Passados quase três anos da nova matriz macroeconômica , é possível observar os objetivos que nortearam as decisões do governo. Decididamente, o que se buscou foi estimular a economia via consumo, com a ideia de que isso puxaria os investimentos. O consumo, de fato, veio, mas o investimento ficou pelo caminho.
Vários fatores contribuíram para o baixo investimento. Um deles foi a escassez de confiança dos empresários na nova matriz . O economista Edward Amadeo, ex-secretário de Política Econômica, ex-ministro do Trabalho e hoje sócio da Gávea Investimentos, cita, além das incertezas, uma razão bastante concreta: o aumento dos custos de produção. O custo unitário do trabalho, deflacionado pela taxa de câmbio efetiva (TCE), aumentou 50% desde 2005. A TCE é calculada com base numa cesta de moedas dos principais parceiros comerciais do país.
Amadeo desenvolveu interessante análise sobre os fatos que, interligados, contribuíram para o cenário desafiador da economia brasileira, marcado por inflação alta, baixo crescimento, deterioração das contas públicas e déficit externo crescente.
Para incentivar o consumo, o governo reduziu impostos e subsidiou o crédito, principalmente, por meio do BNDES. Além disso, forçou os bancos estatais a diminuir os spreads. A expansão do crédito teve custo fiscal, uma vez que o Tesouro capitalizou os bancos, aumentando a dívida pública. Se o aumento da inadimplência trará outras repercussões fiscais, só o tempo dirá, mas o viés nesse sentido aumentou dada a velocidade com que o crédito avançou , diz Amadeo.
O governo incentivou o emprego ao desonerar a folha de pagamento de uma série de setores, por meio de renúncia fiscal. Barateou um recurso escasso na economia - a mão de obra -, desconsiderando que o que faltava não era pessoal, mas investimento.
O subsídio ao investimento por meio de empréstimos do BNDES não teve efeito multiplicador sobre a taxa de investimento privado, cuja relação com o PIB praticamente não se mexeu desde 2011.
As renúncias tributárias e os subsídios reduziram as receitas públicas e aumentaram as despesas no presente e no futuro. Este é um tema que assombra especialistas em finanças públicas: o impacto fiscal dos subsídios ao crédito - dado pela diferença entre o custo de captação do Tesouro e o dos empréstimos do BNDES - vai se dar ao longo dos próximos anos e talvez décadas.
Para Amadeo, o governo fez uma opção clara: aumentar a renda disponível corrente por meio de transferências, renúncias fiscais, subsídios e elevação do salário mínimo em vez de realizar gastos em serviços públicos e infraestrutura. O exemplo mais claro dessa troca é o setor de transportes, em que o governo subsidiou a compra de carros e a gasolina, mas a população se ressentiu dos preços e da qualidade dos trens e ônibus , observa o economista, referindo-se às manifestações.
Essa troca se deu em outras áreas, onde os gastos podem ser vistos como investimento em capital humano , que produz aumento da renda permanente , como educação, qualificação profissional, saúde e saneamento básico.
No plano macroeconômico, a opção pelo consumo e o emprego em detrimento do investimento teve o efeito de produzir uma inflação salarial e de bens não comercializáveis (serviços) elevada e rígida, mesmo num contexto de baixo crescimento da demanda. Essa inflação não vai ceder enquanto não houver aumento da produtividade do trabalho. Dada a taxa corrente de crescimento da produtividade, a inflação só cairá com aumento do desemprego, por mais dura que seja essa realidade , adverte Amadeo.
A equação é complicada. Com inflação pressionada e a defasagem crescente das tarifas, para evitar o risco de perda de controle dos preços, que pode vir com um choque de câmbio (fato menos provável agora, mas não desprezível), o Banco Central será obrigado a manter a taxa de juros (Selic) elevada, talvez, maior do que já está hoje.
O bem-estar do cidadão está ameaçado porque ou ele convive com inflação elevada (com risco de aceleração) ou o BC tem que manter os juros altos, produzindo aumento da taxa de desemprego , diz Amadeo. Esta é a primeira escolha de política econômica, e há outras duas, com a qual o governo terá que se defrontar.
