No próxima sábado, o teólogo americano Joseph Atwill, especializado na Bíblia, deve apresentar, em um simpósio em Londres chamado Covert Messiah, a teoria de que o Novo Testamento foi um mito criado pelos romanos no século I. No que não vai nada de novo. Na década de 1790, os iluministas franceses Constantin-François Volney e Charles François Dupuis já aventavam a hipótese.
Quando falo do Cristo, não tenho a mínima idéia se existiu ou não. A ele me refiro como ao personagem de Cervantes. Sabemos que o Quixote é um ente de imaginação. Nem por isso deixamos de nos referir a seus feitos como se realmente tivesse existido. Com duas diferenças. Primeiro, o Quixote nunca pretendeu ter feito milagres. Segundo, de sua existência não decorre uma ética. Estamos no campo da literatura. Distinto é o caso das religiões, que têm mandamentos coercitivos. O Quixote jamais provocará uma guerra. Cristo já provocou muitas.
Há um hiato muito grande, de pelo menos quatro décadas, entre a morte de Cristo – ou suposta morte – e os primeiros relatos de sua vida. Ou suposta vida. Quanto mais leio, mais me convenço que foi criação dos evangelistas. O primeiro evangelho só surge após a segunda destruição do templo de Jerusalém pelo imperador romano Tito. Mais parece uma reação judia ao poder invasor que relato histórico.
Sem falar que Cristo mal tem biografia. Nasce e só volta a dar as caras aos doze anos durante a festa do Pessach, quando surpreende os doutores do Templo pela facilidade com que aprendia a doutrina e por suas perguntas intrigantes. Depois temos seu batismo e os quarenta dias no deserto, em tempo incerto e não sabido. Há um longo hiato até seus trinta anos, completamente em branco, como se um homem das dimensões do Cristo, naquela pequena geografia, pudesse ter passado despercebido. Durante andanças para lá e para cá, quando exerceu seu ministério, milagres e parábolas lhe são atribuídos. Ora, milagres não existem e parábolas podem ser atribuídas a qualquer um.
Segundo João, decorrem três Pessachs durante seu ministério, isto é, Cristo pregou por pelo menos dois anos e um mês, apesar de algumas interpretações sugerirem um período de apenas um ano. Sua história - a história que o torna célebre - de fato começa quando entrou em Jerusalém, em um domingo, para celebrar a Páscoa Judaica. Na sexta-feira seguinte já estava na cruz. Há depois 40 dias de andanças post-mortem, que só convencem quem crê em andanças após a morte.
Sem falar que, tendo morrido um deus, não se entende como os repórteres da época só foram noticiar o fato quarenta anos depois. Durante meus dias de Paris, tirei carbonos das cartas que enviei a amigos e amigas. Hoje, ao relê-las, 30 anos depois, já nem lembro quem eram as pessoas que nelas cito. Imagine então o que sobra na memória de fatos transcorridos quatro décadas atrás, em uma época em que as pessoas tinham vida bem mais curta e o registro escrito da História não era usual.
Atwill pretende ter reunido evidências conclusivas de que o Novo Testamento foi escrito por aristocratas romanos e que trata-se de questão de tempo até que sua teoria seja aceita. "Eu apresento meu trabalho com alguma ambivalência, porque não quero atingir diretamente nenhum cristão. Mas isso é importante pra nossa cultura. Cidadãos alertas precisam saber a verdade sobre nosso passado para que possamos entender como e porque governos criam falsas histórias e falsos deuses. Isso é feito, frequentemente, para obter uma ordem social que vai contra os interesses do povo comum".
Segundo o teólogo americano, a criação da história de Jesus teria sido uma estratégia política dos romanos para pacificar as investidas violentas dos judeus que viviam na Palestina naquela época. Os romanos esgotaram suas tentativas de conter a rebelião usando armas e teriam criado o mito de um líder judeu pacifista para inspirar o hábito de "dar a outra face" e encorajar os judeus a ceder a Cesar e pagar impostos a Roma.
Para Atwill, Cristo seria uma construção - uma colcha de retalhos - feita a partir de outras histórias. "Eu comecei a notar uma sequência de paralelos entre o Novo Testamento e o manuscrito A Guerra Judaica, de Flávio Josefo, e embora estudiosos cristãos tenham reconhecido por séculos que as profecias de Jesus parecem estar cheias das coisas que Josefo escreveu em seu manuscrito, eu enxerguei outras dúzias", disse.
Pode ser. Há bastante probabilidades de Atwell ter razão. Isto explica melhor o fenômeno do cristianismo do que as histórias fantasiosas e incongruentes dos Evangelhos. Sabe-se que os supostos autores dos Evangelhos são isso mesmo, supostos autores. Alguém criou os relatos, que foram atribuídos a pessoas importantes da época.
Daí a provar que não existiu, me parece que vai uma longa distância. Ao comentar os Evangelhos, escrevo como se Cristo realmente tivesse existido. Parto do que está escrito, sem confiar muito no que os textos afirmam sobre sua existência. Tendo a crer que os verdadeiros autores dos Evangelhos foram exímios ficcionistas. Se existiu, era mais um desses judeus místicos que crêem em um deus que não existe.
Atwill não acha que sua descoberta seja o início do fim do cristianismo, mas pode ajudar aqueles que tenham sido oprimidos pela religião de alguma forma. "Até hoje, por exemplo, o cristianismo é usado nos EUA para criar apoio à guerra no Oriente Médio", exemplificou.
Seja como for, tenha existido ou não, Cristo existe para milhões de pessoas. Se era mito, o mito virou carne. Então, para efeitos de raciocínio, pode-se partir da suposição de que tenha existido.
16 de outubro de 2013
janer cristaldo
Quando falo do Cristo, não tenho a mínima idéia se existiu ou não. A ele me refiro como ao personagem de Cervantes. Sabemos que o Quixote é um ente de imaginação. Nem por isso deixamos de nos referir a seus feitos como se realmente tivesse existido. Com duas diferenças. Primeiro, o Quixote nunca pretendeu ter feito milagres. Segundo, de sua existência não decorre uma ética. Estamos no campo da literatura. Distinto é o caso das religiões, que têm mandamentos coercitivos. O Quixote jamais provocará uma guerra. Cristo já provocou muitas.
Há um hiato muito grande, de pelo menos quatro décadas, entre a morte de Cristo – ou suposta morte – e os primeiros relatos de sua vida. Ou suposta vida. Quanto mais leio, mais me convenço que foi criação dos evangelistas. O primeiro evangelho só surge após a segunda destruição do templo de Jerusalém pelo imperador romano Tito. Mais parece uma reação judia ao poder invasor que relato histórico.
Sem falar que Cristo mal tem biografia. Nasce e só volta a dar as caras aos doze anos durante a festa do Pessach, quando surpreende os doutores do Templo pela facilidade com que aprendia a doutrina e por suas perguntas intrigantes. Depois temos seu batismo e os quarenta dias no deserto, em tempo incerto e não sabido. Há um longo hiato até seus trinta anos, completamente em branco, como se um homem das dimensões do Cristo, naquela pequena geografia, pudesse ter passado despercebido. Durante andanças para lá e para cá, quando exerceu seu ministério, milagres e parábolas lhe são atribuídos. Ora, milagres não existem e parábolas podem ser atribuídas a qualquer um.
Segundo João, decorrem três Pessachs durante seu ministério, isto é, Cristo pregou por pelo menos dois anos e um mês, apesar de algumas interpretações sugerirem um período de apenas um ano. Sua história - a história que o torna célebre - de fato começa quando entrou em Jerusalém, em um domingo, para celebrar a Páscoa Judaica. Na sexta-feira seguinte já estava na cruz. Há depois 40 dias de andanças post-mortem, que só convencem quem crê em andanças após a morte.
Sem falar que, tendo morrido um deus, não se entende como os repórteres da época só foram noticiar o fato quarenta anos depois. Durante meus dias de Paris, tirei carbonos das cartas que enviei a amigos e amigas. Hoje, ao relê-las, 30 anos depois, já nem lembro quem eram as pessoas que nelas cito. Imagine então o que sobra na memória de fatos transcorridos quatro décadas atrás, em uma época em que as pessoas tinham vida bem mais curta e o registro escrito da História não era usual.
Atwill pretende ter reunido evidências conclusivas de que o Novo Testamento foi escrito por aristocratas romanos e que trata-se de questão de tempo até que sua teoria seja aceita. "Eu apresento meu trabalho com alguma ambivalência, porque não quero atingir diretamente nenhum cristão. Mas isso é importante pra nossa cultura. Cidadãos alertas precisam saber a verdade sobre nosso passado para que possamos entender como e porque governos criam falsas histórias e falsos deuses. Isso é feito, frequentemente, para obter uma ordem social que vai contra os interesses do povo comum".
Segundo o teólogo americano, a criação da história de Jesus teria sido uma estratégia política dos romanos para pacificar as investidas violentas dos judeus que viviam na Palestina naquela época. Os romanos esgotaram suas tentativas de conter a rebelião usando armas e teriam criado o mito de um líder judeu pacifista para inspirar o hábito de "dar a outra face" e encorajar os judeus a ceder a Cesar e pagar impostos a Roma.
Para Atwill, Cristo seria uma construção - uma colcha de retalhos - feita a partir de outras histórias. "Eu comecei a notar uma sequência de paralelos entre o Novo Testamento e o manuscrito A Guerra Judaica, de Flávio Josefo, e embora estudiosos cristãos tenham reconhecido por séculos que as profecias de Jesus parecem estar cheias das coisas que Josefo escreveu em seu manuscrito, eu enxerguei outras dúzias", disse.
Pode ser. Há bastante probabilidades de Atwell ter razão. Isto explica melhor o fenômeno do cristianismo do que as histórias fantasiosas e incongruentes dos Evangelhos. Sabe-se que os supostos autores dos Evangelhos são isso mesmo, supostos autores. Alguém criou os relatos, que foram atribuídos a pessoas importantes da época.
Daí a provar que não existiu, me parece que vai uma longa distância. Ao comentar os Evangelhos, escrevo como se Cristo realmente tivesse existido. Parto do que está escrito, sem confiar muito no que os textos afirmam sobre sua existência. Tendo a crer que os verdadeiros autores dos Evangelhos foram exímios ficcionistas. Se existiu, era mais um desses judeus místicos que crêem em um deus que não existe.
Atwill não acha que sua descoberta seja o início do fim do cristianismo, mas pode ajudar aqueles que tenham sido oprimidos pela religião de alguma forma. "Até hoje, por exemplo, o cristianismo é usado nos EUA para criar apoio à guerra no Oriente Médio", exemplificou.
Seja como for, tenha existido ou não, Cristo existe para milhões de pessoas. Se era mito, o mito virou carne. Então, para efeitos de raciocínio, pode-se partir da suposição de que tenha existido.
16 de outubro de 2013
janer cristaldo
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