"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

DA VERGONHA DE SER JOVEM


Com quem faremos a revolução? – escreveu Roberto Arlt -. Com os jovens. São estúpidos e entusiastas.

Tenho manifestado, ao longo de minhas crônicas, minha desconfiança visceral a tudo que vem dos jovens. Tenho não poucas razões para tanto. Como todo mortal, já fui jovem e cometi muitas s besteiras naqueles dias. Y a las pruebas me remito.


Estive relendo meu primeiro livro de crônicas, A Força dos Mitos, com textos publicados em 1975 e 1976. Há quase quatro décadas, portanto.
Poeira do tempo à parte, há crônicas que ainda param em pé. Outras, confirmam Arlt.

Nada mais doloroso do que rever escritos de juventude. Por duas razões. Por um lado, descobrimos que acabamos renunciando a sonhos que naqueles dias pareciam realizáveis. Quem sabe talvez fossem, mas faltou-nos fibra. Por outro lado, as bobagens que escrevemos, e estas são as mais. Não porque fossemos bobos. Mas por falta de informação.

Informação só se adquire com idade, tempo e leitura. Qualquer afirmação definitiva de um jovem corre o risco de ser idiota, pois faltam-lhe elementos para qualquer afirmação definitiva.

Envolto pelo ambiente provinciano da Porto Alegre dos anos 70, pouco conhecendo do Brasil e menos ainda do mundo, eu alimentava na época uma visão terceiro-mundista da realidade que de longe me cercava.

Via o declínio próximo dos Estados Unidos e a emersão do Terceiro Mundo. Via grande potencial humano na América Latina e decadência no hemisfério norte. O hemisfério norte, apesar da crise, vai bem.
Nuestra America – como se dizia na época – continua patinando no atoleiro. Embora denunciasse as ditaduras na China e União Soviética, havia em mim um certo contágio de esquerda, que via no capitalismo um mal a combater.

Você pode remar contra as correntes de superfície. Mas a grande corrente subterrânea que jaz sob as demais acaba por arrastá-lo inexoravelmente aos rumos escolhidos por uma época.

Particularmente se você é jovem e do mundo pouco conhece. Ao assumir uma coluna na Folha da Manhã, um pouco do planetinha eu já vira. Voltava da Suécia, onde passei um ano. Lá, me imbuíra de uma visão mais arejada do mundo. Mas faltava muito ainda a derrubar do legado de meus dias de universidade. Até que idade um homem escreve bobagens? Difícil determinar. Há quem as escreva toda a vida. De minha experiência, posso afirmar que até os trinta assinei não poucas.

Namorei idéias perigosas. Por exemplo, meu comentário sobre o “misterioso casal, conhecido apenas como os dois”, que afirmavam existir um reino superior que só podia ser alcançado através dos discos voadores. Na época, havia no ar um clima de evasão, fuga das cidades, do sistema, como dizia-se então. Aderi entusiasticamente à idéia. “Confesso que vontade de seguir os dois é o que não me falta”.

Chamavam-se Marshall Applewhite e Bonnie Nettles e fundaram uma seita ufológica em San Diego, a Heaven’s Gate. Em 1997, os dois disseram ao que vinham. Quando o cometa Hale-Bopp estava no seu brilho máximo, decidiram pegar carona e partir para o reino superior. A polícia encontrou os corpos de 39 de seus membros, que haviam cometido suicídio. O fanatismo era tal que junto aos cadáveres foram encontrados passaportes.

Na época, sem maiores informações sobre a FUNAI, eu desconhecia a política anti-civilização da entidade. E tomei a defesa de uma invasão de índios em povoados do Maranhão, Pará e Mato Grosso.

“Se nem os tuaregues, protegidos pela vastidão inóspita do Saara, conseguiram escapar do branco, que esperança poderão alimentar indígenas vivendo em terras férteis e valorizadas? Nenhuma, ao que tudo indica. Pois o branco é senhor e impõe seus valores e doenças. Em desespero, alguns índios passaram a atacar os brancos. Mas agora é tarde”.

A mais solene besteira terá sido a última crônica deste volume – “Procura-se” –, que teve ampla repercussão na época, particularmente entre os padres de esquerda.

Influenciado certamente por Renan, historiador ateu que romantiza o Cristo, criei uma espécie de guerrilheiro e subversivo ao gosto da época.
Só mais tarde me muni de mais literatura sobre o personagem e, hoje, aquela crônica prova mais do que qualquer outra que todo jovem não está a salvo de escrever bobagens. Em suma, crônicas de um novato que ainda estava longe de entender o mundo.

 Perdão, leitor!


*** *** ***

PROCURA-SE

— indivíduo de estatura média e compleição robusta
— tez morena
— barba e cabelos longos
— aparenta uns trinta anos
— conversador
— sem profissão definida
— não porta carteira identidade, não tem CPF, nem mesmo certidão de nascimento
— não possui residência fixa
— freqüentador de maus ambientes
— vive rodeado de marginais, pescadores e prostitutas
— olhar inflamado e comportamento anormal
— paranóico total
— egocêntrico ao extremo: quanto mais acreditam nele, mais ele acredita em si próprio
— mania de Messias
— como não exerce profissão alguma, deve ter um grande número de cúmplices que o sustentam
— julga-se o centro do universo
— está tão convencido disso que convence a todos que lhe dão ouvidos
— anda falando mal dos ricos e suscitando a luta de classes
— mistifica as multidões com ilusionismos baratos, como andar sobre as águas e multiplicar pães e peixes
— proclama publicamente que não veio trazer a paz, mas a espada
— anarquista e místico, não admite o princípio da autoridade, nem o Estado
— incita o povo contra comerciantes e tabeliões
— de temperamento violento e explosivo, agrediu fisicamente inocentes vendedores de souvenirs num templo
— pouco se sabe de seu comportamento sexual, mas é de conhecimento público sua intimidade com uma mulher de Magdala, de nome Maria
— anda proclamando por aí que quem tem duas camisas deve dar uma ao que não tem nenhuma
— como todo megalomaníaco, sofre de complexo de perseguição
— de índole rabugenta, chama todo mundo de hipócritas, fariseus e sepulcros caiados
— extremista e esquizofrênico, acha que quem não está com ele está contra ele
— carismático e virulento, é adorado por pessoas que se matam entre si, em nome dele
— vocifera contra sacerdotes e defende adúlteras
— nada possui além da roupa do corpo
— como nada tem a perder, é capaz de tudo
— anda desarmado, mas torna-se perigoso quando fala
— se julga o bom
— no auge de sua loucura, passou a proclamar-se o filho de Deus
— anda curando sem habilitação legal para o exercício da medicina
— para driblar a censura, fala por metáforas
— já foi preso, espancado, crucificado, morto e sepultado mas nem assim se regenera
— demagogo irrecuperável, nem na cruz deixou de largar frases de efeito
— foi mil vezes morto e mil vezes ressuscitou
— anda por aí incógnito, envolto em mil disfarces
— aparentemente inofensivo, tem levado homens à loucura e ao martírio
— de nome Jesus, também atende pelo apelido de Cristo
— Acautele-se. Ele tem mil faces e pode estar a seu lado.


30 de agosto de 2013
janer cristaldo

Nenhum comentário:

Postar um comentário