A moça entrou no avião da ponte aérea carregando um belo esquadro de madeira, de pelo menos dois palmos no lado menor do triângulo - um imponente símbolo da sua profissão de arquiteta. Poucos dias antes, por coincidência, eu vira no aeroporto outra arquiteta carregando orgulhosamente sua régua-T. Imagino que sejam instrumentos caros, difíceis de acomodar na mala e de que os arquitetos não gostem de se separar.
No mesmo aeroporto, um grupo de rapazes atléticos, de boné ao contrário, cabelo moicano, fones de ouvido, sobrancelhas tatuadas e brilhantes brincos nas orelhas - sim, você adivinhou. Eram jogadores de futebol, e nem precisariam estar usando o uniforme de viagem do clube para serem identificados.
Conheci uma médica que saía de casa, tomava o carro e dirigia pelo trânsito de São Paulo até seu emprego no hospital, já de jaleco e com o estetoscópio ao pescoço. É verdade que o jaleco lhe caía bem. E já vi mais de um chef de cozinha, de dólmã e chapéu, fazendo hora na calçada de seu restaurante. Quero crer que a rua não seja o lugar para se usar certas roupas de trabalho cuja função é garantir a assepsia.
No passado, algumas categorias se vestiam segundo o clichê: os pintores, com suas boinas, batas e gravatas plastron; as normalistas, com suas saías curtas e plissadas e meias soquete; os jornalistas, com seus ternos da Ducal. E qualquer homem de faces rosadas, Kodak, camisa havaiana, bermuda cáqui e meias e sapatos pretos só podia ser, pelo ridículo, um agente da CIA fantasiado de turista.
Com a padronização, ficou difícil saber quem faz o quê pelo que usa fora do ambiente de trabalho. A única categoria cujos membros, em sua maioria e não importa o partido, podem ser identificados pelo tom de seiva viva de seus rostos impecavelmente envernizados é a dos políticos.
09 de maio de 2016
Ruy Castro, Folha de são Paulo
No mesmo aeroporto, um grupo de rapazes atléticos, de boné ao contrário, cabelo moicano, fones de ouvido, sobrancelhas tatuadas e brilhantes brincos nas orelhas - sim, você adivinhou. Eram jogadores de futebol, e nem precisariam estar usando o uniforme de viagem do clube para serem identificados.
Conheci uma médica que saía de casa, tomava o carro e dirigia pelo trânsito de São Paulo até seu emprego no hospital, já de jaleco e com o estetoscópio ao pescoço. É verdade que o jaleco lhe caía bem. E já vi mais de um chef de cozinha, de dólmã e chapéu, fazendo hora na calçada de seu restaurante. Quero crer que a rua não seja o lugar para se usar certas roupas de trabalho cuja função é garantir a assepsia.
No passado, algumas categorias se vestiam segundo o clichê: os pintores, com suas boinas, batas e gravatas plastron; as normalistas, com suas saías curtas e plissadas e meias soquete; os jornalistas, com seus ternos da Ducal. E qualquer homem de faces rosadas, Kodak, camisa havaiana, bermuda cáqui e meias e sapatos pretos só podia ser, pelo ridículo, um agente da CIA fantasiado de turista.
Com a padronização, ficou difícil saber quem faz o quê pelo que usa fora do ambiente de trabalho. A única categoria cujos membros, em sua maioria e não importa o partido, podem ser identificados pelo tom de seiva viva de seus rostos impecavelmente envernizados é a dos políticos.
09 de maio de 2016
Ruy Castro, Folha de são Paulo
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