"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

AS BESTEIRAS QUE DIZEM SOBRE O TRANSTORNO DO PÂNICO


“‘Respire’. Toda vez que ouvia isso a publicitária Priscilla Warner congelava. Dos 15 aos 55 anos ela lutou contra crises de pânico sem saber o que fazer além de tomar remédio. Até que ela leu sobre neurocientistas que estudavam o cérebro de um monge que tinha vivido o mesmo drama e se curado através da meditação.
Hoje, aos 60 anos, Priscilla descobriu que não teve uma infância feliz e que muito do pânico vinha desse período, quando seus pais compartilhavam com ela angústias e frustrações.
Mas ela também aprendeu a administrar o pânico. Ainda toma remédio para ansiedade quando precisa, reaprendeu a respirar, medita diariamente e escreveu o saboroso livro ‘Respirar, meditar, inspirar’ para contar essa história.”

“Respirar, meditar, inspirar”. Se o título do livro já não faz muito sentido, ele já é um indício que as declarações da autora Priscilla Warner na entrevista dada a Viviane Nogueira, publicada no Globo de sábado, sobre a Síndrome do Pânico, que reproduzo abaixo, são mais prejudiciais a quem sofre desse mal do que simplesmente ignorá-las e não fazer nada. E é o que eu aconselho a todos os “panicados”: ignorem, tratem o que ela revela como uma piada de mau gosto e nunca, sob qualquer pretexto, sigam o que essa charlatona diz, tendo em mente que seu único objetivo é enriquecer vendendo mentiras.

A bem da verdade, Priscilla não é a única a explorar o filão, já que o tal transtorno - modismo mais atual que síndrome - atinge de 2% a 4% da população mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde, o que desperta a ganância em espertalhões dos mais variados setores da sociedade, como médicos, pastores, bruxos, monges, psicólogos e até de publicitários, como a própria Priscilla, cada um com uma solução mais estapafúrdia que o outro.

Isso é grave, é crime passível de cadeia e tem nome, dois até: charlatanismo e curandeirismo. O pânico é uma doença como outra qualquer e, como tal, só deve ser tratado por especialistas, os raríssimos disponíveis em função de seu diagnóstico só ter sido reconhecido há pouco tempo, apesar de ter sempre existido, mas, até então, confundido ou “incorporado” a males psíquicos e suas derivações.

Eu mesmo, no começo das crises, cheguei a ser considerado depressivo e até esquizofrênico, mas graças ao pingo de bom senso que me restava entre uma crise e outra, sempre recusei ser tratado com os remédios comuns da época, que me transformavam em um zumbi - tomava duas ou três vezes e desistia.

Mas vamos lá, ler que dona Priscilla “pensa” sobre o pânico. Vou grifar alguma coisa e comentar depois, valendo-me principalmente da experiência de 25 anos de crises, mais os 12 até hoje de relativa preocupação e do meu ainda constante interesse em pesquisar tudo sobre o pânico.

Uma ansiosa que quase virou monja para fugir do pânico

Por que você demorou tanto para tratar a síndrome do pânico, depois de 40 anos da primeira crise?
Quando eu tive a minha primeira crise eu era uma adolescente com medo do mundo. Eu tinha tantas questões sobre cada aspecto da minha vida, e isso poderia ter iniciado meus ataques de pânico. Eu me sentia tão oprimida com tantas incertezas que congelei, incapaz de perceber por que estava sofrendo ou o que poderia fazer sobre isso. E também, na época, ninguém falava sobre crises de pânico, ansiedade ou saúde mental. Eu achava que era a única pessoa da minha idade que sofria de ansiedade. Além disso eu não sabia que poderia tratar meu pânico de um jeito diferente até ler sobre um monge tibetano que tinha sofrido de pânico quando criança e se curado através da meditação. Até aquele momento eu estava sempre em movimento, tentando ser uma profissional de sucesso, esposa e mãe. Muitas pessoas com ansiedade são assim, se mantêm em movimento até o dia que têm que enfrentar seus medos. Os medicamentos me ajudaram a administrar a ansiedade, mas a meditação finalmente me libertou.

