O doutor Rodrigo Janot leu uma expressão —“estelionato delacional” — informando que o vazamento de uma informação banal e legalmente irrelevante envolvendo o ministro José Antonio Dias Toffoli e o empreiteiro Léo Pinheiro(OAS) não saiu da sua Procuradoria porque lá não entrou. Se lá não entrou, de lá não poderia ter saído, e, se não existe, o doutor não teria por que suspender as tratativas pela colaboração de Pinheiro. Se notícias desse tipo podem influenciar decisões do procurador-geral, generaliza-se uma carnavalização jurídica.
A ideia de que Léo Pinheiro queira contar o que sabe e que a Procuradoria não quer ouvi-lo serve apenas para propagar boatos e até mesmo infâmias. A PGR se recusaria a ouvir um grande empreiteiro, sem mostrar o que ele está escondendo. Pegaram 364 pessoas, quebraram 121 sigilos telefônicos (inclusive o de Léo Pinheiro), fecharam-se 41 acordos de colaboração e evitam-se as revelações, ainda que parciais, de um gato gordo da OAS.
Sob o nome de Lava-Jato misturam-se várias iniciativas, conduzidas por duas equipes de procuradores, a de Brasília, chefiada por Janot, e a de Curitiba, onde está o juiz Sérgio Moro. Diversas narrativas de pessoas que gostariam de envenenar as duas equipes informam que elas guardam diferenças. A turma de Curitiba vive nas nuvens da autossuficiência. A de Brasília, na estratosfera da onipotência.
OUTROS ERROS – Curitiba cometeu o grande erro da circulação do grampo de Lula com Dilma Rousseff. Brasília pediu espetaculosamente a prisão de José Sarney e do senador Renan Calheiros, negada pelo ministro Teori Zavascki. A colaboração do senador Delcídio Amaral tem vulnerabilidades que poderão levar a sua anulação parcial. No caso da colaboração de Sérgio Machado, o ex-presidente da Transpetro, há muito vapor (de enxofre) e pouca materialidade.
A Lava-Jato depende muito mais da serenidade dos procuradores do que da conduta dos seus adversários, pois os erros dos servidores servem aos interesses dos delinquentes. Como no caso do grampo de Lula com Dilma, pode-se fazer tudo por ela, menos o papel de bobo para tirar da mesa tolices alheias.
O PODER DO DINHEIRO – Vá lá que o ministro Gilmar Mendes queira pôr um freio na Lava-Jato, mas ninguém consegue frear as empreiteiras na defesa de seus interesses. Desde 2013 vaga pelo Senado o projeto de lei 559 pelo qual quebram-se os ossos da lei das licitações. O mimo esteve para ser votado em 2014 (ano eleitoral), mas foi para a geladeira. No governo de Michel Temer ele ressuscitou, piorado. Na sua versão inicial criava-se a modalidade de “contratação integrada”, dispensando a apresentação de um projeto básico para obras de valor superior a R$ 2 milhões (projeto básico, a ciclovia Tim Maia tinha). Essa modalidade de licitação light nasceu na Petrobras. Deu no que deu.
Empreiteiras contratadas para uma obra poderão desapropriar imóveis. Uma festa para a fusão de interesses de empresas de engenharia, companhias imobiliárias e escritórios de advocacia versados nesse tipo de litígio.
DIÁLOGO COMPETITIVO – No “governo de salvação nacional”, acrescentou-se uma gracinha, instituindo o “diálogo competitivo”. Ele prevê a realização de reuniões de autoridades públicas com “licitantes previamente selecionados”. Assim, seria possível organizar um “diálogo competitivo” com os doutores Sérgio Machado, pela Transpetro, Marcelo, pela Odebrecht, e Léo Pinheiro, pela OAS.
O governo vem ajudando a tramitação do projeto de lei 559 e ele poderá ser votado no Senado ainda neste ano, seguindo para a Câmara dos Deputados.
29 de agosto de 2016
Elio Gaspari
O Globo
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