Os livros textos nos ensinam que, em economias de mercado, a escassez é administrada com base em preços. No entanto, nossos burocratas decidiram que esse mecanismo não é adequado para gerir a escassez no mercado elétrico. Eles se reúnem mensalmente em Brasília para avaliar a capacidade de o sistema atender a demanda futura de energia. O comportamento esperado dos reservatórios hidrelétricos é o parâmetro adotado para o posicionamento desses burocratas. Após sua reunião, eles sugerem medidas tópicas para evitar dificuldades no suprimento futuro de energia. O comunicado regular brasiliense é que o sistema elétrico brasileiro está perfeitamente planejado: não há risco de racionamento!
A segurança com que os burocratas emitem esses comunicados tem sua origem na crença ingênua de que as regras adotadas para a gestão do mercado elétrico não permitem situações de racionamento. Pelo ângulo da demanda, a regulamentação setorial exige que as concessionárias de distribuição e os consumidores livres contratem no mínimo 100% de sua previsão da demanda de energia para os próximos cinco anos. Como mecanismo de segurança, as distribuidoras podem contratar até 103% do consumo previsto de seus mercados cativos, repassando os custos dessa sobrecontratação para as tarifas dos consumidores, se necessário. Portanto, o risco de um pico inesperado no consumo de energia só ocorreria na hipótese de um erro significativo nas previsões de demanda desses agentes.
A expansão da capacidade de oferta é realizada em leilões anuais destinados a prover energia assegurada (sic) para suprir as necessidades energéticas do país no horizonte de cinco anos. E essas necessidades são estimadas pela EPE com base em ritmo de crescimento da economia superior às expectativas do mercado. Sintetizando, a expansão do sistema elétrico está planejada para operar com substancial margem de reserva para atender picos de consumo, garantindo o equilíbrio estrutural entre a oferta e a demanda de energia nos próximos cinco anos. O preço da energia pode se tornar elevado por excesso de capacidade instalada, porém o racionamento de energia é um evento de probabilidade "baixíssima" (sic).
As pequenas diferenças entre demandas e ofertas contratadas são ajustadas por meio de transações realizadas no mercado de curto prazo. O preço de liquidação de diferenças (PLD), calculado pela CCEE, é utilizado nessas transações. O PLD não pretende sinalizar aos consumidores a necessidade de modificar seu comportamento energético diante de um risco de racionamento, já que a oferta de energia assegurada é suficiente para atender mesmo expectativas otimistas de consumo. O objetivo do PLD é apenas sinalizar o preço para a contratação de energia dos consumidores livres.
A fragilidade desse arcabouço regulamentar reside no conceito enganoso de energia assegurada. Essa quantidade é estimada por um conjunto de modelos computacionais que opera com parâmetros físicos e econômicos teóricos. Diferenças entre a quantidade estimada pelos computadores e a realidade diária são ajustadas por decisões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) quanto ao esgotamento dos reservatórios hidrelétricos.
Essa solução não gera dificuldades para a oferta de energia assegurada enquanto a pluviometria é favorável. Nessas situações, uma parcela da energia que chega aos reservatórios é necessariamente desperdiçada nos vertedouros das hidrelétricas. Essa parcela é usada para acomodar os desvios entre o que os modelos teóricos sugerem e a realidade objetiva, sem impacto econômico relevante. Porém o resultado econômico dessa acomodação é radicalmente distinto quando realizado com o uso de energia acumulada nos reservatórios. Nesse caso, o risco de racionamento aumenta e acaba exigindo o incremento do despacho de centrais térmicas para garantir o suprimento de energia do país, em períodos de estiagem como o atual.
A Aneel propôs a adoção de bandeiras tarifárias para diluir no tempo e amenizar o repasse, para as tarifas, do custo das térmicas necessário para garantir a confiabilidade do suprimento elétrico. Esse mecanismo aumentaria as tarifas dos consumidores cativos, sempre que os burocratas setoriais identifiquem risco de racionamento. Porém o governo decidiu postergar a medida. Insensíveis à elevação do PLD das últimas semanas, os consumidores cativos preservaram seus padrões de uso da energia. Por outro lado, os consumidores livres também pouco alteraram seu consumo, pois o essencial de seu consumo está assentado em contratos com preços firmes. Preservado o consumo, a elevação do PLD tem tido por único efeito o forte aumento dos gastos das distribuidoras com a compra de energia no mercado de curto prazo.
Sem o instrumento do preço para alterar os padrões de consumo, a burocracia setorial removeu os entraves que impediam o despacho de térmicas, viabilizando a oferta de 1100 MW adicionais de energia. Buscou também a redução voluntária do uso de energia pelos grandes consumidores, o que permitiu a redução da demanda em outros 2000 MW na região Sudeste. O risco de racionamento foi reduzido, porém a oferta de energia assegurada continua fundamentalmente dependente da generosidade de São Pedro nos próximos meses. Caso isso não ocorra, já conhecemos o fim da história.