De tudo o que você tentou, o que funcionou melhor: meditação, psicanálise, terapia de reprocessamento e dessensibilização pelo movimento dos olhos (EMDR, na sigla em inglês) ou experiência somática?
Eu fiz psicanálise durante anos e isso me ajudou a entender a origem do meu estresse, especialmente a parte da história familiar relacionada à doença mental. Mas a terapia EMDR e a experiência somática me ajudaram a regular a reação do meu corpo ao estresse, a lidar com a minha ansiedade em um nível físico que eu não tinha tido acesso até então. A meditação trabalhou em parceria com as terapias porque me permitiu conectar meu corpo e minha mente; me ensinou que eu poderia sentar com meus pensamentos, e então deixá-los ir; me fez entender que todo momento - bom e ruim - passa, e hoje não fico atrelada aos momentos ou emoções como costumava ficar. Eu descobri ainda a importância de cuidar da minha mente e do meu corpo ao mesmo tempo, para que eles possam coexistir juntos em harmonia. Meu corpo precisa de descanso, nutrição adequada, exercícios e, às vezes, remédios. Minha mente precisa de meditação.

Ao ler o livro eu tive a impressão que durante anos você fez um enorme esforço mental em busca da cura do pânico, mas foram os processos físicos que acabaram funcionando melhor. É verdade?
Eu vivi na minha cabeça, com meus pensamentos, durante anos. Mesmo tendo praticado corrida ou ioga por muitos anos eu não confiava no meu corpo, porque ele parecia me trair durante as crises de pânico. Então eu tomei a decisão de ser fisicamente ativa e fazer amizade com meu sistema nervoso central. Mas também aprendi que sentar imóvel é uma atividade valiosa!

Você ainda está livre do pânico? Como é viver sem ele? No livro você chega a mencionar uma sensação de vazio quando para de ter as crises...
Sim, estou livre do pânico a maior parte do tempo. Eu tomo remédios para controlar a ansiedade de vez em quando para voar ou dormir. Mas hoje, quando a ansiedade surge, eu tenho a confiança de que vai passar e não vai me matar. E que eu sou mais forte do que jamais pensei que seria, mas que ter medo é uma reação natural do ser humano. Como um dos meus professores de meditação budista me ensinou, “é difícil ser humano às vezes”. Para todos nós. Eu me sinto mais viva e conectada ao mundo e a outras pessoas como resultado da minha confiança de que não sofro sozinha. Minha mãe morreu recentemente, e eu sofri, mas também me senti agradecida pelo relacionamento que tive com ela, apesar de ter sido complicado muitas vezes. Hoje eu entendo que sofrimento e felicidade, alegria e sensação de calma são todos parte da vida.

Você ainda toma Rivotril? E o que acha do medicamento para quem sofre de pânico?
Sim, nos Estados Unidos é chamado Klonopin. Mas hoje preciso de uma dose muito menor. Quando minha mãe estava morrendo, tomei um pouco um ou dois dias antes do funeral, mas uma dose equivalente a 1/4 do que eu costumava tomar quando estava na turnê do meu primeiro livro, falando para centenas de pessoas, o que era bastante desafiador.

Você não fala muito disso no livro, mas como era ter crise de pânico com duas crianças pequenas?
Eu de fato achava que administrar minha ansiedade era a coisa mais difícil sobre ser mãe de duas crianças. Eu não queria assustá-los, queria que eles confiassem que eu podia tomar conta deles mas, para ser honesta, eu frequentemente fingia que estava calma! Eu não queria fazer com eles o que a minha mãe tinha feito comigo - ela dividia tanto de seu próprio medo e dor que isso fez com que eu me tornasse ansiosa. Eu ia a um terapeuta para conversar sobre o que me afligia ou me preocupava, então eu não me permitia ter uma reação a estes medos como mãe. O melhor remédio de todos era o amor que eu sentia por eles. Por mais difícil que fosse, eu nunca tinha sentido aquele amor, e ele me inspirou a fazer terapia, para aproveitar o casamento feliz e as duas crianças saudáveis que eu tinha. Eu também tentava dormir quando podia, não ingerir muito açúcar ou cafeína, porque tomar conta de crianças já requer muito do sistema nervoso! Descobrir outras mães que eram honestas sobre suas inseguranças foi muito importante e útil para que eu não me sentisse fracassada. É um desafio! Mas é difícil para os pais aceitarem e admitirem isso.

