"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

AINDA SOBRE OS MASSACRES NAS PRISÕES

Sou filha de juiz de direito. Certa feita, numa das comarcas que meu pai presidiu, houve um incêndio criminoso. As suspeitas logo recaíram sobre o vigia, homem corpulento, alto e negro. A opinião pública logo passou a se referir a ele como “aquele facínora”. Não se falava noutra coisa na pequena cidade. Tendo tomado conhecimento das sevícias praticadas contra o suspeito pela polícia, papai determinou que ele ficasse em nossa casa, sob sua guarda e responsabilidade. Determinou que nós, seus seis filhos menores, não fôssemos mais a seu escritório de trabalho, onde mamãe improvisou uma cama. Pela manhã, a ele era levada uma bandeja com o café da manhã, depois o almoço e, à tarde, o lanche. À noite, como era costume na época, era-lhe servido o jantar e, antes de dormir, outro lanche.

A cidade toda encheu-se de boatos contra meu pai. Diziam que ele era descuidado, sobretudo com suas duas filhas menores (eu, a mais velha, tinha cerca de 9 anos); que não se precavia contra a periculosidade do “facínora” e coisas assim.

Não me lembro do final do caso, porque fui morar em casa de uns tios por um tempo, pois não tinha idade para cursar o ginásio e já completara o grupo escolar. Sempre fui precoce nos estudos.

Essa lembrança me martela a cabeça diante do que toda a imprensa noticiou e continua noticiando sobre a situação carcerária no Brasil. Alguém enviou-me uma frase do falecido Darcy Ribeiro, que afirmava em 1982: “O país que não constrói escolas está fadado a construir presídios”. Leio também que a Holanda e a Suécia estão fechando presídios e que o número de detentos na Noruega, por exemplo, é mínimo. Tudo quanto li a respeito nesses dias aponta para a desigualdade social como motivo maior para a existência de grande população carcerária. Brasil e Estados Unidos são exemplos de excesso de presos. E, para quem já anda receitando a pena de morte, lembro que certos Estados nos EUA a possuem e nenhuma estatística constata que esse fato tenha tido efeito na diminuição dos crimes. Aqui, sabe-se, o número de detentos sem culpa formada (presos provisórios ou cumprindo penas preventivas) lota as cadeias. Também me vieram à lembrança as palavras do secretário do Trabalho do Rio de Janeiro, quando o primeiro governo Lula lançava seu projeto (falido) de “Primeiro Emprego” e aquela autoridade lamentava-se comigo que só podia oferecer a um jovem a quantia de R$ 150, quando o tráfico já pagava R$ 1.000 aos “pombos-correios”. Como competir?, indagava.

Abro a Lei de Execuções Penais – Lei 7.210, de julho de 1984 – e nela encontro nos artigos 65 e 66, e depois nos artigos 67, 68 e seu parágrafo único, os deveres dos juízes de execução da pena e do Ministério Público e passo a me perguntar: por que tanta omissão da parte de quem ocupa cargo de tamanha responsabilidade e que é, por isso, tão bem-remunerado?

Não aguento mais ouvir falar em Plano Nacional de Segurança Pública nem de construção de novas cadeias. O Brasil precisa de escolas e bons empregos.


18 de janeiro de 2017
Sandra Starling foi deputada federal por Minas Gerais.
Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo.

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