Respeito à teoria econômica é lição a tirar nestes 10 anos de coluna
São DEZ anos como colunista da Folha. Por termos dez dedos nas mãos, a data motivou uma visita ao que foi escrito no período, cerca de 220 mil palavras distribuídas ao longo de quase 650 páginas. Muita coisa, boa parte dela irremediavelmente datada, presa a debates que faziam muito sentido à época, mas, lidas hoje, não parecem ter relevância para entender o momento do país.
Algumas colunas, contudo, se não proféticas, ao menos servem para indicar que vários dos problemas que agora enfrentamos, da questão fiscal à inflação, passando pelo infindável debate sobre a taxa de câmbio, assim como a notável ineficiência microeconômica do país, não representam novidade nenhuma. Pelo contrário: eram nós a serem desatados já em 2006 e continuam a sê-lo em 2016, constatação triste para um país condenado à reforma.
Sintomaticamente, minha primeira coluna neste espaço tinha por título "Ajuste fiscal ou morte!", e desenvolvimentos posteriores deixam claro que optamos pela segunda alternativa. Na mesma linha, as dívidas estaduais e as contínuas tentativas (agora exitosas) dos Estados no sentido de obter favores do governo federal foram objeto de análise algumas vezes, todas alertando para os riscos de soltar as rédeas das finanças locais, o que também acabou se materializando.
Há ainda um conjunto de artigos explorando a frouxidão e a subserviência do Banco Central no período Alexandre Pombini, advertindo de forma muito clara que a contrapartida da posição servil do BC seria a inflação persistentemente acima da meta.
Erros ocorreram e não foram poucos (deixo aos interessados a tarefa de garimpá-los); ouso, porém, dizer que os acertos foram mais comuns ao longo destes dez anos. Não houve mágica, apenas a disposição de encarar a teoria econômica como um instrumento útil para interpretar tanto a realidade como as decisões de política econômica, que, na imensa maioria dos casos, se mostraram mais equivocadas do que corretas.
Concretamente, não era difícil concluir que o arranjo da Nova Matriz Econômica, pobre órfã, iria dar com os burros n'água. Bastava saber, como ensinado em qualquer curso decente de macroeconomia, que estímulos à demanda no contexto de uma economia operando próxima ao pleno emprego iriam se traduzir em inflação elevada e desequilíbrios externos.
A teoria econômica, assim como a história, também nos havia ensinado os efeitos de controles de preços, seja a perda de eficiência a eles associada, seja a inevitável explosão que se segue a um período de congelamento, tanto maior quanto mais extenso o intervalo de tempo.
Não havia, por fim, como escapar da conclusão de que desequilíbrios fiscais persistentes teriam consequências particularmente danosas para o país. Não era necessária clarividência: apenas conhecimento da nossa história, bem como a de outros países que haviam passado por processos semelhantes.
Se resta, assim, uma lição a tirar dos últimos dez anos, é que a boa teoria, aliada ao respeito pelos dados, é imprescindível à análise econômica e, mais importante, à formulação de política. Não tivesse sido abandonada com enorme sem-cerimônia, provavelmente estaríamos em situação bem melhor do que nos encontramos.
E eu teria de achar outros assuntos.
Obrigado pelos dez anos; que venham outros tantos.
08 de setembro de 2016
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
São DEZ anos como colunista da Folha. Por termos dez dedos nas mãos, a data motivou uma visita ao que foi escrito no período, cerca de 220 mil palavras distribuídas ao longo de quase 650 páginas. Muita coisa, boa parte dela irremediavelmente datada, presa a debates que faziam muito sentido à época, mas, lidas hoje, não parecem ter relevância para entender o momento do país.
Algumas colunas, contudo, se não proféticas, ao menos servem para indicar que vários dos problemas que agora enfrentamos, da questão fiscal à inflação, passando pelo infindável debate sobre a taxa de câmbio, assim como a notável ineficiência microeconômica do país, não representam novidade nenhuma. Pelo contrário: eram nós a serem desatados já em 2006 e continuam a sê-lo em 2016, constatação triste para um país condenado à reforma.
Sintomaticamente, minha primeira coluna neste espaço tinha por título "Ajuste fiscal ou morte!", e desenvolvimentos posteriores deixam claro que optamos pela segunda alternativa. Na mesma linha, as dívidas estaduais e as contínuas tentativas (agora exitosas) dos Estados no sentido de obter favores do governo federal foram objeto de análise algumas vezes, todas alertando para os riscos de soltar as rédeas das finanças locais, o que também acabou se materializando.
Há ainda um conjunto de artigos explorando a frouxidão e a subserviência do Banco Central no período Alexandre Pombini, advertindo de forma muito clara que a contrapartida da posição servil do BC seria a inflação persistentemente acima da meta.
Erros ocorreram e não foram poucos (deixo aos interessados a tarefa de garimpá-los); ouso, porém, dizer que os acertos foram mais comuns ao longo destes dez anos. Não houve mágica, apenas a disposição de encarar a teoria econômica como um instrumento útil para interpretar tanto a realidade como as decisões de política econômica, que, na imensa maioria dos casos, se mostraram mais equivocadas do que corretas.
Concretamente, não era difícil concluir que o arranjo da Nova Matriz Econômica, pobre órfã, iria dar com os burros n'água. Bastava saber, como ensinado em qualquer curso decente de macroeconomia, que estímulos à demanda no contexto de uma economia operando próxima ao pleno emprego iriam se traduzir em inflação elevada e desequilíbrios externos.
A teoria econômica, assim como a história, também nos havia ensinado os efeitos de controles de preços, seja a perda de eficiência a eles associada, seja a inevitável explosão que se segue a um período de congelamento, tanto maior quanto mais extenso o intervalo de tempo.
Não havia, por fim, como escapar da conclusão de que desequilíbrios fiscais persistentes teriam consequências particularmente danosas para o país. Não era necessária clarividência: apenas conhecimento da nossa história, bem como a de outros países que haviam passado por processos semelhantes.
Se resta, assim, uma lição a tirar dos últimos dez anos, é que a boa teoria, aliada ao respeito pelos dados, é imprescindível à análise econômica e, mais importante, à formulação de política. Não tivesse sido abandonada com enorme sem-cerimônia, provavelmente estaríamos em situação bem melhor do que nos encontramos.
E eu teria de achar outros assuntos.
Obrigado pelos dez anos; que venham outros tantos.
08 de setembro de 2016
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
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