“Em uma palavra, a desmoralização era geral. Clero, nobreza e povo estavam todos pervertidos.”
Joaquim Manuel de Macedo, “Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro” (1862-3)
Ufane-se, leitor. Estamos afanando como nunca. A República das Bananas foi promovida a República dos Ladrões. Se nossos índices de desenvolvimento são pífios, continuamos referência mundial em roubo, corrupção, sonegação, propina, apropriação indébita, furto, desvio de dinheiro público, latrocínios variados, homicídios diversos e picaretagens em geral. E agora estamos bombando também na modalidade “esfaqueamentos públicos”.
Joaquim Manuel de Macedo, “Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro” (1862-3)
Ufane-se, leitor. Estamos afanando como nunca. A República das Bananas foi promovida a República dos Ladrões. Se nossos índices de desenvolvimento são pífios, continuamos referência mundial em roubo, corrupção, sonegação, propina, apropriação indébita, furto, desvio de dinheiro público, latrocínios variados, homicídios diversos e picaretagens em geral. E agora estamos bombando também na modalidade “esfaqueamentos públicos”.
Falta dinheiro para educação, saúde, transporte, segurança etc., mas para a roubalheira nunca escasseiam os recursos e as soluções criativas. O crime se espalha por todas as camadas de nossa sociedade, comprovando o teor suprapartidário e ecumênico da rapinagem brasileira.
A desonestidade grassa nas artes, ciências e profissões liberais. Há bandidos nas classes altas — empresários sonegadores, banqueiros ladrões, executivos corruptos e administradores propineiros —; abundam criminosos na política e governantes foliões do bloco do “rouba mas faz”; multiplicam-se criminosos na polícia e ladrões no clero, coroinhas desonestos, padres vigaristas, pastores safados, sargentos achacadores, cabos assassinos e juízes larápios; perambulam por nossas ruas estelionatários de classe média, traficantes playboys, bandidos de classe C, punguistas miseráveis, mendigos homicidas e ladrões de toda espécie, além dos contraventores, traficantes, criminosos de colarinho branco e matadores profissionais de praxe.
Somos uma potência na roubalheira e na bandidagem. Do rico empresário flagrado em propinas internacionais ao adolescente que assassinou a facadas o médico Jaime Gold na Lagoa, o crime se impõe democraticamente como o inexorável destino da Pátria Esfaqueadora. Venha, leitor, permita-me conduzi-lo a um rápido passeio pelo sinistro panteão dos bandidos pátrios. Por aqui, por favor.
Lampião
Note, à direita, Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro que barbarizou o interior de estados do Nordeste brasileiro no início do século XX. Cometeu roubos, sequestros, assassinatos, torturas, mutilações, estupros e saques. Pelo conjunto da obra, tornou-se nosso bandido essencial, um mito com ares de revolucionário político.
Gino Meneghetti
Veja ali, no outro lado, o italiano que chegou a São Paulo em 1913 já com a reputação de ladrão perigoso, tornou-se famoso por seu temperamento afável e foi apelidado pela imprensa de “bom ladrão”. Era também conhecido como o “gato de telhado” pela facilidade com que se locomovia pelos telhados paulistanos em fuga da polícia. Um simpático Fred Astaire da ladroagem
Cara de Cavalo
Vamos andar mais rápido, venha. Durante a ditadura militar, por afrontarem o governo golpista, bandidos comuns, ainda que facínoras banais, ganhavam status de heróis. Manoel Moreira era um proxeneta ligado ao jogo do bicho que nas horas vagas vendia maconha na Central do Brasil. Em 1964 matou o detetive que organizara o Scuderie Le Cocq, que, ao contrário do que o nome sugere, não era um salão de beleza, mas um esquadrão clandestino especializado em eliminar bandidos. Um mês depois, Cara de Cavalo era executado pela polícia. Foi imortalizado pelo artista plástico Hélio Oiticica no poema-bandeira “seja marginal, seja herói”.
O Bandido da Luz Vermelha
Ali, veja. João Acácio Pereira da Costa assaltava casas em São Paulo munido de uma lanterna de bocal vermelho, que lhe rendeu o apelido. Foi preso em 1967 e só saiu da prisão 30 anos depois, para morrer no ano seguinte numa briga de bar em Joinville. Inspirou o filme “O bandido da luz vermelha”, de Rogério Sganzerla, um clássico do cinema underground nacional.