Nesse ínterim, o Tesouro será convocado para evitar o colapso financeiro das distribuidoras; os consumidores cativos ficaram sabendo que suas tarifas aumentarão e os consumidores livres terão que aceitar preços mais elevados nos seus contratos de energia. Tudo somado, para evitar que o PLD atue na gestão da escassez de energia, o país sacrifica o Tesouro, as famílias e o desempenho da economia. Vale a pena?
A segurança com que os burocratas emitem esses comunicados tem sua origem na crença ingênua de que as regras adotadas para a gestão do mercado elétrico não permitem situações de racionamento. Pelo ângulo da demanda, a regulamentação setorial exige que as concessionárias de distribuição e os consumidores livres contratem no mínimo 100% de sua previsão da demanda de energia para os próximos cinco anos. Como mecanismo de segurança, as distribuidoras podem contratar até 103% do consumo previsto de seus mercados cativos, repassando os custos dessa sobrecontratação para as tarifas dos consumidores, se necessário. Portanto, o risco de um pico inesperado no consumo de energia só ocorreria na hipótese de um erro significativo nas previsões de demanda desses agentes.
A expansão da capacidade de oferta é realizada em leilões anuais destinados a prover energia assegurada (sic) para suprir as necessidades energéticas do país no horizonte de cinco anos. E essas necessidades são estimadas pela EPE com base em ritmo de crescimento da economia superior às expectativas do mercado. Sintetizando, a expansão do sistema elétrico está planejada para operar com substancial margem de reserva para atender picos de consumo, garantindo o equilíbrio estrutural entre a oferta e a demanda de energia nos próximos cinco anos. O preço da energia pode se tornar elevado por excesso de capacidade instalada, porém o racionamento de energia é um evento de probabilidade "baixíssima" (sic).
As pequenas diferenças entre demandas e ofertas contratadas são ajustadas por meio de transações realizadas no mercado de curto prazo. O preço de liquidação de diferenças (PLD), calculado pela CCEE, é utilizado nessas transações. O PLD não pretende sinalizar aos consumidores a necessidade de modificar seu comportamento energético diante de um risco de racionamento, já que a oferta de energia assegurada é suficiente para atender mesmo expectativas otimistas de consumo. O objetivo do PLD é apenas sinalizar o preço para a contratação de energia dos consumidores livres.
A fragilidade desse arcabouço regulamentar reside no conceito enganoso de energia assegurada. Essa quantidade é estimada por um conjunto de modelos computacionais que opera com parâmetros físicos e econômicos teóricos. Diferenças entre a quantidade estimada pelos computadores e a realidade diária são ajustadas por decisões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) quanto ao esgotamento dos reservatórios hidrelétricos.
Essa solução não gera dificuldades para a oferta de energia assegurada enquanto a pluviometria é favorável. Nessas situações, uma parcela da energia que chega aos reservatórios é necessariamente desperdiçada nos vertedouros das hidrelétricas. Essa parcela é usada para acomodar os desvios entre o que os modelos teóricos sugerem e a realidade objetiva, sem impacto econômico relevante. Porém o resultado econômico dessa acomodação é radicalmente distinto quando realizado com o uso de energia acumulada nos reservatórios. Nesse caso, o risco de racionamento aumenta e acaba exigindo o incremento do despacho de centrais térmicas para garantir o suprimento de energia do país, em períodos de estiagem como o atual.
A Aneel propôs a adoção de bandeiras tarifárias para diluir no tempo e amenizar o repasse, para as tarifas, do custo das térmicas necessário para garantir a confiabilidade do suprimento elétrico. Esse mecanismo aumentaria as tarifas dos consumidores cativos, sempre que os burocratas setoriais identifiquem risco de racionamento. Porém o governo decidiu postergar a medida. Insensíveis à elevação do PLD das últimas semanas, os consumidores cativos preservaram seus padrões de uso da energia. Por outro lado, os consumidores livres também pouco alteraram seu consumo, pois o essencial de seu consumo está assentado em contratos com preços firmes. Preservado o consumo, a elevação do PLD tem tido por único efeito o forte aumento dos gastos das distribuidoras com a compra de energia no mercado de curto prazo.
Sem o instrumento do preço para alterar os padrões de consumo, a burocracia setorial removeu os entraves que impediam o despacho de térmicas, viabilizando a oferta de 1100 MW adicionais de energia. Buscou também a redução voluntária do uso de energia pelos grandes consumidores, o que permitiu a redução da demanda em outros 2000 MW na região Sudeste. O risco de racionamento foi reduzido, porém a oferta de energia assegurada continua fundamentalmente dependente da generosidade de São Pedro nos próximos meses. Caso isso não ocorra, já conhecemos o fim da história.
Nesse ínterim, o Tesouro será convocado para evitar o colapso financeiro das distribuidoras; os consumidores cativos ficaram sabendo que suas tarifas aumentarão e os consumidores livres terão que aceitar preços mais elevados nos seus contratos de energia. Tudo somado, para evitar que o PLD atue na gestão da escassez de energia, o país sacrifica o Tesouro, as famílias e o desempenho da economia. Vale a pena?
25 de fevereiro de 2014
Adilson de Oliveira, Valor Econômico
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