"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

GENETON MORAES NETO E A HISTÓRIA DO ATAQUE AÉREO PARA MATAR BRIZOLA EM 1961


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Brizola, na rádio instalada no Palácio, defende a posse de Jango
Não fui seu amigo pessoal, mas devo a ele a parte mais valiosa do documentário que fiz sobre a resistência legalista de Brizola em 1961. 
Quinze anos atrás, um simples telefonema fez com que ele me cedesse uma fita cassete que era uma preciosidade. 
Uma, das muitas que ele recolheu naquilo que escolheu fazer: reportagem sobre a História brasileira.
Era o depoimento do escritor Oswaldo França Júnior, nos anos 60 piloto da Força Aérea Brasileira, narrando os preparativos e a frustração do bombardeio ao Palácio Piratini, de onde Leonel Brizola, governador gaúcho, comandava a resistência ao golpe para impedir a posse de João Goulart, em 1961.
É coisa que muita gente não faz ideia ou acha apenas “lenda” política. Reproduzo o texto feito por Geneton, com todo o mérito que tem de fazer um registro primário da história que muitos não acreditam que este país viveu e que ele, repórter da história brasileira, não deixou que se perdesse:
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O ESCRITOR RECEBE UMA MISSÃO: MATAR BRIZOLA  

Geneton Moraes Neto.
A História poderia ter tomado um rumo diferente em 1964 se tivesse havido uma resistência igual à que Leonel Brizola comandou em 1961 para garantir a posse do então vice-presidente João Goulart na presidência da Republica depois da renuncia de Jânio Quadros. 
Com um microfone nas mãos, Brizola comandara em 1961 uma campanha pela legalidade: se a presidência estava vaga,o vice Goulart é que deveria assumir. Não era o que os militares queriam. Mas foi o que aconteceu.
A resistência legalista de Brizola em 1961 por pouco não acaba em bombas e balas. Piloto da FAB que anos depois ficaria famoso como escritor, o mineiro Oswaldo França Junior recebeu, com os colegas, uma missão que, se executada, poderia resultar na eliminação física do ex-governador Brizola sob um monte de escombros, num palácio bombardeado.
Oswaldo França Junior tinha um demônio dentro de si. Queria um exorcista. Todas as tentativas de traduzir o demônio em palavras foram frustradas. 
Bem que tentou, mas não conseguiu transformar em texto a incrível experiência quer viveu nos tempos em que era oficial da Forca Aérea Brasileira, no começo dos anos sessenta. Extremamente rigoroso com o que escrevia, a ponto de só aproveitar dez de cada cem paginas que produzia, Franca Junior despejou na lata de lixo as tentativas de relato da época.
Se transformadas em livro, as confissões do ex-primeiro-tenente França Junior poderiam ter virado best-seller político: basta saber que ele participou diretamente de uma operação secreta para bombardear o Palácio onde estava o então governador Leonel Brizola, em Porto Alegre. França Junior estava pronto para levantar voo num dos aviões que despejariam bombas sobre o Palácio. Nesta entrevista, ele revela com todos os detalhes como a operação foi preparada.
Diante do gravador, Oswaldo França Junior relatou com desembaraço o que jamais conseguiu escrever. Uma coisa é certa: França Junior é seguramente o único escritor em todo o mundo que recebeu uma ordem expressar para bombardear um palácio e matar um governador. 
Expulso da Aeronáutica pelo Ato Institucional Número 2 como ‘’subversivo’’, França Junior virou corretor de imóveis, vendedor de carros usados, dono de carrocinhas de pipoca e até administrador de uma pequena frota de táxis, antes de ficar conhecido nacionalmente com o romance ‘’Jorge,um Brasileiro’’, em 1967.
Vai falar o escritor que, como piloto, esteve a um passo de se envolver numa carnificina a mando dos superiores:
GMN: Você é seguramente um caso único de escritor que recebeu ordens expressas para eliminar um governador de Estado num bombardeio a um palácio. Você pode revelar em que circunstância exatamente foi dada a ordem de eliminar o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola?
França Junior : ‘’Você quer saber em que circunstâncias… Eu servia no Esquadrão de Combate, em Porto Alegre. Era a unidade de combate mais forte que existia entre o Rio de Janeiro e o Sul. 
Era o 1º do 14º Grupo de Aviação. A gente usava um avião inglês que, na FAB, recebeu o nome de F-8.  (Nota do Tijolaço: era o Gloster Meteor, jato  posterior à 2a. Guerra) Logo depois da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, Brizola fez a Cadeia da Legalidade através das emissoras de radio e se entrincheirou no Palácio do Governo, em Porto Alegre. 
O comandante do meu esquadrão nos reuniu e disse: 
‘’Nós acabamos de receber uma ordem para silenciar Brizola. Vamos tentar convencê-lo a parar com esse movimento de rebeldia. Se ele não parar com essa campanha, vamos bombardear o Palácio e as torres de transmissão da rádio que ele vem usando para fazer a Cadeia da Legalidade. Vamos fazer tudo às seis da manhã. Vamos tentar dissuadir Brizola até essa hora. Se não conseguirmos, vamos bombardear’’.
Nós ouvimos essas palavras do comandante. Todo oficial tem uma missão em terra, além de ser piloto de esquadrão. Eu era chefe do setor de informação. Recebi ordens de calcular o quanto de combustível ia ser usado e quanto tempo os aviões poderiam ficar no ar. 
Dezesseis aviões foram armados para a operação. Pelos meus cálculos, a gente ia pulverizar o Palácio do Governo! O armamento que a gente tinha em mãos era para pulverizar o palácio. Um ataque para acabar com tudo o que estivesse lá. Não ia haver dúvida. Os aviões foram armados. Nos  preparamos. Colocamos as bombas e os foguetes nos aviões. Ficamos somente esperando chegar a hora, quando o dia amanhecesse.
