Dilma Rousseff pode não ter percebido, mas seu governo começou a acabar
Dilma Rousseff pode não ter percebido, mas seu governo começou a acabar. A marcha fúnebre governamental começou a ser executada no fim de semana pelo agora ex-chanceler Antonio Patriota no belo prédio do Itamaraty, no lado oposto ao Palácio do Planalto, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
No sábado, a presidente foi surpreendida com a informação de que o senador e líder da oposição na Bolívia Roger Pinto Molina chegara ao Brasil. Durante 455 dias, ele fora mantido em confinamento numa sala de 20 metros quadrados na embaixada brasileira em La Paz - apesar de ter recebido asilo político do governo Dilma Rousseff.
Principal adversário político do presidente boliviano, Evo Morales, o senador Pinto Molina deve a vida ao diplomata Eduardo Saboia, que o conduziu em carro oficial, sob escolta de dois fuzileiros navais brasileiros, em cinematográfica fuga por 1,6 mil quilômetros de estradas.
Quase sem gasolina, o refugiado boliviano foi recolhido em Corumbá e levado a Brasília em avião privado por Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro. Detalhes devem ser relatados nesta terça-feira, em audiência na Comissão.
Sobraram nesse episódio evidências de que, na reta final do mandato, o governo Dilma Rousseff - especialmente o Itamaraty - perdeu a bússola da interdependência entre desenvolvimento, democracia e direitos humanos.
No domingo, o chanceler Antonio Patriota anunciou “inquérito”, “medidas administrativas” e “disciplinares” contra o diplomata que escolheu salvar a vida de um refugiado que se encontrava sob proteção do Estado brasileiro.
Patriota fez a pior escolha: deixou publicamente expostos Saboia, sua mulher - que é funcionária do Itamaraty - e seus filhos residentes em Santa Cruz de La Sierra. O chanceler violou os códigos diplomático, de defesa nacional e do serviço público ao comprometer a segurança de um servidor e de sua família em território estrangeiro.
Durante 15 meses, Dilma e Patriota jogaram com a vida de Pinto Molina num “faz de conta” com o governo Evo Morales. Meses atrás, o avião da Força Aérea Brasileira que transportou a La Paz o ministro da Defesa, Celso Amorim, foi invadido. Militares bolivianos, armados e com cães de caça, revistaram o jato da FAB à procura do senador, que não estava a bordo. Na época, Patriota reagiu com uma nota de protesto “reservada” para não melindrar Dilma.
Mais tarde, numa reunião com o presidente boliviano, o chanceler brasileiro aceitou deixar na porta do palácio de La Paz o embaixador brasileiro Marcelo Biato, que mobilizara o governo Dilma para dar asilo ao adversário de Morales (ao voltar, Patriota anunciou sua remoção e atribuiu a Saboia o comando interino da representação na Bolívia).
A presidente e o agora ex-chanceler perderam a chance de agradecer ao diplomata Saboia. Com ousadia, ele retirou da agenda presidencial um problema delicado para o Palácio do Planalto: o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, havia marcado para o próximo dia 11 de setembro o julgamento do pedido de habeas corpus para o senador boliviano. O STF protelava o julgamento a pedido do governo, mas não poderia fazê-lo indefinidamente.
Quando setembro chegasse, Dilma seria levada ao banco dos réus, formalmente acusada de violação de garantias constitucionais à liberdade individual, coação ilegal e abuso do poder presidencial num caso de direitos humanos de cidadão estrangeiro asilado em embaixada brasileira.
O argumento central no processo era de que, desde a concessão do asilo, as decisões da presidente só beneficiaram o boliviano Evo Morales, que sonhava encarcerar seu potencial adversário na eleição do ano que vem.
Dilma chega à reta final do mandato com uma Chancelaria que espelha o governo: perdeu a bússola e transforma soluções em problemas.
A violação da segurança de um servidor em missão no exterior contém uma mensagem de efeito político corrosivo nessa etapa de fim de governo, principalmente, para a biografia dos responsáveis.
27 de agosto de 2013
José Casado, O Globo
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