Desde que produziu o fato mais surpreendente desta temporada pré-eleitoral - ao filiar-se ao PSB depois de ver negado o pedido de registro da Rede Sustentabilidade, pela qual pretendia concorrer ao Planalto -, a ex-senadora Marina Silva passou a dominar o noticiário político. Ela não apenas eclipsou o governador pernambucano, Eduardo Campos, a quem procurou para formar uma "aliança programática" para a sucessão, como ainda ganhou espaço incomum com suas críticas à presidente Dilma Rousseff, a ponto de se tornar subitamente a voz de maior alcance da oposição. Ela diz o que o parceiro não pode dizer, porque até há bem pouco o seu partido fazia parte da coalizão governante. Na divisão do trabalho eleitoral entre eles, é possível que caiba a Marina, a provável companheira de chapa de Eduardo, a tarefa de bater na candidata a novo mandato.
Já não bastasse a aura de pureza que orna a sua imagem, em contraste com a dos costumeiros canastrões do poder, além da lembrança dos quase 20 milhões de votos colhidos em 2010, o seu desempenho na primeira pesquisa depois da migração para o PSB (conforme o Datafolha, Marina só perde para Dilma nos cenários que incluem o seu nome) decerto contribui para que os seus ataques à política propriamente dita, à política econômica e à política ambiental do governo obtenham uma ressonância que o presidenciável tucano Aécio Neves, por exemplo, só pode invejar. Ela não chega a ser propriamente original ao afirmar que "a ansiedade política do governo está fragilizando a economia" ao gerar "alguma negligência". Ou ao apontar a insustentável inflação de ministérios "para manter a base". Ou ainda, ao considerar que, especialmente na área ambiental, "a marca do governo é o retrocesso".
Mas parece haver um certo deslumbramento com os seus comentários, motivado por ser quem é a comentarista - se bem que, justiça se lhe faça, não lhe faltem momentos inspirados. Provocada a reagir à rombuda provocação de Dilma, para quem os seus competidores "têm de estudar muito e ver quais são os problemas do Brasil", Marina lembrou que foi alfabetizada aos 16 anos e valoriza aqueles que se dispõem a estudar, antes de fustigar os que acham que "já não têm mais o que aprender e só conseguem ensinar". Ela também foi feliz ao sugerir que a presidente "cumpriu o papel" de demonstrar que o atual modelo de governança, baseado no toma lá dá cá, "se esgotou, não tem mais para onde ir". Resta saber qual a diferença entre barganhar o apoio de um José Sarney ou um Renan Calheiros e ter entre os seus aliados, como é o caso de Eduardo Campos, um Severino Cavalcanti ou um Inocêncio Oliveira.
O melhor que ela conseguiu dizer a respeito foi que, por sua iniciativa, o governador "está reposicionando os esforços que vinha fazendo" e que, ao aceitar a nova parceria, ele lhe deu o sentido de "ressignificar" essa consciência. Talvez o "marinês" não baste para aplacar os companheiros radicais de Marina, os "sonháticos". Mas esse é problema dela. O problema de Dilma, se a ex-companheira de partido e Gabinete (no governo Lula) se concentrar em atacá-la, ficando com Eduardo a campanha chamada propositiva, será como enfrentar a atribulação com a qual não contava ao comemorar em surdina a decisão da Justiça Eleitoral contra o registro da Rede. Marina é uma adversária peculiar, o que dá às suas palavras, como se viu, um destaque inusitado desde a campanha anterior - e receptividade comparável junto a parcelas influentes do eleitorado metropolitano.
Dilma nem poderá ignorar as suas investidas nem tampouco partir para o revide, muito menos provocá-la. O episódio de Itajubá, a cidade mineira onde estava anteontem, quando se saiu com o rompante de mandar a concorrência estudar muito, pode lhe ensinar algo - se é que ela é capaz de aprender seja lá o que contrarie o seu temperamento belicoso. Isso porque o troco, ao menos o que a imprensa levou a público, não veio nem de Aécio nem de Eduardo. Se eles se manifestaram, ninguém sabe, ninguém viu. O que ficou para a crônica da sucessão foi a ironia de Marina sobre os que pensam que já sabem tudo. E o "retrocesso" com que, implacável, carimbou a gestão da presidente.
16 de outubro de 2013
Editorial do Estadão
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