Nessa quarta feira, dia 10 de junho, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, relatora no STF do projeto que libera para publicação as biografias não autorizadas, encerra a polêmica que sacode o país desde o ano passado.
Se entendi bem tudo que leio nos jornais e na internet desde o início dos debates (ou que andei ouvindo de alguns interessados), nossos mais significativos artistas da música popular aderiram, no ano passado, à campanha contra essa liberação num acordo que traria Roberto Carlos para a militância dos direitos autorais, em troca do apoio dos outros à proibição das biografias não autorizadas.
Junto com Roberto, artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e outros da mesma estirpe, sob a liderança da produtora Paula Lavigne, criaram então a Associação Procure Saber (APS), uma aliança entre nossos melhores astros e estrelas populares. No meio do caminho, parece que Roberto Carlos descumpriu o combinado e criticou seus parceiros, eximindo-se de culpa diante da enorme repercussão pública contra a censura às biografias não autorizadas.
Deve ser mesmo difícil fazer política com alguém que está, há mais de 50 anos, acostumado a ser chamado de rei. Rei não faz política, rei impõe sua vontade. Mas, pelo menos dessa vez, o Rei está errado. Apesar de toda a minha grande admiração pelo artista, não vejo na figura agora solitária de Roberto Carlos um valor superior ao daqueles seus eventuais aliados. Roberto é meio como o outro rei, Pelé — nós adoramos ouvi-los e vê-los atuar, mas precisamos pouco de suas opiniões sobre o mundo.
No meio desta semana, a APS informou por nota que “estamos fora do assunto desde a saída de Roberto Carlos” (“Folha de S.Paulo”). Tanto melhor. É difícil e muito desconfortável nos manifestarmos contra projeto de um grupo tão representativo do que ainda temos de melhor no país, ficamos imaginando as razões de uma posição que não compreendemos. Mas agora estamos liberados para dizer que proibir a publicação de biografias não autorizadas é uma violência contra a liberdade de expressão e o progresso cultural do país.
Podemos aceitar que a Constituição tenha cláusulas “pétreas”, mas nenhuma delas deve ser absoluta. Até as pedras se modificam, perdem seu peso e mudam de cor, quando se vão na corrente dos rios. São os costumes que fazem as leis, e não o contrário. Ou seja, quando consagrados pela sociedade em que se impõem, os costumes são mais poderosos que a lei e a modificam necessariamente. Não tem constituição que os iniba e contenha.
O direito à privacidade não é um valor absoluto. Se eu quiser falar publicamente do vizinho que me perturba, tenho todo o direito de fazê-lo. Se meu vizinho não gostar, tem por sua vez o direito de me responder e de me processar, exigindo punição à minha mentira ou infâmia. Quando o outro, mais do que meu vizinho, é um homem público, capaz de mexer com a política ou a cultura nas quais estou inserido, das quais faço parte e dependo, que levam a sociedade em que vivo numa determinada direção, é até uma minha obrigação me meter na vida dele. Isso talvez me faça compreender melhor seu mecanismo de ação, entendê-lo ou repudiá-lo; talvez me faça compreender melhor o próprio mundo em que vivo, fazendo portanto parte da cultura que me envolve.
Já o direito à liberdade de expressão é a própria razão da democracia e é do conflito entre o que todo nós manifestamos que se expressa a liberdade, a única virtude que não pode ser nunca flagrada em perigo. Até a liberdade de mentir deve ser permitida, contanto que o infrator possa ser punido pela eventual verdade ferida.
Proibir a publicação de biografias não autorizadas, em nome da privacidade de suas vítimas, é o mesmo que mandar fechar todo o sistema bancário para evitar assaltos a banco. Estamos no mundo para conhecer e criar, não podemos proibir aquilo que melhora nossa percepção do real sobre o qual atuamos. O próprio Caetano Veloso, citado pela coluna de Ancelmo Gois, afirmou a amigos que não quer “biografias chapas-brancas”. Essas é que são a construção de uma ilusão de todos, em benefício das fantasias de um só, o biografado.
Estamos falando do progresso da cultura brasileira, fazendo-a mais responsável, sendo criticada sempre que necessário, no público ou no privado. A vida privada de todo mundo, do gari na rua ao presidente da República, não é mais importante do que a necessidade que temos de sabermos melhor em que mundo vivemos. E como vivem aqueles em que confiamos.
Cantinho do Botafogo (plagiando o Dapieve). Há muito tempo que nossa torcida não se sentia tão feliz. Agora na Série B, o Botafogo só faz ganhar e está invicto, em primeiro lugar na tabela do campeonato. Só precisa tomar cuidado para não ser campeão, porque aí vai ter que voltar à Série A.