No período atual, a renda tende a crescer menos, podendo até cair se a inflação subir ou o desemprego aumentar. Os serviços públicos seguirão com baixa qualidade, uma vez que o investimento tende a encolher com o atraso da correção das tarifas - as empresas reduzem investimentos não só porque têm menos recursos mas também devido à incerteza regulatória.
Houve a decisão de privilegiar o consumo em detrimento do investimento e da melhoria dos serviços públicos. Se o governo decidisse alterar as prioridades daqui para frente, a tarefa não seria nada fácil porque a política fiscal dos últimos anos teria que ser revertida. Teria que reduzir as renúncias e subsídios fiscais, corrigir as tarifas e diminuir uma parte das transferências. Mas essa reversão tem como consequência a redução da renda disponível e do crédito para os cidadãos. Dito de outra forma, e esta é a segunda escolha possível de política econômica, não há como conciliar a preservação dos ganhos de renda real disponível acumulados nos últimos anos e a melhoria dos serviços de utilidade pública , diz Amadeo.
O sócio da Gávea lembra que o governo forçou a mudança das relações entre juros e câmbio, Selic e TJLP e o spread bancário dos bancos públicos. As interferências se mostraram inconsistentes, mesmo tendo produzido um boom no crédito.
A inconsistência produzida pela interferência nos preços de mercado minou o esforço de manter a Selic baixa e, assim, evitar a apreciação do real, e solapou o fortalecimento da bolsa de valores e das empresas e o crescimento dos investimentos privados. No momento, o BC está vendendo dólares para evitar a depreciação do real. Mais uma vez está evitando um ajuste de preços que, no longo prazo, acontecerá de qualquer forma.
Diante disso, o governo estaria diante da terceira escolha: entre intervir ou não na formação dos preços de mercado. A tentativa de controlar os preços (juros, spreads, câmbio) não produziu o resultado desejado, isto é, fomentar o investimento privado e o crescimento econômico , assinala Amadeo.
Vários fatores contribuíram para o baixo investimento. Um deles foi a escassez de confiança dos empresários na nova matriz . O economista Edward Amadeo, ex-secretário de Política Econômica, ex-ministro do Trabalho e hoje sócio da Gávea Investimentos, cita, além das incertezas, uma razão bastante concreta: o aumento dos custos de produção. O custo unitário do trabalho, deflacionado pela taxa de câmbio efetiva (TCE), aumentou 50% desde 2005. A TCE é calculada com base numa cesta de moedas dos principais parceiros comerciais do país.
Amadeo desenvolveu interessante análise sobre os fatos que, interligados, contribuíram para o cenário desafiador da economia brasileira, marcado por inflação alta, baixo crescimento, deterioração das contas públicas e déficit externo crescente.
Para incentivar o consumo, o governo reduziu impostos e subsidiou o crédito, principalmente, por meio do BNDES. Além disso, forçou os bancos estatais a diminuir os spreads. A expansão do crédito teve custo fiscal, uma vez que o Tesouro capitalizou os bancos, aumentando a dívida pública. Se o aumento da inadimplência trará outras repercussões fiscais, só o tempo dirá, mas o viés nesse sentido aumentou dada a velocidade com que o crédito avançou , diz Amadeo.
O governo incentivou o emprego ao desonerar a folha de pagamento de uma série de setores, por meio de renúncia fiscal. Barateou um recurso escasso na economia - a mão de obra -, desconsiderando que o que faltava não era pessoal, mas investimento.
O subsídio ao investimento por meio de empréstimos do BNDES não teve efeito multiplicador sobre a taxa de investimento privado, cuja relação com o PIB praticamente não se mexeu desde 2011.
