Inelegibilidade de Lula trará reconfiguração da disputa, com redução do risco de reversão da política econômica
O ano de 2018 promete. Quem esperava mais um janeiro modorrento — com o país entregue ao habitual marasmo de verão, à espera do fim do carnaval, quando o ano costuma começar de verdade — teve razões de sobra para se surpreender. Tanto na economia quanto na política, foi um janeiro atípico.
Por mais esperado e inócuo que tenha sido, o rebaixamento do país por uma das principais agências de avaliação de risco serviu para dissipar fantasias e deixar bem claro que não estamos enganando ninguém.
Nos primeiros dias do ano, antes mesmo do rebaixamento, o próprio governo já se incumbira de fazer soar o alarme, ao deflagrar extemporânea e desastrada discussão pública sobre a necessidade de encontrar formas de contornar o preceito constitucional conhecido como “regra de ouro”, que impede emissão de dívida pública para financiamento de outros gastos que não os de capital. O governo não vê como a regra poderá continuar a ser cumprida de 2019 em diante.
O quadro fiscal da economia brasileira continua alarmantemente insustentável. E, não obstante o louvável Pacto de Ulisses de nos amarrarmos ao mastro de uma limitação constitucional à expansão do gasto público, a verdade verdadeira é que não estamos conseguindo promover as mudanças de regime fiscal que se fazem necessárias para conferir credibilidade a tal pacto.
Embora o déficit do sistema previdenciário na esfera federal tenha atingido inacreditáveis R$ 269 bilhões no ano passado, a mobilização do Congresso para a aprovação da reforma da Previdência em meados de fevereiro, como espera o governo, vem enfrentando entraves de todo tipo. O próprio Planalto reconhece que ainda está longe de contar com os votos requeridos. E não é uma mera questão de números.
Basta ter em mente as dificuldades com que se defrontou o presidente Temer, nas últimas semanas, para nomear a ministra do Trabalho indicada pelo PTB. Ou as ameaças da base aliada de inviabilizar a aprovação da reforma, caso as vice-presidências da Caixa Econômica Federal não voltem a ser loteadas entre os mesmos partidos que indicaram os executivos recentemente afastados.
Mas, apesar de todas essas incertezas e dificuldades, os mercados se mantiveram firmemente otimistas ao longo de janeiro. Em parte, embalados pelos bons ventos externos, provenientes do excesso de liquidez internacional e da exuberância do crescimento sincronizado da economia mundial. Mas, primordialmente, pela perspectiva de uma reviravolta nos prognósticos da campanha presidencial, na esteira do julgamento do recurso do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no dia 24.
O desfecho do julgamento mostrou que tais expectativas não eram infundadas. A confirmação da condenação de Lula pelos três desembargadores que compõem a 8ª Turma do TRF-4 está, de fato, fadada a ter desdobramentos de enorme importância para a eleição presidencial.
Esgotadas as possibilidades de embargo, a condenação em segunda instância, por decisão colegiada, deixará Lula incurso na Lei da Ficha Limpa e, portanto, inelegível. O que ainda não se sabe é quando exatamente sua inelegibilidade será oficialmente declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Apostar na protelação dessa declaração — quem sabe, até setembro — é o jogo que agora contempla o PT para, ao arrepio das implicações legais da condenação, tentar levar adiante, a qualquer custo, a campanha presidencial de Lula, na esperança de, pelo menos, conseguir conter a temida devastação da bancada parlamentar do partido nas eleições de outubro.
Ainda é cedo para vislumbrar com nitidez os complexos desdobramentos da decisão do TRF-4. Mas não há dúvida de que a inelegibilidade de Lula trará ampla reconfiguração da disputa presidencial, com substancial redução do risco de reversão da política econômica que vinha nublando os horizontes do país e tolhendo uma retomada mais vigorosa da economia brasileira.
Para um ano que mal começou, não é pouco.
