Sou filha de juiz de direito. Certa feita, numa das comarcas que meu pai presidiu, houve um incêndio criminoso. As suspeitas logo recaíram sobre o vigia, homem corpulento, alto e negro. A opinião pública logo passou a se referir a ele como “aquele facínora”. Não se falava noutra coisa na pequena cidade. Tendo tomado conhecimento das sevícias praticadas contra o suspeito pela polícia, papai determinou que ele ficasse em nossa casa, sob sua guarda e responsabilidade. Determinou que nós, seus seis filhos menores, não fôssemos mais a seu escritório de trabalho, onde mamãe improvisou uma cama. Pela manhã, a ele era levada uma bandeja com o café da manhã, depois o almoço e, à tarde, o lanche. À noite, como era costume na época, era-lhe servido o jantar e, antes de dormir, outro lanche.
A cidade toda encheu-se de boatos contra meu pai. Diziam que ele era descuidado, sobretudo com suas duas filhas menores (eu, a mais velha, tinha cerca de 9 anos); que não se precavia contra a periculosidade do “facínora” e coisas assim.
Não me lembro do final do caso, porque fui morar em casa de uns tios por um tempo, pois não tinha idade para cursar o ginásio e já completara o grupo escolar. Sempre fui precoce nos estudos.
Essa lembrança me martela a cabeça diante do que toda a imprensa noticiou e continua noticiando sobre a situação carcerária no Brasil. Alguém enviou-me uma frase do falecido Darcy Ribeiro, que afirmava em 1982: “O país que não constrói escolas está fadado a construir presídios”. Leio também que a Holanda e a Suécia estão fechando presídios e que o número de detentos na Noruega, por exemplo, é mínimo. Tudo quanto li a respeito nesses dias aponta para a desigualdade social como motivo maior para a existência de grande população carcerária. Brasil e Estados Unidos são exemplos de excesso de presos. E, para quem já anda receitando a pena de morte, lembro que certos Estados nos EUA a possuem e nenhuma estatística constata que esse fato tenha tido efeito na diminuição dos crimes. Aqui, sabe-se, o número de detentos sem culpa formada (presos provisórios ou cumprindo penas preventivas) lota as cadeias. Também me vieram à lembrança as palavras do secretário do Trabalho do Rio de Janeiro, quando o primeiro governo Lula lançava seu projeto (falido) de “Primeiro Emprego” e aquela autoridade lamentava-se comigo que só podia oferecer a um jovem a quantia de R$ 150, quando o tráfico já pagava R$ 1.000 aos “pombos-correios”. Como competir?, indagava.
Abro a Lei de Execuções Penais – Lei 7.210, de julho de 1984 – e nela encontro nos artigos 65 e 66, e depois nos artigos 67, 68 e seu parágrafo único, os deveres dos juízes de execução da pena e do Ministério Público e passo a me perguntar: por que tanta omissão da parte de quem ocupa cargo de tamanha responsabilidade e que é, por isso, tão bem-remunerado?
Não aguento mais ouvir falar em Plano Nacional de Segurança Pública nem de construção de novas cadeias. O Brasil precisa de escolas e bons empregos.
18 de janeiro de 2017
Sandra Starling foi deputada federal por Minas Gerais.
Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo.
A cidade toda encheu-se de boatos contra meu pai. Diziam que ele era descuidado, sobretudo com suas duas filhas menores (eu, a mais velha, tinha cerca de 9 anos); que não se precavia contra a periculosidade do “facínora” e coisas assim.
Não me lembro do final do caso, porque fui morar em casa de uns tios por um tempo, pois não tinha idade para cursar o ginásio e já completara o grupo escolar. Sempre fui precoce nos estudos.
Essa lembrança me martela a cabeça diante do que toda a imprensa noticiou e continua noticiando sobre a situação carcerária no Brasil. Alguém enviou-me uma frase do falecido Darcy Ribeiro, que afirmava em 1982: “O país que não constrói escolas está fadado a construir presídios”. Leio também que a Holanda e a Suécia estão fechando presídios e que o número de detentos na Noruega, por exemplo, é mínimo. Tudo quanto li a respeito nesses dias aponta para a desigualdade social como motivo maior para a existência de grande população carcerária. Brasil e Estados Unidos são exemplos de excesso de presos. E, para quem já anda receitando a pena de morte, lembro que certos Estados nos EUA a possuem e nenhuma estatística constata que esse fato tenha tido efeito na diminuição dos crimes. Aqui, sabe-se, o número de detentos sem culpa formada (presos provisórios ou cumprindo penas preventivas) lota as cadeias. Também me vieram à lembrança as palavras do secretário do Trabalho do Rio de Janeiro, quando o primeiro governo Lula lançava seu projeto (falido) de “Primeiro Emprego” e aquela autoridade lamentava-se comigo que só podia oferecer a um jovem a quantia de R$ 150, quando o tráfico já pagava R$ 1.000 aos “pombos-correios”. Como competir?, indagava.
Abro a Lei de Execuções Penais – Lei 7.210, de julho de 1984 – e nela encontro nos artigos 65 e 66, e depois nos artigos 67, 68 e seu parágrafo único, os deveres dos juízes de execução da pena e do Ministério Público e passo a me perguntar: por que tanta omissão da parte de quem ocupa cargo de tamanha responsabilidade e que é, por isso, tão bem-remunerado?
Não aguento mais ouvir falar em Plano Nacional de Segurança Pública nem de construção de novas cadeias. O Brasil precisa de escolas e bons empregos.
18 de janeiro de 2017
Sandra Starling foi deputada federal por Minas Gerais.
Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo.
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