção – afetaram muito mais quem não estava destilando ódio ou dando demonstração de ignorância nas manifestações. São inaceitáveis e causam enorme desesperança os delírios golpistas, o flerte com a ditadura militar e a reivindicação classista de quem não aceita perder ou apenas deixar de ganhar sempre.
19 de março de 2015
Murilo Rocha
O Tempo
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