Ronald Biggs
Venha, olhe ali, à esquerda. O mais popular dos ladrões internacionais que recebemos com nossa brejeira hospitalidade! Biggs participara do famoso assalto ao trem postal em Buckinghamshire, Inglaterra, em 1963, mas foi preso no ano seguinte. Em 1965 fugiu de uma penitenciária em Londres e na década de 1970 veio parar no Rio de Janeiro. Aqui tornou-se uma celebridade, e costumava dar autógrafos e posar para fotos com turistas. Participou do documentário “The great rock’n’roll swindle”, de Julian Temple, sobre os Sex Pistols.
Escadinha
José Carlos dos Reis Encina, traficante de drogas nos anos 1970 e 1980, foi o fundador, junto com o irmão Paulo Maluco, da Falange Vermelha, organização criminosa que mais tarde se tornou o Comando Vermelho. Outro grande feito de Escadinha foi a fuga do presídio de Ilha Grande, em 1986, resgatado por um helicóptero. O episódio inspirou a música “Sambadrome”, da banda inglesa Big Audio Dynamite.
Chega.
Cansou? Eu também. Mas não consigo achar a saída desse panteão, desculpe. Caímos num labirinto. Teremos de nos acostumar a cidadãos indefesos esfaqueados e iates comprados com dinheiro público desviado. Por aqui, por favor…
07 de junho de 2015
Tony Bellotto
Lampião
Note, à direita, Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro que barbarizou o interior de estados do Nordeste brasileiro no início do século XX. Cometeu roubos, sequestros, assassinatos, torturas, mutilações, estupros e saques. Pelo conjunto da obra, tornou-se nosso bandido essencial, um mito com ares de revolucionário político.
Gino Meneghetti
Veja ali, no outro lado, o italiano que chegou a São Paulo em 1913 já com a reputação de ladrão perigoso, tornou-se famoso por seu temperamento afável e foi apelidado pela imprensa de “bom ladrão”. Era também conhecido como o “gato de telhado” pela facilidade com que se locomovia pelos telhados paulistanos em fuga da polícia. Um simpático Fred Astaire da ladroagem
Cara de Cavalo
Vamos andar mais rápido, venha. Durante a ditadura militar, por afrontarem o governo golpista, bandidos comuns, ainda que facínoras banais, ganhavam status de heróis. Manoel Moreira era um proxeneta ligado ao jogo do bicho que nas horas vagas vendia maconha na Central do Brasil. Em 1964 matou o detetive que organizara o Scuderie Le Cocq, que, ao contrário do que o nome sugere, não era um salão de beleza, mas um esquadrão clandestino especializado em eliminar bandidos. Um mês depois, Cara de Cavalo era executado pela polícia. Foi imortalizado pelo artista plástico Hélio Oiticica no poema-bandeira “seja marginal, seja herói”.
O Bandido da Luz Vermelha
Ali, veja. João Acácio Pereira da Costa assaltava casas em São Paulo munido de uma lanterna de bocal vermelho, que lhe rendeu o apelido. Foi preso em 1967 e só saiu da prisão 30 anos depois, para morrer no ano seguinte numa briga de bar em Joinville. Inspirou o filme “O bandido da luz vermelha”, de Rogério Sganzerla, um clássico do cinema underground nacional.
Ronald Biggs
Venha, olhe ali, à esquerda. O mais popular dos ladrões internacionais que recebemos com nossa brejeira hospitalidade! Biggs participara do famoso assalto ao trem postal em Buckinghamshire, Inglaterra, em 1963, mas foi preso no ano seguinte. Em 1965 fugiu de uma penitenciária em Londres e na década de 1970 veio parar no Rio de Janeiro. Aqui tornou-se uma celebridade, e costumava dar autógrafos e posar para fotos com turistas. Participou do documentário “The great rock’n’roll swindle”, de Julian Temple, sobre os Sex Pistols.
Escadinha
José Carlos dos Reis Encina, traficante de drogas nos anos 1970 e 1980, foi o fundador, junto com o irmão Paulo Maluco, da Falange Vermelha, organização criminosa que mais tarde se tornou o Comando Vermelho. Outro grande feito de Escadinha foi a fuga do presídio de Ilha Grande, em 1986, resgatado por um helicóptero. O episódio inspirou a música “Sambadrome”, da banda inglesa Big Audio Dynamite.
Chega.
Cansou? Eu também. Mas não consigo achar a saída desse panteão, desculpe. Caímos num labirinto. Teremos de nos acostumar a cidadãos indefesos esfaqueados e iates comprados com dinheiro público desviado. Por aqui, por favor…
07 de junho de 2015
Tony Bellotto
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