07 de junho de 2015
Cacá Diegues
Se entendi bem tudo que leio nos jornais e na internet desde o início dos debates (ou que andei ouvindo de alguns interessados), nossos mais significativos artistas da música popular aderiram, no ano passado, à campanha contra essa liberação num acordo que traria Roberto Carlos para a militância dos direitos autorais, em troca do apoio dos outros à proibição das biografias não autorizadas.
Junto com Roberto, artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e outros da mesma estirpe, sob a liderança da produtora Paula Lavigne, criaram então a Associação Procure Saber (APS), uma aliança entre nossos melhores astros e estrelas populares. No meio do caminho, parece que Roberto Carlos descumpriu o combinado e criticou seus parceiros, eximindo-se de culpa diante da enorme repercussão pública contra a censura às biografias não autorizadas.
Deve ser mesmo difícil fazer política com alguém que está, há mais de 50 anos, acostumado a ser chamado de rei. Rei não faz política, rei impõe sua vontade. Mas, pelo menos dessa vez, o Rei está errado. Apesar de toda a minha grande admiração pelo artista, não vejo na figura agora solitária de Roberto Carlos um valor superior ao daqueles seus eventuais aliados. Roberto é meio como o outro rei, Pelé — nós adoramos ouvi-los e vê-los atuar, mas precisamos pouco de suas opiniões sobre o mundo.
No meio desta semana, a APS informou por nota que “estamos fora do assunto desde a saída de Roberto Carlos” (“Folha de S.Paulo”). Tanto melhor. É difícil e muito desconfortável nos manifestarmos contra projeto de um grupo tão representativo do que ainda temos de melhor no país, ficamos imaginando as razões de uma posição que não compreendemos. Mas agora estamos liberados para dizer que proibir a publicação de biografias não autorizadas é uma violência contra a liberdade de expressão e o progresso cultural do país.
Podemos aceitar que a Constituição tenha cláusulas “pétreas”, mas nenhuma delas deve ser absoluta. Até as pedras se modificam, perdem seu peso e mudam de cor, quando se vão na corrente dos rios. São os costumes que fazem as leis, e não o contrário. Ou seja, quando consagrados pela sociedade em que se impõem, os costumes são mais poderosos que a lei e a modificam necessariamente. Não tem constituição que os iniba e contenha.
O direito à privacidade não é um valor absoluto. Se eu quiser falar publicamente do vizinho que me perturba, tenho todo o direito de fazê-lo. Se meu vizinho não gostar, tem por sua vez o direito de me responder e de me processar, exigindo punição à minha mentira ou infâmia. Quando o outro, mais do que meu vizinho, é um homem público, capaz de mexer com a política ou a cultura nas quais estou inserido, das quais faço parte e dependo, que levam a sociedade em que vivo numa determinada direção, é até uma minha obrigação me meter na vida dele. Isso talvez me faça compreender melhor seu mecanismo de ação, entendê-lo ou repudiá-lo; talvez me faça compreender melhor o próprio mundo em que vivo, fazendo portanto parte da cultura que me envolve.
Já o direito à liberdade de expressão é a própria razão da democracia e é do conflito entre o que todo nós manifestamos que se expressa a liberdade, a única virtude que não pode ser nunca flagrada em perigo. Até a liberdade de mentir deve ser permitida, contanto que o infrator possa ser punido pela eventual verdade ferida.
Proibir a publicação de biografias não autorizadas, em nome da privacidade de suas vítimas, é o mesmo que mandar fechar todo o sistema bancário para evitar assaltos a banco. Estamos no mundo para conhecer e criar, não podemos proibir aquilo que melhora nossa percepção do real sobre o qual atuamos. O próprio Caetano Veloso, citado pela coluna de Ancelmo Gois, afirmou a amigos que não quer “biografias chapas-brancas”. Essas é que são a construção de uma ilusão de todos, em benefício das fantasias de um só, o biografado.
Estamos falando do progresso da cultura brasileira, fazendo-a mais responsável, sendo criticada sempre que necessário, no público ou no privado. A vida privada de todo mundo, do gari na rua ao presidente da República, não é mais importante do que a necessidade que temos de sabermos melhor em que mundo vivemos. E como vivem aqueles em que confiamos.
Cantinho do Botafogo (plagiando o Dapieve). Há muito tempo que nossa torcida não se sentia tão feliz. Agora na Série B, o Botafogo só faz ganhar e está invicto, em primeiro lugar na tabela do campeonato. Só precisa tomar cuidado para não ser campeão, porque aí vai ter que voltar à Série A.
07 de junho de 2015
Cacá Diegues
Nenhum comentário:
Postar um comentário