Se a condenação de mensaleiros foi sinal forte de rejeição à impunidade, mazela nacional, caso o Supremo subordine instituição à Justiça, estará dando marcha à ré
A Constituinte de 87, redatora da Carta em vigor, aprovada no ano seguinte, cometeu equívocos na definição de vários preceitos. Um dos maiores foi ter sido influenciada ainda por uma visão de mundo em que o Estado ocupava papel primordial. Vale lembrar que o Muro de Berlim virou escombros no ano seguinte à promulgação do texto constitucional.
Mas é parte da História que aquela assembleia restabeleceu os direitos civis cassados pela ditadura em 1964, lançando as bases do estado democrático, patrimônio do povo brasileiro já por duas décadas e meia, o mais longo período ininterrupto de normalidade institucional em toda a República.
Dentro do espírito de liberalização política, a Constituição de 88 concedeu prerrogativas especiais ao Ministério Público, convertido em instrumento de defesa da sociedade contra abusos em geral, do Estado em particular.
Sem qualquer subordinação ao Executivo, Judiciário ou Legislativo, o MP foi, corretamente, convertido em uma espécie de guardião dos interesses gerais — para usar termos menos rebuscados.
E o balanço de sua atuação em todo este tempo é bastante positivo. Há desvios de procuradores e promotores, mas nada que não possa ser coibido pelo conselho nacional da atividade — nem sempre ativo como deveria.
O Ministério Público, devido mesmo ao seu perfil, costuma enfrentar adversidades. Há, afinal, muitos interesses que gostariam de podar prerrogativas essenciais do MP.
Hoje, prevê-se que o Supremo julgue a constitucionalidade de uma dessas tentativas de manietar a instituição, surgida no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a mudança de interpretação sobre a autonomia do MP para instaurar inquéritos policiais na investigação de crimes eleitorais. Com vistas ao pleito deste ano, entendeu o Tribunal baixar resolução que subordina a abertura de inquérito à decisão da Justiça.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defenderá perante a Corte a inconstitucionalidade da resolução. Há farto material para sustentar esta defesa.
Ora, se existe um campo em que se necessita melhorar bastante o arcabouço jurídico, criar e fortalecer instrumentos de fiscalização para coibir toda sorte de crimes, este é o político-eleitoral. E neste sentido, travar a atuação do MP será um retrocesso inominável — incompreensível mesmo para um Tribunal que acabou de dar histórica demonstração de isenção e rigor técnico no julgamento do mensalão.
Se a condenação de mensaleiros poderosos foi importante sinal de fortalecimento das instituições republicanas e de rejeição à impunidade, uma das mazelas nacionais, caso o Supremo subordine o MP à Justiça eleitoral, estará, infelizmente, dando marcha à ré.
A Constituinte de 87, redatora da Carta em vigor, aprovada no ano seguinte, cometeu equívocos na definição de vários preceitos. Um dos maiores foi ter sido influenciada ainda por uma visão de mundo em que o Estado ocupava papel primordial. Vale lembrar que o Muro de Berlim virou escombros no ano seguinte à promulgação do texto constitucional.
Mas é parte da História que aquela assembleia restabeleceu os direitos civis cassados pela ditadura em 1964, lançando as bases do estado democrático, patrimônio do povo brasileiro já por duas décadas e meia, o mais longo período ininterrupto de normalidade institucional em toda a República.
Dentro do espírito de liberalização política, a Constituição de 88 concedeu prerrogativas especiais ao Ministério Público, convertido em instrumento de defesa da sociedade contra abusos em geral, do Estado em particular.
Sem qualquer subordinação ao Executivo, Judiciário ou Legislativo, o MP foi, corretamente, convertido em uma espécie de guardião dos interesses gerais — para usar termos menos rebuscados.
E o balanço de sua atuação em todo este tempo é bastante positivo. Há desvios de procuradores e promotores, mas nada que não possa ser coibido pelo conselho nacional da atividade — nem sempre ativo como deveria.
O Ministério Público, devido mesmo ao seu perfil, costuma enfrentar adversidades. Há, afinal, muitos interesses que gostariam de podar prerrogativas essenciais do MP.
Hoje, prevê-se que o Supremo julgue a constitucionalidade de uma dessas tentativas de manietar a instituição, surgida no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a mudança de interpretação sobre a autonomia do MP para instaurar inquéritos policiais na investigação de crimes eleitorais. Com vistas ao pleito deste ano, entendeu o Tribunal baixar resolução que subordina a abertura de inquérito à decisão da Justiça.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defenderá perante a Corte a inconstitucionalidade da resolução. Há farto material para sustentar esta defesa.
Ora, se existe um campo em que se necessita melhorar bastante o arcabouço jurídico, criar e fortalecer instrumentos de fiscalização para coibir toda sorte de crimes, este é o político-eleitoral. E neste sentido, travar a atuação do MP será um retrocesso inominável — incompreensível mesmo para um Tribunal que acabou de dar histórica demonstração de isenção e rigor técnico no julgamento do mensalão.
Se a condenação de mensaleiros poderosos foi importante sinal de fortalecimento das instituições republicanas e de rejeição à impunidade, uma das mazelas nacionais, caso o Supremo subordine o MP à Justiça eleitoral, estará, infelizmente, dando marcha à ré.
21 de maio de 2014
Editorial O Globo
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