A CAMARGO CORREA PODE VIRAR UMA SIEMENS
Depois de ter distribuído dinheiro pelo mundo afora, a empresa alemã virou exemplo de lisura
A decisão do presidente e de um dos vice-presidentes da Camargo Corrêa de colaborar com a Viúva pode significar o início de um novo tempo nas relações de grandes empresas com o Estado. Se a empresa aderir, poderá se transformar numa Siemens.
Nada garante que isso vá acontecer, mas a multinacional alemã foi do inferno ao paraíso em poucos anos. Com 400 mil empregados em 190 países, ela corria o risco de ser declarada inidônea nos Estados Unidos e na Alemanha. Resolveu corrigir-se. Reconheceu que distribuiu US$ 1,4 bilhão em 65 países e abriu uma investigação interna. Foram analisados 127 milhões de documentos e descobertos novos malfeitos. A Siemens contratou Theo Waigel, ex-ministro da Economia da Alemanha, para uma posição de superombudsman. Ele visitou 20 países, reuniu-se com cerca de 1.500 pessoas e ficou com pouco tempo para outras atividades. De seu trabalho resultou que a empresa tem um novo lema: "A Siemens só faz negócios limpos". A faxina foi geral. No primeiro ano, o ombudsman fez mais de 100 recomendações, todas aceitas. No segundo, 40. No terceiro, apenas 10. Criou uma sistema de controle de denúncias. Para garanti-lo, apresentavam-se falsas reclamações, para ver se elas eram varridas para baixo do tapete.
Waigel concluiu seu trabalho garantindo que "não há risco sistêmico" quando se faz uma faxina. No Brasil, por exemplo, a Siemens colabora com as autoridades nas investigações sobre o cartel metroferroviário que operou em governos do tucanato paulista. Infelizmente, as autoridades ainda não colaboraram o suficiente para que o caso desse em alguma coisa.
FRITURA
A doutora Dilma encarregou o ministro Joaquim Levy de negociar com a agência Moody's para que a nota de crédito da Petrobras não fosse rebaixada. Ele tentou durante o Carnaval, quando esteve em Nova York, e novamente na segunda-feira passada. Deu água.
Negociações como essa são comuns. Às vezes dão certo, às vezes fracassam. Valem pelo segredo em que são mantidas, seja qual for o desfecho. Se Levy fosse bem-sucedido, o sigilo evitaria que a Moody's parecesse ter sido pressionada.
Rebaixada a Petrobras, o governo (mas não a Fazenda) revelou a gestão malsucedida.
Pode ter sido pura incompetência, ou um lance de fritura de Levy.
PERIGO
Se fossem poucos os problemas do comissariado, apareceu um novo. A possibilidade de que surjam novos fatos documentados sobre as petrorroubalheiras, vindos dos Estados Unidos, onde pelo menos duas agências investigam a Petrobras.
Se isso acontecer, é certo que renascerá a tese dos "inimigos externos". Será falsa; o governo americano zela pela saúde de seu mercado de ações, onde papéis da empresa são negociadas na Bolsa.
Funcionários da Securities and Exchange Commission já estiveram no Brasil.
Em Pindorama, essa função é da Comissão de Valores Mobiliários, com quem diretores da Petrobras fizeram pelo menos sete acordos. Como diria o comissário Luís Inácio Adams, essa é um "especificidade" do Brasil.
SUGESTÃO
A CPI da Petrobras poderia funcionar em Curitiba.
Lá ela ficaria mais perto das duas pontas da questão: do juiz Sergio Moro e da carceragem.
COTA DO PMDB
Na roda de fogo para segurar a votação da PEC da Bengala, chegou a um comissário do Planalto uma estranha proposta.
Aprovada, a emenda bloquearia a nomeação de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal que irão para as vagas dos titulares que completarão 70 anos durante o mandato da doutora. O PMDB seguraria a PEC se ganhasse uma cota, influenciando a escolha de dois dos novos ministros.
O JUIZ DO PORCHE
O juiz Flávio Roberto de Souza foi afastado do caso de Eike Batista.
O Ministério Público bem que poderia sugerir uma medida que desse alegria à cidade. Deveriam obrigá-lo a circular durante uma semana, pela orla, no Porsche do ex-bilionário.
Se bater em cachorro pode levar uma pessoa a correr o risco de ter que limpar canis a pedido da Promotoria, isso não seria absurdo.
URUCUBACA
O repórter Lauro Jardim informa: O doutor Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, tinha seu conforto garantido pelo bloqueio de um elevador do prédio da empresa sempre que fosse usá-lo.
Durante 11 anos ele dirigiu a poderosa subsidiária da Petrobras e caiu na rede das petrorroubalheiras. Ele pode até ser um santo, mas chamou uma urucubaca.
É dura a vida de magnata que bloqueia elevador.
