"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 3 de março de 2014

A MESMA MARCHINHA

 

Blocão de deputados federais descontentes com governo ameaça retaliações, mas se reconforta com o refrão "mamãe, eu quero mamar"
 
Observa-se com bons olhos a retomada, ano a ano, do Carnaval de rua em inúmeras cidades do país. Após décadas de declínio, ameaçada de restringir-se aos gigantescos e ensaiados desfiles das escolas de samba, a festa popular recupera sua espontaneidade.
 
As vias públicas se reconquistam de diversas maneiras, contraditórias ou não. As primeiras manifestações de junho passado tinham ardor e juventude; depois dos excessos repressivos da polícia, cresceram e diversificaram-se, na pacífica celebração da própria existência. Vieram as máscaras, os coquetéis molotov, os rojões assassinos, e a festa do protesto degenerou em orgia destrutiva.
 
Com o Carnaval, a população volta às avenidas e, conforme a imagem que os brasileiros fazem de si mesmos, se há desordem, há de ser também pacífica. Os mais variados blocos ocupam, com nomes extravagantes, as ruas rabugentas de São Paulo.
 
Num espírito fiel à diversidade das culturas paulistanas, há por exemplo o bloco dos Originais do Punk, que revisita sucessos do radicalismo roqueiro em ritmo de marchinha. Faz o mesmo, com as canções dos Beatles, o fluminense Sargento Pimenta.
 
Registre-se, ainda, a presença do Jegue Elétrico, do Bloco Fluvial do Peixe Seco e do Bloco Bastardo.
 
Todas essas organizações momescas empalidecem, contudo, diante de um grupo capaz de reunir mais recursos, mais folgazões e fantasiados do que todas as campeãs do Sambódromo carioca.
 
Reuniu-se agora mesmo em Brasília; conhece com precisão cada nota de sua partitura; tem a seu serviço a experiência da Velha Guarda e todo o ardor dos estreantes. Tal o seu peso --seriam cerca de 250 deputados federais-- e tão pouco inovador o seu estilo que nem sequer precisa de nome pitoresco.
 
É o Blocão. Assim mesmo, sem mais nada --nada de original, nada de jegue, nada de fluvial, nada de peixe seco; algo de bastardo, talvez. Pois pertencem ao agrupamento os descontentes de vários partidos, nem todos iguais.
 
Há o PMDB à frente, tendo como mestre-sala o deputado Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro. Seguem-se o PDT, governista, e o Solidariedade, de oposição. A ala evangélica não faz feio, com PR e PSC. Na honrosa retaguarda de sempre, o PP, de Paulo Maluf.
 
Reclamam maior atenção do poder federal. São as emendas de sempre, além dos cargos ambicionados para os próximos meses, com a perspectiva da reforma ministerial. Expressam-se, ademais, os descontentamentos com os palanques estaduais, a serem compostos com vistas às eleições para governador e presidente neste ano.
 
Ameaçam retaliar a administração Dilma Rousseff. A lembrança é óbvia, mas vem ao caso: nenhuma outra marchinha conhece o Blocão, além daquele êxito de sempre --"mamãe, eu quero mamar".
 
03 de março de 2014
Editorial Folha São Paulo

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