Vamos explicar e debater com os leitores uma importante e decisiva questão que levou a sessão do Senado, comandada pelo presidente do Supremo, a cometer aquele desastroso erro no julgamento final do Impeachment de Dilma Roussef. É uma questão simples, que salta aos olhos, mas que ninguém até hoje a levou em consideração, talvez por falta de atenção. Ou proposital desinteresse. O erro desastroso foi afastar definitivamente Dilma da presidência sem a complementação da pena do afastamento. Ou seja, sem impor a Dilma a inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, conforme expressamente determina o parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal.
Há quem diga – e são vozes abalizadas e respeitabilíssimas – que na ausência da complementação integral da pena (afastamento definitivo da presidência com a inabilitação prevista na CF), o veredicto estaria todo ele contaminado com vício de nulidade, havendo necessidade da sua repetição. Pode ser. Tudo pode ser e pode acontecer neste Brasil que ainda não se encontrou. Mas o tema aqui é outro. Falemos do erro.
PROCESSOS SEPARADOS – A Lei do Impeachment (nº 1079/50) prevê os crimes de responsabilidade e regula os respectivos processos de julgamento das seguintes autoridades do âmbito federal: Presidente da República e Ministros de Estado. E separadamente, Ministros do STF e Procurador-Geral da República. Só esses. Formas e ritos distintos e separados. No tocante ao Presidente da República e Ministros de Estado, a matéria é tratada do artigo 1º ao 38º. E no que diz respeito aos Ministros do STF e Procurador-Geral da República a matéria vai do artigo 39º ao 73º. E aí para. E daí não passa. Está na lei, separadamente.
Quanto ao julgamento do Presidente da República, diz o artigo 33 que no caso de condenação (e foi isso que aconteceu com Dilma), o Senado, por iniciativa do presidente (no caso, Lewandowski) fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública.
Esse dispositivo, porém, não foi recepcionado pela Constituição de 1988 por causa do parágrafo único do artigo 52 que agrega à condenação, e desta fazendo parte inseparável, a obrigatória inabilitação por oito anos. E não tendo sido recepcionado pela Carta de 88, abrogado (anulado, suprimido) está. Não prevalece mais. Deixou de existir aquele artigo 33 da Lei do Impeachment.
REDIGIR A SENTENÇA – O ministro Lewandowski, presidente da Suprema Corte e que presidiu a sessão, sabe disso. Portanto, tão logo o painel do Senado mostrou aqueles 61 votos pelo impeachment, o processo estava acabado.
Faltava apenas a mera formalidade de redigir a sentença, que Lewandowski deixou escapar ter redigido duas de antemão. Uma, no caso de absolvição. Outra, no de condenação. Tudo muito simples, fácil e rápido, portanto. Fez isso para ganhar tempo, uma vez que a sentença é peça indispensável e pode ser resumida.
A LAMBANÇA – Mas aconteceu o desastroso erro. Um senador, cujo nome não me recordo, levantou questão de ordem (como se aquela fosse uma sessão comum legislativa) para ler o artigo 68 e seu parágrafo único da Lei do Impeachment. E o senador leu:
“O julgamento será feito, em votação nominal pelos senadores desimpedidos que responderão “sim” ou “não” à seguinte pergunta enunciada pelo presidente: “Cometeu o acusado o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo? Parágrafo único – Se a resposta afirmativa obtiver, pelo menos, dois terços dos votos dos senadores presentes, o presidente fará nova consulta ao plenário sobre o tempo, não excedente de cinco anos, durante o qual o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de qualquer função pública”.
ARTIGO ERRADO – Eis o erro. Eis a falha. Eis, digamos, a “lambança” que deu no que deu. Este artigo não se refere ao julgamento do Presidente da República, mas ao julgamento de Ministros do STF e do Procurador-Geral da República. Estão na lei, separadamente, destacadamente, os procedimentos e as formalidades a serem seguidas na sessão final de julgamento, tanto para os dois primeiros (Presidente da República e Ministros de Estado), quanto para os dois seguintes (Ministros do STF e Procurador-Geral da República).
Será que Lewandoski esqueceu disso? E foi por ter esquecido que aceitou o destaque levantado pelo senador e permitiu nova rodada de votação para fixar o prazo de inabilitação? Que aliás não foi prazo algum.
A situação se tornou muito mais grave em afronta à Constituição. Sem poder e sem autorização constitucional, o Senado deu a Dilma um direito que o afastamento definitivo da presidência não lhe dá, mas dela retira, “ipso facto” (automaticamente) que é o de exercer qualquer função pública por oito anos.
AÇÕES NO STF – Sabe-se que mais de dez ações já foram apresentadas ao STF em defesa da legalidade constitucional, que foi cinicamente desrespeitada, sob a presidência de Lewandowski, presidente da Suprema Corte da Justiça brasileira. Aliás – e é bom dizer – qualquer cidadão brasileiro também pode dar entrada na Justiça Federal de primeira instância na localidade onde o cidadão reside, com uma Ação Popular contra a decisão do Senado e em defesa da moralidade administrativa.
Sim, porque imoralidade maior do que esta ocorrida na sessão final do julgamento de Dilma jamais aconteceu na história juridico-política do país. Foi vergonhoso. E continua vergonhoso. Mas o perigo está no que pedir à Justiça, sejam aquelas ações já entregues ao STF, seja a Ação Popular ao alcance de qualquer cidadão que nem precisa pagar custas para dar entrada na Justiça Federal da localidade on mora.
Pedir que a Justiça anule a decisão do Senado que não inabilitou Dilma por oito anos para exercer função pública e, em conseqüência, aplique à ex-presidente a complementação da pena? Sei não. Talvez decisão desse teor esteja subtraindo uma instância, um poder político-administrativo que somente ao Senado compete exercer. Que confusão! Que desafio!
08 de setembro de 2016
Jorge Béja
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