Eike Batista está no chão. Edemar Cid Ferreira, Angelo Calmon de Sá e Theodoro Quartim Barbosa quebraram seus bancos e Richard Fuld destruiu a Lehman Brothers. Paulo Skaf valeu-se do mesmo privilégio como presidente da Fiesp apenas por algum tempo. Tomou uma surra na última eleição para o governo de São Paulo.
A TORTURA E O DOUTOR WADIH DAMOUS
Têm sido muitas as linhas de defesa do pessoal metido nas petrorroubalheiras. Uma delas revela o tamanho do cartel de mistificações que se pretende construir. Os presos de Curitiba estariam sendo submetidos a um tratamento humilhante e, o que é pior, a uma tortura. Muita gente boa gosta desse argumento. Nas palavras do doutor Wadih Damous, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil:
"Delação premiada não é pau de arara, mas é tortura."
Não é. Primeiro porque a tortura é crime, e a colaboração com a Viúva é um instrumento legal. Aceitando-se a essência retórica do doutor, prender uma pessoa para obter dela uma confissão seria uma forma de torturá-la. Nessa transposição, até o barulho da televisão do vizinho pode ser uma tortura. O uso da palavra com essa conotação adjetiva faria sentido na Suécia. No Brasil, país governado por uma senhora que na juventude passou pela experiência da tortura, a prestidigitação é ofensiva.
Uma observação de Dilma Rousseff a respeito da sua experiência deveria levar o doutor Wadih Damous a refletir:
"A pior coisa que tem na tortura é esperar. Esperar para apanhar."
Palmatórias, socos, pau de arara são sofrimentos terríveis, porém episódicos. Terminado o suplício, o preso volta para a cela e lá ele tem que esperar que o chamem de volta, "esperar para apanhar".
Os presos de Curitiba estão encarcerados e vivem numa situação de constrangimento legal. Chegaram a essa situação porque são acusados, com provas, de terem delinquido. Os que estão colaborando com a Viúva reconhecem isso.
São dois os tipos de pessoas que se incomodam com a colaboração dos acusados. Um grupo, pequeno, é composto por cidadãos que para isso são remunerados. Eles defendem as empreiteiras, todas as suas obras e todas as suas pompas. Outro grupo, bem maior, defende o comissariado petista. Numa trapaça da história, nele estão pessoas que sabem perfeitamente o que é tortura.
03 de março de 2015
Elio Gaspari, Folha de SP
Depois de ter distribuído dinheiro pelo mundo afora, a empresa alemã virou exemplo de lisura
A decisão do presidente e de um dos vice-presidentes da Camargo Corrêa de colaborar com a Viúva pode significar o início de um novo tempo nas relações de grandes empresas com o Estado. Se a empresa aderir, poderá se transformar numa Siemens.
Nada garante que isso vá acontecer, mas a multinacional alemã foi do inferno ao paraíso em poucos anos. Com 400 mil empregados em 190 países, ela corria o risco de ser declarada inidônea nos Estados Unidos e na Alemanha. Resolveu corrigir-se. Reconheceu que distribuiu US$ 1,4 bilhão em 65 países e abriu uma investigação interna. Foram analisados 127 milhões de documentos e descobertos novos malfeitos. A Siemens contratou Theo Waigel, ex-ministro da Economia da Alemanha, para uma posição de superombudsman. Ele visitou 20 países, reuniu-se com cerca de 1.500 pessoas e ficou com pouco tempo para outras atividades. De seu trabalho resultou que a empresa tem um novo lema: "A Siemens só faz negócios limpos". A faxina foi geral. No primeiro ano, o ombudsman fez mais de 100 recomendações, todas aceitas. No segundo, 40. No terceiro, apenas 10. Criou uma sistema de controle de denúncias. Para garanti-lo, apresentavam-se falsas reclamações, para ver se elas eram varridas para baixo do tapete.
Waigel concluiu seu trabalho garantindo que "não há risco sistêmico" quando se faz uma faxina. No Brasil, por exemplo, a Siemens colabora com as autoridades nas investigações sobre o cartel metroferroviário que operou em governos do tucanato paulista. Infelizmente, as autoridades ainda não colaboraram o suficiente para que o caso desse em alguma coisa.
FRITURA
A doutora Dilma encarregou o ministro Joaquim Levy de negociar com a agência Moody's para que a nota de crédito da Petrobras não fosse rebaixada. Ele tentou durante o Carnaval, quando esteve em Nova York, e novamente na segunda-feira passada. Deu água.
Negociações como essa são comuns. Às vezes dão certo, às vezes fracassam. Valem pelo segredo em que são mantidas, seja qual for o desfecho. Se Levy fosse bem-sucedido, o sigilo evitaria que a Moody's parecesse ter sido pressionada.