Mas criaram-se aí vários impasses, vários problemas sérios.  Durante o tempo em que ficamos esperando, todos sabíamos que iríamos matar muita gente. Num ataque como aquele ao Palácio, bombas e foguetes cairiam na periferia. Muitas pessoas iriam ser atingidas. 
Além de tudo, Brizola estava com a família no Palácio, cercado de gente. Havia gente armada lá,mas não ia adiantar nada, diante do ataque que iríamos deflagrar com nosso tipo de avião. Podia ser que um ou outro avião caísse, o que não impediria de maneira nenhuma o ataque e a destruição do Palácio. E aí começou o questionamento.
O militarismo tem dois alicerces básicos: a disciplina e a hierarquia. Você não pode mexer nesses dois alicerces. Toda a carreira, todos os valores, todo o futuro do militar é garantido em cima desses dois suportes. 
Você, quando é militar, sabe exatamente o que vai acontecer com você daqui a dez, vinte anos, baseado nessa hierarquia e nessa disciplina. Isso dá uma segurança e um “espírito de corpo’’ bem desenvolvidos.
Mas, diante de nós, os tenentes que íamos fazer o ataque e não estávamos incluídos na alta cúpula, apresentou-se uma incoerência:  se o presidente da Republica, chefe supremo das Forcas Armadas, renunciou, automaticamente quem deve assumir é o vice-presidente. 
Nos perguntávamos ali: por que o Estado Maior – que não fica acima do Presidente da República – pode determinar que um vice-presidente não pode assumir? Então, há uma incoerência interna na hora de obedecer a uma ordem assim. Por quê? Porque aquela ordem, em principio, já quebrava a hierarquia, a base do sentimento militar.
Nós começamos a pensar. Mas íamos decolar, sim, para o ataque! Durante a noite, no entanto, houve um movimento inteligente, partido principalmente do pessoal de base. 
O avião de caca só leva uma pessoa, o piloto. Mas é necessário ter uma equipe grande de apoio no solo. E essa equipe de apoio, formada principalmente por sargentos, impediu a decolagem dos aviões. 
Os sargentos esvaziaram os pneus. E trocar de repente todos os pneus dos aviões de combate é um problema técnico complicado e demorado. Os aviões, assim, ficaram impedidos de decolar na hora do ataque.
Houve uma movimentação. E o Exército ajudou a controlar a divisão interna na Base Aérea. O Estado Maior mudou a ordem,para que nós decolássemos para São Paulo. E para a viagem de Porto Alegre para São Paulo, os aviões não poderiam decolar armados. Por quê? O avião de caça é uma plataforma que você eleva para transportar armamentos. Ali dentro só existe lugar para colocar combustível e arma. O piloto vai num espaço pequeno.  Então, tiraram os armamentos dos aviões para encher de combustível. Somente assim seria possível chegar a São Paulo. O Estado Maior estava centralizando o poder de fogo para que, se houvesse uma guerra civil, eles estivessem bem equipados’’.
GMN – Como militar, você cumpriria sem discussão essa ordem de bombardear o Palácio e eliminar fisicamente o governador?
França Junior: ‘’Naquelas circunstâncias de Porto Alegre, eu obedeceria, sim. Obedeceria! Um ou dois meses depois eu iria questionar. Por quê? Porque ali foi um ponto de ruptura, um divisor de águas. Naquela crise, em que passamos a noite inteira nos preparando para bombardear o Palácio do Governo, surgiram vários questionamentos. Somente de madrugada é que houve o problema da sabotagem dos aviões. Agora nem tanto, mas antes você só era preparado para lutar contra o inimigo externo. E de repente nos chegou aquela ordem para bombardear Brizola de uma hora para outra. Não houve nem uma preparação psicológica nossa. Você, então, começa a se questionar: por que é que as pessoas estão fazendo aquilo? Por que a realidade brasileira é essa? O militar, em qualquer crise política, não é como o civil – que pode fazer a opção sobre se vai participar ou não. O militar é obrigado a participar – e de arma na mão!’’.
GMN – Você é que escolheu as bombas que seriam usadas para matar Brizola?
França Junior: ‘’Não. Ajudei a verificar o volume de combustível nos aviões. Nós iríamos usar bombas de 250 libras. E 15 foguetes. Cada avião iria levar quatro bombas de 240 libras, além de quatro canhões. Eu digo: a gente ia pulverizar tudo! O armamento que iríamos usar não era para intimidar…’’.
GMN – Quando estava fazendo os cálculos de combustível e de armamentos,você pensava em quê?
França Junior –“O questionamento vem surgindo aos poucos A primeira impressão é que tinha acontecido algo sério e nos não tínhamos ainda acesso às informações sobre o que havia ocorrido. Haviam, provavelmente, descoberto ligações de Brizola ou de um grupo grande. O bicho-papão, na época, eram os comunistas. Então, eles devem ter descoberto uma trama tão diabólica e tão generalizada que estavam tomando uma atitude séria para impedir que o presidente assumisse.
A experiência que vivi foi inusitada, porque você julga que uma guerra civil pode surgir de um encadeamento de fatos que leva anos – mas não de uma hora para outra, como ali: uma pessoa vem e dá uma ordem. Se o pessoal de apoio da Base Aérea de Porto Alegre não tivesse impedido a decolagem dos aviões, nós teríamos decolado e destruído o Palácio. Não tenha dúvida! Isso forçosamente teria desencadeado um problema seriíssimo no Brasil’’.
(entrevista enviada pelo comentarista Mário Assis Causanilhas)

29 de agosto de 2016
Fernando Brito
Blog Tijolaço

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