As renúncias tributárias e os subsídios reduziram as receitas públicas e aumentaram as despesas no presente e no futuro. Este é um tema que assombra especialistas em finanças públicas: o impacto fiscal dos subsídios ao crédito - dado pela diferença entre o custo de captação do Tesouro e o dos empréstimos do BNDES - vai se dar ao longo dos próximos anos e talvez décadas.
Para Amadeo, o governo fez uma opção clara: aumentar a renda disponível corrente por meio de transferências, renúncias fiscais, subsídios e elevação do salário mínimo em vez de realizar gastos em serviços públicos e infraestrutura. O exemplo mais claro dessa troca é o setor de transportes, em que o governo subsidiou a compra de carros e a gasolina, mas a população se ressentiu dos preços e da qualidade dos trens e ônibus , observa o economista, referindo-se às manifestações.
Essa troca se deu em outras áreas, onde os gastos podem ser vistos como investimento em capital humano , que produz aumento da renda permanente , como educação, qualificação profissional, saúde e saneamento básico.
No plano macroeconômico, a opção pelo consumo e o emprego em detrimento do investimento teve o efeito de produzir uma inflação salarial e de bens não comercializáveis (serviços) elevada e rígida, mesmo num contexto de baixo crescimento da demanda. Essa inflação não vai ceder enquanto não houver aumento da produtividade do trabalho. Dada a taxa corrente de crescimento da produtividade, a inflação só cairá com aumento do desemprego, por mais dura que seja essa realidade , adverte Amadeo.
A equação é complicada. Com inflação pressionada e a defasagem crescente das tarifas, para evitar o risco de perda de controle dos preços, que pode vir com um choque de câmbio (fato menos provável agora, mas não desprezível), o Banco Central será obrigado a manter a taxa de juros (Selic) elevada, talvez, maior do que já está hoje.
O bem-estar do cidadão está ameaçado porque ou ele convive com inflação elevada (com risco de aceleração) ou o BC tem que manter os juros altos, produzindo aumento da taxa de desemprego , diz Amadeo. Esta é a primeira escolha de política econômica, e há outras duas, com a qual o governo terá que se defrontar.
No período atual, a renda tende a crescer menos, podendo até cair se a inflação subir ou o desemprego aumentar. Os serviços públicos seguirão com baixa qualidade, uma vez que o investimento tende a encolher com o atraso da correção das tarifas - as empresas reduzem investimentos não só porque têm menos recursos mas também devido à incerteza regulatória.
Houve a decisão de privilegiar o consumo em detrimento do investimento e da melhoria dos serviços públicos. Se o governo decidisse alterar as prioridades daqui para frente, a tarefa não seria nada fácil porque a política fiscal dos últimos anos teria que ser revertida. Teria que reduzir as renúncias e subsídios fiscais, corrigir as tarifas e diminuir uma parte das transferências. Mas essa reversão tem como consequência a redução da renda disponível e do crédito para os cidadãos. Dito de outra forma, e esta é a segunda escolha possível de política econômica, não há como conciliar a preservação dos ganhos de renda real disponível acumulados nos últimos anos e a melhoria dos serviços de utilidade pública , diz Amadeo.
O sócio da Gávea lembra que o governo forçou a mudança das relações entre juros e câmbio, Selic e TJLP e o spread bancário dos bancos públicos. As interferências se mostraram inconsistentes, mesmo tendo produzido um boom no crédito.
A inconsistência produzida pela interferência nos preços de mercado minou o esforço de manter a Selic baixa e, assim, evitar a apreciação do real, e solapou o fortalecimento da bolsa de valores e das empresas e o crescimento dos investimentos privados. No momento, o BC está vendendo dólares para evitar a depreciação do real. Mais uma vez está evitando um ajuste de preços que, no longo prazo, acontecerá de qualquer forma.
Diante disso, o governo estaria diante da terceira escolha: entre intervir ou não na formação dos preços de mercado. A tentativa de controlar os preços (juros, spreads, câmbio) não produziu o resultado desejado, isto é, fomentar o investimento privado e o crescimento econômico , assinala Amadeo.
19 de fevereiro de 2014
Cristiano Romero, Valor Econômico
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