"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

CENAS DE UMA SEPARAÇÃO

Michel esconde os sentimentos e pede prudência, ponderação e parcimônia. Mas Dilminha, no que se refere a traição, não aguenta mais

Tarde da noite. Em Brasília, todos os políticos dormem o sono dos inocentes. Digo, o sono dos que ainda não foram pegos pela Lava Jato. Mas isso é outra história. Retomemos. Em Brasília, todos os políticos dormem. Menos no Palácio do Planalto, onde uma luz ainda arde. Cabisbaixo, as mãos cruzadas, Michel Temer está sentado numa ampla cama de casal. Ele usa um terno azul que combina perfeitamente com o lençol e a cortina. De pé, Dilma Rousseff acaba de colocar seus últimos pertences numa pequena mala de mão. Ela está abatida, ele também.

Dilma segura a maleta com firmeza e caminha em direção à porta. Então ela para, põe a bolsa no chão e volta com passos decididos até a estante que fica no canto do quarto. Há vários CDs enfileirados. Ela pega um deles.

Dilma encara Michel e fala pausadamente.

Dilma - Michel, meu querido. No que se refere. A este CD, que é do Chico Buarque. Eu vou levar. Comigo.

Michel levanta o rosto, mas evita olhar a mulher nos olhos.

Michel - Dilma, Dilma... com muita modéstia, com muita cautela e muita moderação, eu digo que esse CD do Chico Buarque é meu. Você me deu de presente no nosso primeiro aniversário de coligação...

Dilma - Ô Michel Temer... O CD, que é um utensílio, mas também é uma obra. No sentido de coisa que se obra. O CD... eu realmente te dei. É verdade. Mas agora estou desdando. Você não merece o Chico Buarque porque você é um traidor e conspirador ordinário. Eu estou te despresenteando o Chico, que eu vou levar comigo.

Michel - Quit dedid, data est. É latim. Significa "deu, tá dado". Dilma, nossa história não precisa terminar assim. Nós necessitamos de diálogo. É com muita parcimônia, com muita tolerância, que eu afirmo que nós temos de lembrar apenas dos momentos felizes que passamos...

Dilma - Felizes? Felizes, nós? Nós, felizes? Veja bem, no que se refere à felicidade. No sentido de ser feliz. A felicidade é uma coisa que eu... que nós... que a gente... veja bem, eu faço uma comparação. Que é com o Lula e o José de Alencar. Eles foram felizes. Porque no que se refere a traição, eles não tiveram isso! Eles foram fiéis. Um ao outro.

Michel - Isso é injusto! Isso é injusto, Dilma! É com o coração leve e com muita prudência que eu digo que sempre fui fiel a você, O problema foram as fofocas dos invejosos, como aquele seu amigo bigodudo que vivia falando mal de mim... aquele que parece o Freddie Mercury... como é mesmo o nome?

Dilma - Kátia Abreu.

Michel - Não, o outro.

Dilma - Erenice Guerra.

Michel - Não! Lembrei! O Aloízio Mercadante. É com muita precaução, com muita sobriedade, que eu digo que o Aloízio envenenou nossa relação, Dilma. Multim est enirn. É latim. Significa: "Ele mente muito"!

Dilma - No que se refere ao Aloízio. Ele é meu amigo, Michel Temer. O Aloízio.... ele se preocupa comigo. Nunca houve nada entre nós. Você pode dizer o mesmo sobre você e o traste do Eduardo Cunha? Pode?

Michel - Isso é intriga! Eu e o Eduardo temos uma relação perfeitamente institucional. Eu nunca fiz com ele qualquer coisa que não fosse republicana, Dilminha...

Dilma - Não me chama assim! No que se refere a "Dilminha". Você não tem permissão. No sentido de permitir. De me chamar de "Dilminha", traidor! Eu me sinto vítima de um golpe. Um golpe!

Michel - Golpe não! Golpe nâo! É com muita tranqüilidade e com o coração cheio de amor que eu digo que não admito esse tipo de ilação. Não é golpe! Isto aqui é uma separação legal e consensual: você leva as crianças e eu fico com a casa.

Dilma - No que se refere à casa, você pode ficar com ela, golpista. Mas eu não vou dizer nem onde estão suas cuecas, ordinário. Você vai pagar muito caro, no sentido de não ser barato, por isso tudo. Vou pedir uma pensão tão alta que vai falir a nação. Você vai ter de começar tudo do zero, no sentido do que é nulo e que vem antes do um. Entendeu, golpista?

Michel - Olha, Dilma, é com muita tranqüilidade, com muita ponderação, que eu digo que este casamento não deu certo por culpa sua. Eu fiz tudo por você. Tudo! E você sempre me tratou como se eu fosse uma peça de decoração...

Dilma - No que se refere à decoração. No sentido de manter as coisas decoradas. A única coisa que eu pedi, Michel, foi pra você usar um terno que combinasse com a cortina. Não dava para trocar as minhas cortinas toda vez que você mudava o terno. Nosso casamento era de coalizão. De coalizão, conspirador!

Michel - Coalizão? E com muita simplicidade, com muita reflexão, que eu digo que você nunca me convidou para discutir a cor da cortina ou as formulações econômicas. Olha a minha roupa: eu tenho de combinar até com o lençol! Isso é ridículo! E com muita ponderação que eu digo: mütrimonium non est oboedientiam. É latim. Significa: "Casamento não é submissão". Você estava me sufocando, criatura petista! Você nunca me valorizou! Nunca!

Dilma - No que se refere à valorização, isso não é verdade, Michel. Eu te fiz vice-presidente. A eleição, no sentido de se candidatar e receber voto, fui eu quem venceu.

Michel - Non admittere! É latim para... ok, você entendeu. Mas eu também digo, na maior tranqüilidade, que por trás de toda grande mulher tem sempre um grande homem, Dilma. E você me desprezou. Tirou partido de mim, abusou.

Dilma - Nós somos homens e mulheres sapiens. Nós todos temos sapiência para saber que eu sempre te tratei como a pessoa mais importante do Universo e também da galáxia, Michel. Porque a Via Láctea é fichinha perto da galáxia, é muito maior. Mas você pagou com traição a quem sempre te deu mão.

Michel - Com a maior sinceridade, a maior engambelação, eu digo que eu te amei, Dilma. Amei muito.

Dilma - No que se refere a essa declaração, agora é tarde, Michel Temer. No sentido de não haver mais tempo para nós dois. No que se refere a ir embora, eu estou indo. E vou levar o CD do Chico Buarque comigo...

Dilma vira as costas e abre a bolsa para guardar o CD na mala, quando escuta a voz chorosa de Michel Temer.

Michel - Dilma... com muita modéstia, eu queria te pedir uma coisa... uma última coisa, pode ser?

Dilma - No que se refere a último pedido, no sentido de ser o último, pode sim. O que é, traste?

Michel - Antes de sair, dá pra dar uma última pedaladinha pra eu pagar o funcionalismo?

O CD do Chico Buarque atinge Michel bem no meio da testa.



09 de maio de 2016
Edson Aran, Revista Época

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