Salvo provas em contrário, o governo aceitou passivamente, de forma vergonhosa, o papel de carcereiro do senador de oposição ao companheiro Evo Morales
Embora haja ainda muito a esclarecer sobre a história da retirada do senador boliviano Roger Pinto Molina do confinamento de 455 dias na embaixada em La Paz, pelo diplomata brasileiro Eduardo Saboia, o caso parece ser mais uma demonstração de como o profissionalismo outrora reconhecido do Itamaraty foi corroído por interesses partidários e simpatias lulopetistas pelo nacional-populismo bolivariano-chavista hegemômico na Bolívia.
A defenestração do chanceler Antonio Patriota é apenas parte do enredo. Dizendo-se surpreendido pelo desfecho da operação executada pelo encarregado de negócios da embaixada, Eduardo Saboia — filho do embaixador aposentado Gilberto Vergne Saboia, conhecido pela atuação na defesa dos direitos humanos —, não havia mesmo como o chanceler continuar no cargo. Sem ter conseguido se impor minimamente no ministério de Dilma, Patriota já não contava com a simpatia da centralizadora presidente, segundo se dizia há tempos.
Nas entrevistas seguras que concedeu depois de cruzar a fronteira em veículos diplomáticos, sob a segurança de fuzileiros navais brasileiros, o diplomata foi claro: já comunicara ao ministério que poderia tomar uma decisão de emergência por razões humanitárias, devido ao estado de saúde de Molina, obrigado a ficar num cubículo, sem pouco contato com o mundo exterior. Situação diferente de Julian Assange (Wikileaks), também forçado de forma abusiva pelo governo inglês a acampar na embaixada equatoriana em Londres, mas onde concede entrevistas e recebe visitas.
Até que desmentidos comprovados convençam do contrário, o governo Dilma, com o Itamaraty de agente, aceitou passivamente que o governo boliviano de Evo Morales não concedesse o salvo conduto ao senador de oposição, para vencê-lo por fadiga psicológica. A atual política externa brasileira assumiu o papel indecoroso de carcereiro, contra os princípios da diplomacia do velho Itamaraty. Foi traída uma política de Estado de sempre colocar o Brasil ao lado de boas causas do ponto de vista ético.
Mas a flexibilidade da espinha dorsal desta política externa de ocasião não parece ter limites. A Bolívia já expropriou refinaria da Petrobras sem um resmungo de Brasília, que também aceitou fazer parte de uma operação sibilina com a Argentina e Uruguai para trocar o velho aliado Paraguai pela Venezuela chavista no Mercosul.
O novo ministro, Luiz Alberto Figueiredo Machado, logo será testado, diante do provável pedido de extradição que a Bolívia encaminhará. O senador é acusado na Justiça de corrupção, mas a independência do Judiciário boliviano tem o valor de uma folha de coca ao sopé dos Andes. Valerá para Pinto Molina o que valeu para o esquerdista italiano Cesare Battisti, condenado na Itália por homicídio, mas acolhido pelo PT, ou não?
28 de agosto de 2013
Editorial de O Globo
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