Atualmente, em todo o mundo, se verifica aumento do conservadorismo e de fenômenos fundamentalistas que se expressam por homofobia, xenofobia, antifeminismo, racismo e toda sorte de discriminações.
O fundamentalista está convencido de que sua verdade é a única e que todos os demais são ou desviantes, ou fora da verdade. Isso é recorrente nos programas televisivos das várias igrejas pentecostais, incluindo setores da Igreja Católica. Mas também no pensamento único de setores políticos. Pensam que só a verdade tem direito, a deles. O erro deve ser combatido. Eis a origem dos conflitos religiosos e políticos. O fascismo começa com esse modo fechado de ver as coisas.
Como vamos enfrentar esse tipo de radicalismo? Além de muitas outras formas, creio que uma delas consiste no resgate do conceito bom do relativismo, palavra que muitos nem querem ouvir. Mas nele há muita verdade.
RELATIVISMO –Este conceito deve ser pensado em duas direções. Em primeiro lugar, o relativo quer expressar o fato de que todos estão, de alguma forma, relacionados. Na esteira da física quântica, insiste a encíclica do papa Francisco sobre como cuidar da Casa Comum: “Tudo está intimamente relacionado; todas as criaturas existem na dependência umas das outras”. Por essa interrelação, todos são portadores da mesma humanidade. Somos uma espécie entre tantas, uma família.
Em segundo lugar, importa compreender que cada um é diferente e tem um valor em si mesmo. Mas está sempre em relação com outros e seus modos de ser. Daí ser importante relativizar todos os modos de ser; nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a atitude de respeito e de acolhida da diferença porque, pelo simples fato de estar aí, goza de direito de existir e de coexistir.
Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de valorar e de comer não é absoluto. Há mil outras formas de sermos humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos ianomâmis do Brasil, até chegarmos aos moradores das comunidades da periferia e aos de sofisticados Alphavilles. O mesmo vale para as diferenças de cultura, língua, religião, ética e lazer. Todas essas manifestações humanas são portadoras de valor e de verdade. Mas são um valor e uma verdade relativos, vale dizer, relacionados uns aos outros, sendo que nenhum deles, tomado em si, é absoluto.
VALE TUDO? – Então, não há verdade absoluta? Vale o “everything goes” de alguns pós-modernos? Traduzindo: “vale tudo”? Não há o vale-tudo. Tudo vale na medida em que mantém relação com os outros, respeitando-os em suas diferenças, e não prejudicando-os.
Cada um é portador de verdade, mas ninguém pode ter o monopólio dela, nem uma religião, nem uma filosofia, nem um partido político, nem uma ciência. Bem dizia o poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua, guarda-a”. Se a buscarmos juntos e no diálogo, então mais e mais desaparece minha verdade para dar lugar a nossa verdade. A ilusão do Ocidente é imaginar que a única janela que dá acesso à verdade e ao saber crítico é seu modo de ver e de viver.
Pensando assim, condena-se a um fundamentalismo visceral responsável por massacres ao se impor sua religião na América Latina e na África. Hoje se fazem guerras com milhares de vítimas civis para impor a democracia no Iraque, no Afeganistão, na Síria e em todo o Norte da África. Aqui se dá também o fundamentalismo ocidental. Devemos fazer o bom uso do relativismo.
29 de agosto de 2016
Leonardo Boff
O Tempo
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