O presidente Michel Temer é mero peão no xadrez dos bastidores do poder, que assumiu o comando do país encarregado de cumprir três principais missões em nome da “plutocracia”: garantir a saúde da relação dívida/PIB, remodelar a posição do Brasil no sistema político e econômico internacional e permitir participação estrangeira na exploração do petróleo nacional. Essa é a leitura que faz Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à sucessão de 2018. Ele acredita que o atual presidente não terá condições de encerrar o mandato, e teme os efeitos da anarquia na política nacional.
Tido como um dos poucos possíveis candidatos da esquerda no próximo pleito presidencial que se dedicam ao debate econômico, o ex-ministro defende a necessidade de se adotar medidas anticíclicas e uma política monetária frouxa para a recuperação da economia nacional e que somente a volta do crescimento provocará um alívio nas receitas e o reequilíbrio fiscal. Preocupado com o nível de endividamento das empresas e o estado de paralisia nacional, ele acusa o atual governo de contribuir para a manutenção do quadro depressivo. E reafirma que não há rombo na Previdência Social.
Confira os destaques da entrevista concedida ao InfoMoney:
O senhor defende que não há rombo na Previdência. As estimativas de que o déficit do INSS vai superar os R$ 180 bilhões em 2017 estão erradas?Todas as vezes em que se reflete sobre um problema complexo no Brasil, os oportunistas a serviço dos interesses prevalecentes acabam reduzindo opiniões que deveriam ser complexas. A grande questão hoje é que, se você tem as receitas destinadas pela lei versus as despesas para a Previdência, não há déficit. Se somarmos CSLL, PIS, Cofins, as contribuições patronais do setor privado e público e as contribuições dos trabalhadores, contra as despesas do presente exercício, temos ainda um pequeno superávit. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de decência e não esteja a serviço da manipulação de informações vê isso. Eles têm a audácia de falar em déficit, porque propõem uma DRU [Desvinculação de Receitas da União], que capta 30% de todas essas receitas e aloca para pagar os serviços da dívida, com a maior taxa de juros do mundo, no momento da pior depressão da história do Brasil.
Então, qual é o problema da Previdência?A Previdência Social tem dois problemas. Um é estrutural, derivado de uma mudança da demografia. Tínhamos seis pessoas ocupadas para cada aposentado quando o sistema foi montado, com expectativa de vida de 60 anos. Hoje, temos 1,7 trabalhador ocupado por aposentado, para expectativa de vida superior a 73 anos. Para resolver estrategicamente a equação de poupança e formação bruta de capital do Brasil, precisamos avançar com prioridade em uma reforma, mas nunca na direção que estão propondo. E aí vem o segundo problema: o futuro ou potencial déficit da previdência brasileira se dá pelas maiores pensões, dos maiores rendimentos, que levam mais da metade das despesas. Juízes, políticos, procuradores precocemente aposentados e com pensões acima de qualquer padrão de controle do país. Isso é uma aberração. A maior punição a um juiz ladrão que vende uma sentença no Brasil é a aposentadoria compulsória com 100% de seus proventos.
E o que fazer para resolver o problema?
O superávit vai sumir em dois ou três anos. Temos que evoluir do regime de repartição [em que as contribuições dos trabalhadores em atividade pagam os benefícios dos aposentados] para o de capitalização [em que cada trabalhador poupa para sua aposentadoria], que é o que todos os países do mundo fazem. E fazer uma espécie de transição, que é o mais complexo, mas há como fazer também, de maneira que, ao fim do processo, tenhamos uma previdência básica para 100% da população da transição, e a previdência complementar pública, porém sob controle de coletivos de trabalhadores e com regramentos de governança corporativa, com prêmios para um grupo de executivos recrutados por concurso e com coletivos de apuração dos riscos dos investimentos.
O superávit vai sumir em dois ou três anos. Temos que evoluir do regime de repartição [em que as contribuições dos trabalhadores em atividade pagam os benefícios dos aposentados] para o de capitalização [em que cada trabalhador poupa para sua aposentadoria], que é o que todos os países do mundo fazem. E fazer uma espécie de transição, que é o mais complexo, mas há como fazer também, de maneira que, ao fim do processo, tenhamos uma previdência básica para 100% da população da transição, e a previdência complementar pública, porém sob controle de coletivos de trabalhadores e com regramentos de governança corporativa, com prêmios para um grupo de executivos recrutados por concurso e com coletivos de apuração dos riscos dos investimentos.
Qual é sua avaliação sobre a fixação de uma idade mínima para aposentadoria?Sou a favor, desde que se compreenda as diferenças do país. Considero uma aberração estabelecer uma idade mínima igual para um trabalhador engravatado, como eu, e um professor, que, no modo como Temer vê as coisas, precisaria trabalhar ao menos 49 anos para ter aposentadoria integral. A expectativa de vida no semiárido do Nordeste, por exemplo, não chega a 62 anos. Um carvoeiro do interior do Pará também não. É preciso evoluir para um padrão que conheça o País. Há de se estabelecer uma idade mínima, mas não pode ser por um modo autoritário e elitista, ditado pelos setores privilegiados da sociedade.
Há economistas que, assim como o senhor tem feito nessa discussão da reforma da Previdência, questionam os atuais termos do debate. Qual deveria ser a agenda econômica atual na sua avaliação, levando-se em consideração a força do governo e do mercado em conduzir as discussões?O setor financeiro está produzindo uma crise para si próprio, com a proporção dívida/PIB indo de 75% para 90% no ano que começou. É tão estúpido o modelo feito com [Henrique] Meirelles que agora estão produzindo o próximo ciclo de crise. É uma crise do setor bancário, cujas sementes estão dadas. Já são a maior inadimplência e o maior volume de reserva de crédito para recuperação duvidosa da história, e eles estão querendo compensar os prejuízos com a taxa de juros real, que simplesmente está fazendo despencar a receita pública. Nos estados, já é caricata a situação de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e mais 14 estados por conta desse receituário absolutamente estúpido do ponto de vista técnico. Temos que inverter essa ideia boba de ganhos de confiança, que vai se deteriorar todo dia muito mais. Confiança depende de números práticos, e o mais relevante deles é proporção dívida/PIB para o setor financeiro, mas para o setor produtivo é emprego, renda. Tudo isso está se deteriorando.
Então, o que fazer?O que tem que ser feito é o oposto do que essa gente está fazendo. Em todo momento de depressão econômica, até os mais conservadores sabem, é preciso que o governo aja de forma anticíclica para liberar uma dinâmica de retomada de desenvolvimento. E não é com farra fiscal, porque quem está produzindo desequilíbrio é a queda substantiva da receita. Basta ver que as despesas que estão aumentando são todas de iniciativa do senhor Michel Temer. A saber: reajuste das maiores corporações, a forma descuidada com que negociou a dívida dos estados e municípios. Enquanto isso, há uma porção de iniciativas semiprontas que eles estão descontinuando. Desencomendaram 17 navios da recém-retomada indústria naval brasileira e desempregaram 50 mil pessoas; descontinuaram as obras da Transnordestina, que tinha 7 mil homens trabalhando; descontinuaram as obras do Rio São Francisco, enquanto o Nordeste brasileiro amarga seu quinto ano de seca. Tem áreas importantes colapsando o abastecimento de água humano. Essa é a realidade do governo. (entrevista enviada por Carlos Cazé)
08 de janeiro de 2017
Deu no Infomoney
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