"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

NA DIREÇÃO CERTA

A decisão do governo de tornar permanente a desoneração da folha salarial não é a solução perfeita, cria distorções e déficits, mas é um passo na direção de mudar um problema ainda maior na economia. O sistema tradicional de recolhimento patronal ao INSS pune quem emprega mais e quem paga mais aos seus funcionários. A desoneração agrava, no entanto, o rombo na Previdência.

Opercentual sobre a folha que as empresas recolhem à Previdência cria vários desequilíbrios. Setores capital intensivo pagam pouco e setores que naturalmente têm que ter um grande número de funcionários têm um custo pesado demais. Isso incentiva a falsa terceirização, e o registro de salários mais baixos do que os efetivamente pagos, ou seja, o famoso pagamento “por fora”, principalmente nas médias empresas.

Outro mérito da medida do governo é não ficar restrito à indústria, que é o endereço da maioria dos benefícios fiscais setoriais dos últimos anos. Empresas de serviços, construção civil e comércio também estão entre as beneficiadas pela mudança que o governo agora torna permanente.

O problema continua sendo a assimetria de tratamento. Nem todos os setores que se beneficiariam entraram na medida. O ministro Guido Mantega disse que entrarão no ano que vem. Estranha declaração para um ministro de um governo que termina em dezembro de 2014. Tomara que seja apenas um escorregão e não mais uma das várias peças de campanha eleitoral em que se transformam todos os atos de governo ultimamente.



A Previdência é outro e grave problema a resolver para que a medida seja sustentável. O que foi feito até agora reduz a arrecadação em R$ 21 bilhões e o sistema de aposentadorias já é deficitário. O rombo tende a ser cada vez maior por razões demográficas. O governo até agora nada fez para construir um equilíbrio nas contas das várias previdências. O que já estava vermelho, mais vermelho ficará, porque se as empresas reduzirão o que recolhem, o governo, obviamente, terá menor arrecadação.

A questão é que em um mundo em que o emprego é sempre escasso seria contraditório manter o mesmo sistema que sempre onerou as empresas mais empregadoras. No mundo inteiro, o grande desafio das economias em um tempo de automatização, robotização e exigência de trabalhador qualificado é exatamente a aberturas de vagas no mercado de trabalho. É nesse ponto que a política adotada agora acerta.

O problema é a subestimação do enorme problema da Previdência. O ministro Guido Mantega disse que já há previsão para cobertura desse gasto, como se ele fosse apenas em um ano e não tivesse o enorme risco de continuar crescendo.

É preciso agora olhar profundamente as assimetrias dentro do mundo empresarial criadas pela concessão a apenas alguns setores. É preciso também reconhecer otamanhodoriscoprevidenciárioqueoBrasiltem.Do contrário, a solução a ser inventada pelo governo — na hipótese ou não da reeleição da presidente Dilma — será a de criar mais um imposto para cobrir o déficit da Previdência. Tudo terá ido por água abaixo se for assim.

O ideal seria fazer a sempre adiada reforma tributária e novas mudanças no sistema previdenciário. Todos sabem disso, inclusive os atuais comandantes dos ministérios, mas em época eleitoral ninguém quer dar má notícia ao eleitorado. Há ajustes a serem feitos e eles têm sido adiado por tempo demais.

O mérito da desoneração é não ser mais uma daquelas medidas apenas para a indústria automobilística que o governo chama de política industrial. Não resolve o peso excessivo sobre a folha de salários das empresas e precisa ser aperfeiçoada, mas é um passo na direção certa.
 
30 de maio de 2014
Miriam Leitão, O Globo

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