Está nos cinemas "Caçadores de Obras-Primas" ("Monuments Men", baseado no livro que tem o mesmo título). Conta uma magnífica história: a de professores e museólogos americanos e ingleses que desembarcaram na Europa em 1944 com a missão de salvar tesouros artísticos durante a maior guerra de todos os tempos. Permite duas horas de divertimento e emoção. (O velhote da cena final é o pai de George Clooney, cujo personagem, na vida real, foi um conservador de Harvard.) Noves fora a corrida à la Spielberg contra os russos que estavam às portas da mina onde estavam os tesouros, suas diferenças com a história real não têm maior importância.
O filme joga o passado dos Estados Unidos contra seu presente. Há sessenta anos o secretário de Defesa Henry Stimson salvou a cidade japonesa de Kyoto de tomar uma bomba atômica porque lembrou-se de seu valor histórico. Os professores e museólogos protegeram algumas igrejas de cidades europeias. Nada puderam fazer para evitar a destruição da abadia medieval de Monte Cassino nem para tirar a cidade de Pisa da lista de alvos de bombardeios. Nisso foram-se afrescos, sarcófagos e esculturas do campo santo da cidade, cujo valor histórico excedia o da torre inclinada.
Passado meio século, as tropas americanas invadiram o Iraque sem dar qualquer atenção aos professores e museólogos que pediam proteção para sítios arqueológicos e, sobretudo, para o museu de Bagdá. Suas coleções equiparavam-no aos melhores do mundo. Tratava-se apenas de replicar uma iniciativa que enobrecera as Forças Armadas americanas, mas a tropa entrou em Bagdá sem qualquer instrução para proteger o museu. Nela havia só dois oficiais capazes de distinguir uma tabuleta milenar de um pedaço de barro com marcas esquisitas. O comandante da invasão disse que não tinha tempo para cuidar de besteiras e, quando o saque começou, havia uma tropa próxima, mas tinha ordens apenas para orientar o trânsito. A rapina durou dois dias e teve a marca de profissionais que foram atrás do que havia de melhor. Sumiram milhares de peças, talvez 10 mil, muitas das quais do tamanho de um isqueiro que chegam a valer centenas de milhares de dólares. Foram recuperados 750 objetos, alguns deles nos mercados de antiguidades americano e europeu. Noutro lance, a tropa nada fez quando um incêndio destruiu a biblioteca nacional do Iraque. Estavam atrás de armas de destruição em massa que não existiam e não evitaram a destruição de uma parte existente da memória do amanhecer da civilização.
Pesquisadores iraquianos protegeram perto de dez mil peças, mas ninguém contará sua história num filme com George Clooney e Cate Blanchett, a heroína francesa Rose Valland. Sua história já foi contada num grande filme, "O Trem", de John Frankenheimer.
Numa hora em que se dá o devido valor aos "Monuments Men", vale lembrar o nome de Tony Clarke. Ele era um jovem capitão inglês e em 1944 estava artilhado nas montanhas que dominam a cidade de Sansepolcro, com ordens para canhoneá-la. Lembrou-se de um livro que contava as maravilhas do afresco "Ressurreição", de Piero della Francesca, conservado num prédio da cidade e decidiu suspender o fogo. Na mosca: os alemães já tinham ido embora. Hoje Clarke é nome de rua na cidade.
O filme joga o passado dos Estados Unidos contra seu presente. Há sessenta anos o secretário de Defesa Henry Stimson salvou a cidade japonesa de Kyoto de tomar uma bomba atômica porque lembrou-se de seu valor histórico. Os professores e museólogos protegeram algumas igrejas de cidades europeias. Nada puderam fazer para evitar a destruição da abadia medieval de Monte Cassino nem para tirar a cidade de Pisa da lista de alvos de bombardeios. Nisso foram-se afrescos, sarcófagos e esculturas do campo santo da cidade, cujo valor histórico excedia o da torre inclinada.
Passado meio século, as tropas americanas invadiram o Iraque sem dar qualquer atenção aos professores e museólogos que pediam proteção para sítios arqueológicos e, sobretudo, para o museu de Bagdá. Suas coleções equiparavam-no aos melhores do mundo. Tratava-se apenas de replicar uma iniciativa que enobrecera as Forças Armadas americanas, mas a tropa entrou em Bagdá sem qualquer instrução para proteger o museu. Nela havia só dois oficiais capazes de distinguir uma tabuleta milenar de um pedaço de barro com marcas esquisitas. O comandante da invasão disse que não tinha tempo para cuidar de besteiras e, quando o saque começou, havia uma tropa próxima, mas tinha ordens apenas para orientar o trânsito. A rapina durou dois dias e teve a marca de profissionais que foram atrás do que havia de melhor. Sumiram milhares de peças, talvez 10 mil, muitas das quais do tamanho de um isqueiro que chegam a valer centenas de milhares de dólares. Foram recuperados 750 objetos, alguns deles nos mercados de antiguidades americano e europeu. Noutro lance, a tropa nada fez quando um incêndio destruiu a biblioteca nacional do Iraque. Estavam atrás de armas de destruição em massa que não existiam e não evitaram a destruição de uma parte existente da memória do amanhecer da civilização.
Pesquisadores iraquianos protegeram perto de dez mil peças, mas ninguém contará sua história num filme com George Clooney e Cate Blanchett, a heroína francesa Rose Valland. Sua história já foi contada num grande filme, "O Trem", de John Frankenheimer.
Numa hora em que se dá o devido valor aos "Monuments Men", vale lembrar o nome de Tony Clarke. Ele era um jovem capitão inglês e em 1944 estava artilhado nas montanhas que dominam a cidade de Sansepolcro, com ordens para canhoneá-la. Lembrou-se de um livro que contava as maravilhas do afresco "Ressurreição", de Piero della Francesca, conservado num prédio da cidade e decidiu suspender o fogo. Na mosca: os alemães já tinham ido embora. Hoje Clarke é nome de rua na cidade.
19 de fevereiro de 2014
Elio Gaspari, O Globo
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