"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

INFLAÇÃO E LEIS DE IMPUNIDADE

“Quanto maior o número de leis, tanto maior o número de ladrões” – ensinava há séculos na China milenar o filósofo Lao Tsé. No Brasil, a multiplicação de leis e decretos, no legislativo e no executivo, é o grande responsável pelo congestionamento de processos no judiciário, transformando a obstrução processual em ato de retardar e impedir, muitas vezes, a punição do delito praticado. Acrescentem-se os recursos excessivos operando como instrumento obstador da celeridade judicial.
Existem atualmente 93 milhões de processos tramitando no judiciário em todas as áreas do direito no Brasil. O arsenal de recursos é vasto, os mais usados vão desde “apelação”, “agravo de instrumento”, “agravo regimental”, “alegações finais”, “apelação criminal”, “arguição de inconstitucionalidade”, “efeito suspensivo”, “embargos” e “embargos de execução”.
A dilação de processos nas várias instâncias judiciais, para quem dispõe de recursos econômicos, opera com grande eficiência. Infelizmente o garantismo processual não protege os réus pobres que não podem contratar bancas jurídicas e tem os seus direitos postergados, demonstrando que o conceito de “Lei para todos” é bastante seletivo. O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, retratou essa realidade: “Há uma seletividade no sistema punitivo brasileiro. Quem tem condições de manter advogado para interpor um recurso atrás do outro descabido, não são os pobres que superlotam as cadeias”.
ORDEM ILEGAL – Há alguns anos, o saudoso amigo Maurício Corrêa, ministro do STF, escreveu página histórica ao relatar o “habeas corpus” 73-454, ante essa ambiguidade: “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever da cidadania apor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito”. Exigindo isenção, equilíbrio e bom senso no cumprimento da lei  quando o suposto réu é um brasileiro anônimo.
Sem dúvida foi uma grande decisão do Supremo Tribunal Federal aprovar que o réu condenado na segunda instância da Justiça começa a cumprir pena de prisão, fortalecendo o combate a corrupção brasileira. Antes o condenado poderia continuar livre até se esgotarem todos os recursos no Judiciário.  Nos Estados Unidos, a prisão já decorre de pena aplicada na primeira instância.
Agora, de maneira insana, o governo brasileiro, através a AGU (Advocacia Geral da União) estaria pretendendo que o STF (com apoio de alguns de seus ministros) voltasse atrás na decisão histórica. As bancas jurídicas, defensoras de figuras de alto poder aquisitivo e de grupos econômicos envolvidos em ilicitudes, são vozes ativas na defesa da revisão daquela decisão.
IMPUNIDADE – Na origem, alimentando a impunidade, está o fato de existir quatro instâncias de recursos. Em 2010, na presidência do STF, o ministro Cezar Peluso, afirmava: “O Brasil é o único país do mundo que tem na verdade quatro instâncias recursais.” Defendia que para diminuir a impunidade, acabando com a proliferação de recursos nos tribunais superiores, era preciso mudar a Constituição; estabelecendo que os processos se conduzissem nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais. Os recursos ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) a terceira instância e ao STF, a quarta instância, para rever ou anular a decisão, enquanto não fossem julgados, a pena aplicada na primeira e na segunda instância seria cumprida.
O retardamento dos processos é coisa tipicamente brasileira. Realidade ilustrada pelo empresário Luiz Estevão. Envolvido em fraudes ocorridas em 1992, em 2006 foi condenado a 31 anos de prisão. Ao longo do tempo apresentou 34 recursos contra a decisão. Só pode ser preso depois da decisão do STF, ao definir que condenado em segunda instância, o réu é obrigado a cumprir a pena. Atualmente cumpre temporada na penitenciária da Papuda, em Brasília. No seu caso, plantar recursos como estratégia para colher a prescrição da pena não deu certo.

02 de novembro de 2017
Hélio Duque

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