26 de janeiro de 2018
Rogério Furquim Werneck, O Globo
O ano de 2018 promete. Quem esperava mais um janeiro modorrento — com o país entregue ao habitual marasmo de verão, à espera do fim do carnaval, quando o ano costuma começar de verdade — teve razões de sobra para se surpreender. Tanto na economia quanto na política, foi um janeiro atípico.
Por mais esperado e inócuo que tenha sido, o rebaixamento do país por uma das principais agências de avaliação de risco serviu para dissipar fantasias e deixar bem claro que não estamos enganando ninguém.
Nos primeiros dias do ano, antes mesmo do rebaixamento, o próprio governo já se incumbira de fazer soar o alarme, ao deflagrar extemporânea e desastrada discussão pública sobre a necessidade de encontrar formas de contornar o preceito constitucional conhecido como “regra de ouro”, que impede emissão de dívida pública para financiamento de outros gastos que não os de capital. O governo não vê como a regra poderá continuar a ser cumprida de 2019 em diante.
O quadro fiscal da economia brasileira continua alarmantemente insustentável. E, não obstante o louvável Pacto de Ulisses de nos amarrarmos ao mastro de uma limitação constitucional à expansão do gasto público, a verdade verdadeira é que não estamos conseguindo promover as mudanças de regime fiscal que se fazem necessárias para conferir credibilidade a tal pacto.
Embora o déficit do sistema previdenciário na esfera federal tenha atingido inacreditáveis R$ 269 bilhões no ano passado, a mobilização do Congresso para a aprovação da reforma da Previdência em meados de fevereiro, como espera o governo, vem enfrentando entraves de todo tipo. O próprio Planalto reconhece que ainda está longe de contar com os votos requeridos. E não é uma mera questão de números.
Basta ter em mente as dificuldades com que se defrontou o presidente Temer, nas últimas semanas, para nomear a ministra do Trabalho indicada pelo PTB. Ou as ameaças da base aliada de inviabilizar a aprovação da reforma, caso as vice-presidências da Caixa Econômica Federal não voltem a ser loteadas entre os mesmos partidos que indicaram os executivos recentemente afastados.
Mas, apesar de todas essas incertezas e dificuldades, os mercados se mantiveram firmemente otimistas ao longo de janeiro. Em parte, embalados pelos bons ventos externos, provenientes do excesso de liquidez internacional e da exuberância do crescimento sincronizado da economia mundial. Mas, primordialmente, pela perspectiva de uma reviravolta nos prognósticos da campanha presidencial, na esteira do julgamento do recurso do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no dia 24.
O desfecho do julgamento mostrou que tais expectativas não eram infundadas. A confirmação da condenação de Lula pelos três desembargadores que compõem a 8ª Turma do TRF-4 está, de fato, fadada a ter desdobramentos de enorme importância para a eleição presidencial.
Esgotadas as possibilidades de embargo, a condenação em segunda instância, por decisão colegiada, deixará Lula incurso na Lei da Ficha Limpa e, portanto, inelegível. O que ainda não se sabe é quando exatamente sua inelegibilidade será oficialmente declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Apostar na protelação dessa declaração — quem sabe, até setembro — é o jogo que agora contempla o PT para, ao arrepio das implicações legais da condenação, tentar levar adiante, a qualquer custo, a campanha presidencial de Lula, na esperança de, pelo menos, conseguir conter a temida devastação da bancada parlamentar do partido nas eleições de outubro.
Ainda é cedo para vislumbrar com nitidez os complexos desdobramentos da decisão do TRF-4. Mas não há dúvida de que a inelegibilidade de Lula trará ampla reconfiguração da disputa presidencial, com substancial redução do risco de reversão da política econômica que vinha nublando os horizontes do país e tolhendo uma retomada mais vigorosa da economia brasileira.
Para um ano que mal começou, não é pouco.
26 de janeiro de 2018
Rogério Furquim Werneck, O Globo
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