A relação entre o preço do Big Mac e a renda per capita do país em que é vendido põe o holofote sobre certos desalinhamentos
Inventado por um aristocrata inglês de nome Sandwich, tornou-se esnobe e em algumas rodas quer ser chamado de hambúrguer. Em outras finge desconhecer seu primo cachorro-quente, vendido em carrocinha.
Deu a volta ao mundo, mas foi também na Inglaterra, na redação da revista “The Economist”, que, para facilitar a compreensão da complicada economia, usaram seu descendente mais ilustre, nascido na América, para criar o índice Big Mac, o qual mede a posição relativa das moedas nacionais. A relação entre o preço do Big Mac e a renda per capita do país em que é vendido põe o holofote sobre certos desalinhamentos.
Duas fatias de pão separadas uma da outra, razoável altura, dois andares de um prédio arredondado, não entra na boca de uma só vez, onde são colocados carne, queijo e alface. Quatro produtos empilhados pela mão de obra local, engordurados de impostos, chegando a uma diferença de preço de mais de 500% pelos mais de cem países onde o Big Mac é vendido.
Espera-se que o preço do padronizado mito acompanhe positivamente a renda per capita do país onde está sendo produzido e vendido. De fato é isso que se observa: renda per capita baixa, Big Mac mais em conta (o mais barato é na Índia, pelo preço de um sanduba simples brasileiro); renda per capita alta, Big Mac mais salgado (o mais caro, norueguês, custa quase 20 reais). Mas há um belo caso destoante. O abuso dos preços no Brasil. E o Big Mac é só um símbolo das várias situações que, em conjunto, fazem de nós o estranho país emergente no qual o PIB per capita medido em paridade de poder de compra é inferior ao PIB per capita a preços correntes. Ou seja, é a pátria da coisa cara. Essa peça comestível custa 250% mais caro aqui do que em Hong Kong. E, na Europa, somente nas milionárias Suíça, Suécia e Noruega o preço do Big Mac nos supera.
Mas arrancar o couro do freguês entre nós vai muito além do sanduíche. Com suas características continentais, o preço do avião ultrapassa qualquer comparação mundial ou enquadramento constitucional e de mercado. Esquivando-se tanto assim da austeridade, o Brasil acabará atropelado pela fartura. Constituiu-se no país uma política de preços altos e impagáveis a que nos acostumamos como quem vive de favor, sempre endividado, que nos serão cobrados mais cedo ou mais tarde. De forma frequente e extraordinária o que orienta as condições econômicas é o interesse do varejo político e não construir regras duradouras que façam gerações melhorarem de vida de forma estável. Pobres e caros, nunca nos tornaremos ricos.
A democracia política ainda não viu o futuro promissor que é gerir recursos naturais e ter eficiência na construção industrial e tecnológica. Nem está atenta para os cada vez mais frequentes episódios de desespero urbano, violência familiar e brutalidade do cotidiano a anunciar a separação entre riqueza e cultura, ou a convivência da fartura material com a privação espiritual. Pássaro na gaiola de ouro, o cidadão está cada vez mais cerceado em sua liberdade e autonomia econômica. Assim, furiosa e solitária, a violência vaza sobre a sociedade como uma fada caindo aos pedaços.
Inventado por um aristocrata inglês de nome Sandwich, tornou-se esnobe e em algumas rodas quer ser chamado de hambúrguer. Em outras finge desconhecer seu primo cachorro-quente, vendido em carrocinha.
Deu a volta ao mundo, mas foi também na Inglaterra, na redação da revista “The Economist”, que, para facilitar a compreensão da complicada economia, usaram seu descendente mais ilustre, nascido na América, para criar o índice Big Mac, o qual mede a posição relativa das moedas nacionais. A relação entre o preço do Big Mac e a renda per capita do país em que é vendido põe o holofote sobre certos desalinhamentos.
Duas fatias de pão separadas uma da outra, razoável altura, dois andares de um prédio arredondado, não entra na boca de uma só vez, onde são colocados carne, queijo e alface. Quatro produtos empilhados pela mão de obra local, engordurados de impostos, chegando a uma diferença de preço de mais de 500% pelos mais de cem países onde o Big Mac é vendido.
Espera-se que o preço do padronizado mito acompanhe positivamente a renda per capita do país onde está sendo produzido e vendido. De fato é isso que se observa: renda per capita baixa, Big Mac mais em conta (o mais barato é na Índia, pelo preço de um sanduba simples brasileiro); renda per capita alta, Big Mac mais salgado (o mais caro, norueguês, custa quase 20 reais). Mas há um belo caso destoante. O abuso dos preços no Brasil. E o Big Mac é só um símbolo das várias situações que, em conjunto, fazem de nós o estranho país emergente no qual o PIB per capita medido em paridade de poder de compra é inferior ao PIB per capita a preços correntes. Ou seja, é a pátria da coisa cara. Essa peça comestível custa 250% mais caro aqui do que em Hong Kong. E, na Europa, somente nas milionárias Suíça, Suécia e Noruega o preço do Big Mac nos supera.
Mas arrancar o couro do freguês entre nós vai muito além do sanduíche. Com suas características continentais, o preço do avião ultrapassa qualquer comparação mundial ou enquadramento constitucional e de mercado. Esquivando-se tanto assim da austeridade, o Brasil acabará atropelado pela fartura. Constituiu-se no país uma política de preços altos e impagáveis a que nos acostumamos como quem vive de favor, sempre endividado, que nos serão cobrados mais cedo ou mais tarde. De forma frequente e extraordinária o que orienta as condições econômicas é o interesse do varejo político e não construir regras duradouras que façam gerações melhorarem de vida de forma estável. Pobres e caros, nunca nos tornaremos ricos.
A democracia política ainda não viu o futuro promissor que é gerir recursos naturais e ter eficiência na construção industrial e tecnológica. Nem está atenta para os cada vez mais frequentes episódios de desespero urbano, violência familiar e brutalidade do cotidiano a anunciar a separação entre riqueza e cultura, ou a convivência da fartura material com a privação espiritual. Pássaro na gaiola de ouro, o cidadão está cada vez mais cerceado em sua liberdade e autonomia econômica. Assim, furiosa e solitária, a violência vaza sobre a sociedade como uma fada caindo aos pedaços.
03 de março de 2014
Paulo Delgado, O Globo
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