"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

CRIMINALIZAR O SOCIAL


Confesso que não consigo entender essa história de criminalização dos movimentos sociais. E olha que não é por falta de ouvir o termo, com subentendido alerta: não pode. Soa paradoxal. Quem se criminaliza é a pessoa que ofende o Código Penal: mata, machuca, rouba, furta, ameaça, calunia. Pode ser banqueiro, sem-terra, funcionário público, policial, político, monge, usuário de crack, jornalista ou gente de tantos outros tipos. Não importa.
Falo de pessoas. Movimentos, associações, empresas não cometem crimes. E o fato de existir um condenado por delito em determinado grupo não significa, de modo automático, que outros integrantes sejam culpados.

O problema é que se criou uma ideia de que alguns cidadãos não podem ser punidos quando erram, por já terem sofrido muito ao longo da vida e, ainda, carregarem a história de opressão dos ancestrais. Não é difícil compreender tal preocupação em um país que acumulou tantas mazelas em 514 anos. Mas não se poderá avançar reciclando a lamentação para transformá-la em leniência. A antropóloga Eunice Durham costuma dizer que, no Brasil, para resolver uma injustiça frequentemente se cria outra.

Décadas de ditadura civil e militar no século passado atrapalharam muito a formação da nossa sociedade. Em regimes assim, a Constituição, as leis e o próprio Estado se tornam ilegítimos. Passa a ser moralmente aceitável transgredir.
Foi dura a conquista da democracia. Para não regredir, de modo radical ou parcial, é preciso compreender que algumas coisas antes vistas como luta pela liberdade passaram a ser atentado à sociedade.

A divergência e a contestação devem estar vivas pela manifestação das ideias, pelo acesso ao Judiciário e pelo exercício da política. Jamais podem justificar crimes. Um dia, talvez todo mundo compreenda isso. Enquanto buscamos essa utopia, cabe ao Estado defender a sociedade, sem abrir mão do uso da força quando necessário. É assim que funcionam as democracias mais avançadas, não isentas de tensões.

Gente que lança flechas contra policiais, destrói patrimônio público e privado, queima pneus ou simplesmente impede as pessoas de ir e vir nas vias públicas não prejudica apenas quem está em volta. Pune todos os brasileiros. Até os que nem nasceram ainda.

30 de maio de 2014
Paulo Silva Pinto, Correio Braziliense
 

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