Como é sua vida hoje? Você já se tornou uma monja? E como está a rotina de meditação?
Eu me considero uma monja numa minivan! Eu sempre disse que queria ser calma e serena como uma monja, mas ainda vivo no mundo real, então eu me sinto assim quando dirijo minha minivan pela cidade. Eu tenho uma prática espiritual através da meditação que me inspira a amar a vida com mais intenção e entusiasmo, enquanto também sinto uma sensação de calma. Acho que isso é equanimidade. A vida hoje é maravilhosa, e eu posso dizer isso mesmo depois de perder minha mãe há um mês. Medito todos os dias por 20 minutos, e sempre sinto que estou fazendo o melhor que posso fazer por mim mesma. Eu participo da vida com gratidão e entusiasmo, porque sou mais capaz de lidar com o estresse. Eu deixei de querer que a vida seja perfeita e, em vez disso, encontro um monte de momentos perfeitos. Eu amo o que outro professor budista me ensinou: “Você não pode parar as ondas, mas você pode aprender a surfar!”

Para começo de conversa, eu tenho a nítida impressão que Priscilla é apenas ansiosa (“isso fez com que eu me tornasse ansiosa”), já que não há menção das crises específicas e sem aviso prévio, a principal característica da Síndrome do Pânico, mas sim de uma constante e consciente ansiedade, reforçada pelo relato de que sua mãe, também ansiosa, costumava “dividir” com ela “seu próprio medo e dor”.

Bom, levando-se em conta que o pânico não é hereditário e nem pode ser estimulado de maneira a se agravar, por ser um problema essencialmente bioquímico, e que a ansiedade, que também não é hereditária, mas, esta sim, pode ser “desenvolvida” até a partir do zero por circunstâncias várias que incluem principalmente a educação familiar, fica claro que Priscilla confunde as coisas, o que dá para se notar claramente quando ela se refere à “parte da história familiar relacionada à doença mental”.

Priscilla também confessa o uso de Rivotril, droga hoje mais consumida que feijão com arroz, mas que não tem absolutamente nada a ver com o pânico ou com qualquer outra doença que não seja ligada à epilepsia. Segundo a bula, “Rivotril® está indicado na maioria das formas clínicas da epilepsia do lactente e da criança, especialmente ausências típicas e atípicas (Síndrome de Lennox), Síndrome de West, crises tônico-clônicas generalizadas primárias ou secundárias. Rivotril® está igualmente indicado nas epilepsias do adulto e nas crises focais”, ou seja, é um benzodiazepínico exclusivamente antiepilético (anticonvulsivo). Ou seja, já por aí a conclusão sobre o que diz Priscilla é óbvia: ela não entende xongas do assunto.

Além de não ser tratamento adequado para nada a não ser para a epilepsia, o risco de dependência ao Rivotril é muito alto para compensar momentos de suposto alívio.

Aqui cabe uma observação: não só os imprudentes avulsos andam abusando do consumo do Rivotril, já que muitos médicos, igualmente imprudentes, o receitam ao menor sinal de desconforto psíquico dos seus pacientes. Virou panaceia.

Quanto à história do monge... bom, deixa pra lá.

Hoje em dia há modernas e boas drogas desenvolvidas exclusivamente para o tratamento do Transtorno do Pânico que restauram o equilíbrio bioquímico específico do cérebro “panicado” praticamente sem mexer em mais nada do seu funcionamento, com pouquíssimos ou nenhum efeito colateral e risco de dependência. Isso é motivo suficiente para que os portadores do transtorno se afastem de todo e qualquer outro tipo de tratamento - incluindo psicanálise, psicoterapia, terapias comportamentais, meditações, yoga, etc. - que não seja a manipulação adequada das drogas*, recomendada, é óbvio, por um profissional competente (normalmente um psiquiatra). Não que não devam procurar os demais tratamentos, mas que o façam por outros motivos, sem depositar neles as esperanças de melhora do pânico. Palavra de quem já passou por isso tudo.

*Observação importante: quando eu digo manipulação adequada das drogas, eu não estou me referindo a drogas manipuladas nas farmácias de manipulação, mas sim à maneira correta dos especialistas determinarem qual o medicamento adequado a cada caso, seja ele comercial ou não.

P.S.: Quem quiser ler sobre a minha “briga” com a Síndrome do Pânico, clique aqui.
 
25 de fevereiro de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário