A doutora Dilma entrou pela borda no debate da própria sucessão, mandando um recado às pessoas que pretendem ocupar sua cadeira: “Elas têm que estudar muito”.
É o velho discurso da competência. Quem está no governo desqualifica quem não está sob o argumento do eu-sei-do-que-estou-falando. Foi usado à exaustão para desqualificar um torneiro mecânico monoglota, mal relacionado com a gramática, cuja biblioteca cabia numa mochila escolar. É a ele que a doutora deve a presidência.
Todos os governos prometem coisas que não cumprem ou metem-se em projetos fracassados. Até aí, tudo bem. O que a doutora não precisa é recorrer à desqualificação como a lavanda mistificadora. Se é assim, conviria arrolar dois temas que os candidatos deveriam estudar. Tendo sido insuficiente o estudo da doutora, poderiam desatar os seguintes nós:
1) Trem-bala
Trata-se de um projeto que desde 2007 está debaixo da asa da então chefe do Gabinete Civil. Já torrou R$ 65 milhões em planos, leilões adiados e modelagens arquivadas. A primeira estatal a tratar do projeto foi a Valec. Seu presidente, Doutor Juquinha, deixou o cargo e passou pelo cárcere por conta de outros malfeitos.
2) Enem
Em 2009, quando o ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou a criação de um exame federal que substituiria o vestibular, o coração da iniciativa estava em oferecer aos jovens dois exames anuais. Isso acabaria com uma seleção selvagem que obriga um garoto de 18 anos a jogar um ano de sua vida numa manhã de prova. A cada ano a promessa foi descumprida e renovada, inclusive pela doutora Dilma.
Haddad foi ser poste em São Paulo, Lula elegeu-o prefeito e seu substituto, Aloizio Mercadante, disse que prefere fazer creches. Tem até o ano que vem para dizer quantas creches fez e explicar por que dois presidentes da República prometeram algo que não entregaram.
Nos dois casos, a questão é de estudo, mas quem não estudou foi a doutora. No do trem-bala, se tivesse estudado, não teria perfilhado a proposta da Valec, que era uma maluquice em estado puro. O trem-bala sairia do Rio e chegaria a São Paulo sem parar em lugar algum. Já no caso do Enem, deu-se o contrário. Prometeu-se algo factível, mas não se cumpriu por falta de estudo e, sobretudo, de trabalho.
A essa lista de incapacidades poderiam ser somados os leilões das concessões de portos, estradas e aeroportos. Isso para não falar da promiscuidade que resulta no financiamento público da medicina privada. Em todos os casos, paira sobre as nomeações para as agências reguladoras o espírito da porta giratória condenada pelo comissariado quando estava na oposição e estimulada quando chegou ao governo.
Desse jeito, a campanha pela reeleição da doutora pode ter um samba de Ismael Silva como fundo musical:
“Foi tanto bis que eu já não podia atender.
No entretanto, o que a plateia queria
era que eu cantasse, cantasse até aprender.”
16 de outubro de 2013
Elio Gaspari é jornalista.
O Globo
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