Um dos problemas do Brasil é que muitas autoridades não respeitam as regras que devem nortear suas posturas perante a sociedade, adoram aparecer na mídia, dão declarações a torto e a direito, como se dizia antigamente.
Vejam o caso do ministro Marco Aurélio Mello, um dos mais antigos membros do Supremo Tribunal Federal. Não satisfeito em aparecer constantemente na televisão, nas transmissões ao vivo das sessões, na terça-feira passada ele aceitou participar do programa “Espaço Público”, da TV Brasil.
Entrevistado pelos jornalistas Florestan Fernandes Jr. e Paulo Moreira Leite, o ministro do Supremo ganhou uma hora inteira para desfilar seus conflitos de personalidade, batendo duramente em quem não pode se defender (o juiz federal Sérgio Moro) e poupando quem lhe daria pronta e crua resposta (o ministro do Supremo Gilmar Mendes).
DELAÇÃO PREMIADA
Quando se esperava que Marco Aurélio elogiasse a habilidosa e bem-sucedida estratégia da força-tarefa formada pela Procuradoria da República no Paraná e a Polícia Federal para conseguir delações premiadas, que estão passando o país a limpo, o ministro do Supremo fez justamente o contrário e passou a criticar a postura do juiz federal Sérgio Moro na Operação Lava Jato, que apura denúncias de desvio de dinheiro da Petrobras.
Na opinião de Marco Aurélio, a delação premiada deveria ser exceção no direito. “Não posso desconhecer que se logrou um número substancial de delações premiadas e se logrou pela inversão de valores, prendendo para, fragilizado o preso, alcançasse a delação. [Isso] não implica avanço, mas retrocesso cultural. Imagina-se que de início [a delação premiada] seja espontânea e surja no campo do direito como exceção e não regra. Alguma coisa está errada neste contexto”, sentenciou o ministro.
Ao invés de aplaudir a criatividade da estratégia da força-tarefa formada pela Procuradoria da República no Paraná e a Justiça Federal, que está propiciando a devassa do maior esquema de corrupção já visto no país, Marco Aurélio fez exatamente o contrário e defendeu a impunidade dos criminosos, que seria obviamente alcançada caso não houvesse delação.
Na prática, somente quem sabe que não vai se livrar da prisão é que aceita fazer delação premiada. Mas o ministro Marco Aurélio acha justamente o contrário. E esta sua declaração na TV era tudo o que os advogados de defesa estavam esperando para, mais adiante, requererem a anulação dos processos.
PEDINDO VISTAS
Na reveladora entrevista, Marco Aurélio criticou também o financiamento privado de campanha, aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada. “O financiamento privado vai sair caro para a sociedade”, disse. “Não tem altruísmo, as empresas não doam tendo em conta a ideologia dos partidos. Depois buscam o troco e esse troco que é muito caro à sociedade”, acrescentou.
A questão também tramita no Supremo. No ano passado, a maioria dos ministros votou a favor da proibição de doações de empresas privadas para campanhas políticas. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista de Gilmar Mendes.
Indagado pelos jornalistas sobre essa demora do ministro em devolver o processo, Marco Aurélio foi mais sutil: “Aquele que pede [vista] é para refletir e deve devolver o projeto em tempo hábil”, afirmou, sem mencionar que existe prazo fatal para devolução do processo que está sendo descumprido por Mendes.
O fato é que, se tivesse atacado Mendes, certamente Marco Aurélio ouviria dele uma resposta desmoralizante. O ministro simplesmente lhe diria que pediu vistas para evitar que o Supremo fizesse o que não pode, que é legislar.
O julgamento mostra mesmo que o tribunal estava legislando, e não pode fazê-lo. Gilmar Mendes parou o processo para evitar o vexame. Quem legisla é o Congresso. O Supremo apenas declara se a lei é constitucional ou não. Simples assim. Mas tem ministro que até hoje ainda não aprendeu isso.
07 de junho de 2015
Carlos Newton
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