Rebaixada a Petrobras, o governo (mas não a Fazenda) revelou a gestão malsucedida.
Pode ter sido pura incompetência, ou um lance de fritura de Levy.
PERIGO
Se fossem poucos os problemas do comissariado, apareceu um novo. A possibilidade de que surjam novos fatos documentados sobre as petrorroubalheiras, vindos dos Estados Unidos, onde pelo menos duas agências investigam a Petrobras.
Se isso acontecer, é certo que renascerá a tese dos "inimigos externos". Será falsa; o governo americano zela pela saúde de seu mercado de ações, onde papéis da empresa são negociadas na Bolsa.
Funcionários da Securities and Exchange Commission já estiveram no Brasil.
Em Pindorama, essa função é da Comissão de Valores Mobiliários, com quem diretores da Petrobras fizeram pelo menos sete acordos. Como diria o comissário Luís Inácio Adams, essa é um "especificidade" do Brasil.
SUGESTÃO
A CPI da Petrobras poderia funcionar em Curitiba.
Lá ela ficaria mais perto das duas pontas da questão: do juiz Sergio Moro e da carceragem.
COTA DO PMDB
Na roda de fogo para segurar a votação da PEC da Bengala, chegou a um comissário do Planalto uma estranha proposta.
Aprovada, a emenda bloquearia a nomeação de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal que irão para as vagas dos titulares que completarão 70 anos durante o mandato da doutora. O PMDB seguraria a PEC se ganhasse uma cota, influenciando a escolha de dois dos novos ministros.
O JUIZ DO PORCHE
O juiz Flávio Roberto de Souza foi afastado do caso de Eike Batista.
O Ministério Público bem que poderia sugerir uma medida que desse alegria à cidade. Deveriam obrigá-lo a circular durante uma semana, pela orla, no Porsche do ex-bilionário.
Se bater em cachorro pode levar uma pessoa a correr o risco de ter que limpar canis a pedido da Promotoria, isso não seria absurdo.
URUCUBACA
O repórter Lauro Jardim informa: O doutor Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, tinha seu conforto garantido pelo bloqueio de um elevador do prédio da empresa sempre que fosse usá-lo.
Durante 11 anos ele dirigiu a poderosa subsidiária da Petrobras e caiu na rede das petrorroubalheiras. Ele pode até ser um santo, mas chamou uma urucubaca.
É dura a vida de magnata que bloqueia elevador.
Eike Batista está no chão. Edemar Cid Ferreira, Angelo Calmon de Sá e Theodoro Quartim Barbosa quebraram seus bancos e Richard Fuld destruiu a Lehman Brothers. Paulo Skaf valeu-se do mesmo privilégio como presidente da Fiesp apenas por algum tempo. Tomou uma surra na última eleição para o governo de São Paulo.
A TORTURA E O DOUTOR WADIH DAMOUS
Têm sido muitas as linhas de defesa do pessoal metido nas petrorroubalheiras. Uma delas revela o tamanho do cartel de mistificações que se pretende construir. Os presos de Curitiba estariam sendo submetidos a um tratamento humilhante e, o que é pior, a uma tortura. Muita gente boa gosta desse argumento. Nas palavras do doutor Wadih Damous, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil:
"Delação premiada não é pau de arara, mas é tortura."
Não é. Primeiro porque a tortura é crime, e a colaboração com a Viúva é um instrumento legal. Aceitando-se a essência retórica do doutor, prender uma pessoa para obter dela uma confissão seria uma forma de torturá-la. Nessa transposição, até o barulho da televisão do vizinho pode ser uma tortura. O uso da palavra com essa conotação adjetiva faria sentido na Suécia. No Brasil, país governado por uma senhora que na juventude passou pela experiência da tortura, a prestidigitação é ofensiva.
Uma observação de Dilma Rousseff a respeito da sua experiência deveria levar o doutor Wadih Damous a refletir:
"A pior coisa que tem na tortura é esperar. Esperar para apanhar."
Palmatórias, socos, pau de arara são sofrimentos terríveis, porém episódicos. Terminado o suplício, o preso volta para a cela e lá ele tem que esperar que o chamem de volta, "esperar para apanhar".
Os presos de Curitiba estão encarcerados e vivem numa situação de constrangimento legal. Chegaram a essa situação porque são acusados, com provas, de terem delinquido. Os que estão colaborando com a Viúva reconhecem isso.
São dois os tipos de pessoas que se incomodam com a colaboração dos acusados. Um grupo, pequeno, é composto por cidadãos que para isso são remunerados. Eles defendem as empreiteiras, todas as suas obras e todas as suas pompas. Outro grupo, bem maior, defende o comissariado petista. Numa trapaça da história, nele estão pessoas que sabem perfeitamente o que é tortura.
03 de março de 2015
Elio Gaspari, Folha de SP
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