Dilma Rousseff degolou o ministro Antônio Patriota. A demissão aconteceu no arrasto da operação que trouxe ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina depois de 455 dias de segregação na representação do Brasil em La Paz. Patriota sempre foi um ministro inexpressivo. Sob seu comando, o Itamaraty não conseguiu sequer esboçar um gesto de contrariedade no episódio da prisão desumana dos torcedores corintianos em Oruro.
Patriota pode ser enquadrado muito bem em uma categoria que nada tem a ver com a tradição secular de respeito e admiração da nossa diplomacia. Tradição inaugurada pelo Barão do Rio Branco no começo do século passado e reafirmada quatro décadas depois por Osvaldo Aranha.
O esforço para acabar com esse prestígio começou no governo passado e se mantém vigoroso até hoje. Nesse período, o Brasil protagonizou alguns dos episódios mais controvertidos do presente. Por exemplo, a fantástica incursão de Lula pelo Oriente Médio para convencer israelenses e palestinos a fazerem as pazes com um brinde de cachaça.
Os dois últimos ministros — não posso deixar de lembrar também o assessor internacional Marcos Aurélio Garcia — proporcionaram alguns dos piores momentos da história da nossa diplomacia. Um dos pontos culminantes (das gafes mais recentes) foi a atuação em Honduras, quando o Brasil interveio para tentar reconduzir Manuel Zelaya ao Poder. Zelaya era um notório corrupto que tentou golpear a Constituição para se reeleger e terminou deposto.
O Brasil, até então respeitabilíssimo pela ponderação e equilíbrio de seus diplomatas, surgiu diante do mundo como um País colonialista, intervencionista e desrespeitoso, que prega mas não respeita o princípio da autodeterminação dos povos.
Na época, o ministro era Celso Amorim que, como Lula, só se referia ao presidente interino de Honduras como “golpista”, sem jamais mencionar seu nome.
Em algumas ações de Patriota percebe-se claramente o DNA Amorim. Daquele que não conseguiu, por exemplo, reagir à expropriação da refinaria da Petrobras por Evo Morales.
Assim como Amorim coonestou (no mínimo) a Operação Tegucigalpa, Patriota foi determinante para a suspensão do Paraguai do Mercosul. O País havia acabado de depor Fernando Lugo. A deposição, vista como golpe, era inaceitável sob todos os aspectos para o Brasil. Serviu, no entanto, de pretexto moral para outro golpe: a introdução da Venezuela como sócio pleno da agremiação cisplatina.
Volto ao caso do senador Pinto Molina.
Há um ano e meio ele aguardava um salvo-conduto. Não sei se é o corrupto que Evo Morales anuncia ao mundo ou se é apenas mais um perseguido por um governo que, como denuncia, tem sérias imbricações com o narcotráfico.
O fato é que o parlamentar boliviano havia conseguido uma salvaguarda do governo brasileiro, que aceitou admití-lo como asilado. Mas em nada molestou o governo de La Paz pela concessão do salvo-conduto.
O Brasil também não fez uma reclamação sequer contra a desumanidade do confinamento prolongado. Suportou até ver os corintianos mantidos em um cativeiro abertamente ilegal sem pronunciar um único discurso convincente contra a chantagem que essa situação esdrúxula evidenciava.
O episódio que culminou com a demissão de Patriota ainda é obscuro demais para que se forme uma opinião sobre ele. Faltam informações para dar sentido ao caso. Pouco se sabe até agora. Parece claro que houve quebra de hierarquia. Mas não se sabe ainda o que levou o diplomata Eduardo Sabóia a fazer o que fez. É pouco provável que ele seja louco a ponto de arriscar a vida desse senador — e a sua própria — em uma viagem insana de 22 horas de duração.
Fato é que ela gerou um efeito positivo até agora: a demissão de Patriota.
Será que isso significa também o fim das patriotadas ?
Em tempo: Meia dúzia de imbecis já começam a demonizar, no Twitter, esse senador boliviano. Mesmo sem ter noção do motivo que levou o próprio governo brasileiro a conceder o asilo. Um deles insiste em alcunhar os parlamentares que apoiaram o ingresso do asilado como “bancada do pó”.
Esses mesmos vândalos virtuais de reputações afirmam que é preciso “devolver” Ponto Molina à Bolívia. Para um País que já acolheu um Cesare Battisti, devolveu dois boxeadores dissidentes e entregou Olga Benário aos nazistas, é café pequeno.
27 de agosto de 2013
in Fábio Pannunzio
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