É espaçosa a tal da Fifa. Esqueça a dúzia de cidades-sede e estádios. Ignore os benefícios tributários. Releve o tratamento de chefe de Estado que o presidente da entidade, Joseph Blatter, recebe quando circula pelo Brasil. Desconsidere tudo isso, e a poderosa Federação Internacional de Futebol ainda é a dona do jogo, da festa, da bola. E do ritmo. Na lista de quase duas centenas de nomes e figuras registradas para a Copa 2014, açambarcou o pagode.
Perdeu, Zeca Pagodinho. Dançou, Jorge Aragão. Já era, Almir Guineto. Até o fim deste ano, a palavra que batiza um gênero do samba e virou sinônimo de reunião de bambas é marca de alto renome da Dona Fifa. Não pode designar atividade alguma. “Se não, ela chora e diz que vai embora”, como no refrão de Noca da Portela e Tião de Miracema.
A culpa é da Lei da Copa. O texto, abençoado pelo governo federal e pelo Congresso Nacional, deu à Fifa direito à tramitação acelerada dos pedidos de registro de marcas no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI). Sem falar na isenção de taxas. Em condições normais, os processos dificilmente chegam ao fim em menos de três anos. Os da Fifa não completaram 12 meses. Desde a promulgação da Lei 12.663, de 5 de junho de 2012, a entidade fez 236 solicitações. Há 188 aprovadas e sete a caminho. Restam 39 em análise ou recurso. Apenas duas foram definitivamente indeferidas.
O pagode entrou na roda porque dá nome à fonte tipográfica da marca do Mundial 2014, aquela das letras gorduchinhas. Como tipologia, pertence para sempre à Fifa. Até 31 de dezembro, integra o grupo de palavras, expressões e imagens que não podem ser usadas em nenhuma atividade comercial. Pagode da Boa, caro Arlindo Cruz, não deve rolar. A diretoria que está mandando é outra. Quem desobedecer pode enfrentar a Justiça.
E que a rede carioca de supermercados fique esperta. Mundial com 2014 do lado é coisa da Fifa. Melhor tirar do calendário. O Natal 2014 também está sub judice. Quem mandou fazer da capital do Rio Grande Norte sede do torneio de futebol? De Porto Alegre a Manaus, todas as capitais da Copa estão registradas no INPI. Brasil 2014, idem.
É tudo, Dona Fifa explica, para garantir seus próprios direitos e dos patrocinadores sobre uma competição que, em 2010, foi acompanhada por 3,2 bilhões de pessoas no planeta. De cada dólar de receita, 70 centavos vêm das explorações comerciais. Duas dezenas de empresas pagaram caro para relacionar suas marcas à Copa. E a entidade que manda no futebol sua a camisa para coibir o uso indevido de nomes e imagens.
Desde 2010, foram 500 casos de violação de direitos. Na maioria, a Fifa notificou extrajudicialmente, e o infrator recuou. Em 2013, na Copa das Confederações, houve cem episódios. Há escritórios de advocacia escalados país afora. Até em portos e aeroportos são feitas ações para impedir liberação de mercadorias piratas.
O arsenal da Fifa tem exigido criatividade dos executivos de marketing e dos publicitários. Basta dar uma olhada nas promoções e nos anúncios de quem não entrou no time de patrocinadores. É um tal de seleção de prêmios, goleada de carros, arena, torcida campeã, Brasil em festa. Não é acaso. São palavras não registradas.
A bandeira nacional e suas cores estão livres. Escrita sozinha, a copa também não é da Fifa. Pode denominar outras competições, o cômodo vizinho à cozinha ou um tipo de embutido. Deu mais sorte que o pagode. Mas ninguém ousa.
21 de maio de 2014
Flávia Oliveira, Jornalista, é colunista de O Globo
Flávia Oliveira, Jornalista, é colunista de O Globo
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