Se o governo de Michel Temer quiser fracassar, é fácil. O roteiro é: tirar qualquer direito de acesso ao FGTS em pleno mar de desemprego, dar novos aumentos ao topo do funcionalismo público, mandar mensagens ambíguas sobre o ajuste fiscal, adiar a reforma da Previdência e acreditar que a aprovação do teto para as despesas resolve todos os problemas fiscais.
Começando pelo mais perigoso: este jornal publicou no sábado que o governo pensa em mudar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para torná-lo de fato uma poupança de longo prazo. A questão é como fazer isso. Na equipe econômica, a explicação que se dá é que o Ministério da Fazenda vai abrir licitação para recolher opinião de especialistas que têm tratado do tema, para refletir sobre vantagens e desvantagens das propostas.
Isso não é hora nem tema de exercício acadêmico porque vai provocar muito ruído. Cada ideia enviada vai ser tratada como uma ameaça concreta e pode provocar aquilo que se tenta evitar, que é o excesso de rotatividade para se ter acesso ao fundo.
A ex-presidente Dilma acusou no plenário do Senado o governo Temer de querer impedir o acesso aos saques do FGTS. A resposta do Planalto foi uma miscelânea de negativas que não dava a devida ênfase à acusação mais grave. Qualquer movimento do governo Temer nessa área será entendido como a confirmação da acusação de Dilma e vai alimentar mais reação contra um governo que já não é popular. O governo Temer será ferido de morte se criar obstáculo ao acesso ao FGTS.
Com o Fundo, o único caminho é ampliar direitos e não diminuir. Direito de portabilidade e de maior remuneração. O detentor da poupança deve ter a liberdade de decidir em que banco seu dinheiro ficará aplicado, para que assim possa negociar uma rentabilidade mais alta do que os atuais TR mais 3%. Se for isso, e só isso, que seja explicado de forma bem clara. Não se aceitam ambiguidades e disse-me-disse quando o assunto é a poupança das pessoas. Em outros países em que existe poupança compulsória no estilo do FGTS não há um monopólio de banco público como gestor do dinheiro, como é a Caixa Econômica no Brasil, nem uma limitação da remuneração abaixo da inflação. Hoje o cotista do Fundo é sub-remunerado, e o dinheiro dele serve para subsidiar empresas. É um Robin Hood às avessas. O único caminho de mudar é o de aumentar direitos, e não tirar, de garantir maior remuneração para o capital do trabalhador.
A reforma da Previdência é um tema árido, mas necessário. Há fortes argumentos para defendê-la. A reação contra ela existe, mas o governo deve travar a batalha de mostrar que não podemos deixar tudo como está quando os benefícios previdenciários consomem 55% das receitas em um sistema que tem privilégios e aposentados precoces. O presidente já havia me adiantado que mandaria a reforma antes das eleições, mas a pressão da base é grande para que ela fique para depois. O adiamento seria a repetição do truque de deixar a má notícia para o fechamento das urnas. Será que alguns governistas não entenderam o caso recente? Dilma Rousseff deixou para depois das eleições o tarifaço de energia, o aumento da gasolina, e escondeu o rombo fiscal fazendo empréstimos em bancos públicos. Hoje ela é ex-presidente.
Este governo recebeu uma herança pesada na área econômica e terá muita dificuldade de tirar o país da crise. A situação é grave. Um dos erros que já cometeu foi o de ceder tão completamente às exigências do funcionalismo público e aprovar aumentos que contrariam a lógica. Uma pessoa no início da carreira de defensor público ganhará 85% do que recebe a pessoa que está no topo da carreira. Não é assim em lugar algum do mundo. É difícil consertar isso, mas o caminho fácil de ir aprovando os reajustes com medo das greves vai inviabilizar as contas públicas federais. O reajuste para os ministros do STF, se for concedido, vai acabar de quebrar os estados.
O teto para as despesas públicas é um dos projetos para deter o aumento constante dos gastos acima da inflação, mas não é a panaceia. Não há o remédio universal para uma situação tão difícil quanto a brasileira. Quem subestimar essa crise será derrotado por ela.
08 de setembro de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Começando pelo mais perigoso: este jornal publicou no sábado que o governo pensa em mudar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para torná-lo de fato uma poupança de longo prazo. A questão é como fazer isso. Na equipe econômica, a explicação que se dá é que o Ministério da Fazenda vai abrir licitação para recolher opinião de especialistas que têm tratado do tema, para refletir sobre vantagens e desvantagens das propostas.
Isso não é hora nem tema de exercício acadêmico porque vai provocar muito ruído. Cada ideia enviada vai ser tratada como uma ameaça concreta e pode provocar aquilo que se tenta evitar, que é o excesso de rotatividade para se ter acesso ao fundo.
A ex-presidente Dilma acusou no plenário do Senado o governo Temer de querer impedir o acesso aos saques do FGTS. A resposta do Planalto foi uma miscelânea de negativas que não dava a devida ênfase à acusação mais grave. Qualquer movimento do governo Temer nessa área será entendido como a confirmação da acusação de Dilma e vai alimentar mais reação contra um governo que já não é popular. O governo Temer será ferido de morte se criar obstáculo ao acesso ao FGTS.
Com o Fundo, o único caminho é ampliar direitos e não diminuir. Direito de portabilidade e de maior remuneração. O detentor da poupança deve ter a liberdade de decidir em que banco seu dinheiro ficará aplicado, para que assim possa negociar uma rentabilidade mais alta do que os atuais TR mais 3%. Se for isso, e só isso, que seja explicado de forma bem clara. Não se aceitam ambiguidades e disse-me-disse quando o assunto é a poupança das pessoas. Em outros países em que existe poupança compulsória no estilo do FGTS não há um monopólio de banco público como gestor do dinheiro, como é a Caixa Econômica no Brasil, nem uma limitação da remuneração abaixo da inflação. Hoje o cotista do Fundo é sub-remunerado, e o dinheiro dele serve para subsidiar empresas. É um Robin Hood às avessas. O único caminho de mudar é o de aumentar direitos, e não tirar, de garantir maior remuneração para o capital do trabalhador.
A reforma da Previdência é um tema árido, mas necessário. Há fortes argumentos para defendê-la. A reação contra ela existe, mas o governo deve travar a batalha de mostrar que não podemos deixar tudo como está quando os benefícios previdenciários consomem 55% das receitas em um sistema que tem privilégios e aposentados precoces. O presidente já havia me adiantado que mandaria a reforma antes das eleições, mas a pressão da base é grande para que ela fique para depois. O adiamento seria a repetição do truque de deixar a má notícia para o fechamento das urnas. Será que alguns governistas não entenderam o caso recente? Dilma Rousseff deixou para depois das eleições o tarifaço de energia, o aumento da gasolina, e escondeu o rombo fiscal fazendo empréstimos em bancos públicos. Hoje ela é ex-presidente.
Este governo recebeu uma herança pesada na área econômica e terá muita dificuldade de tirar o país da crise. A situação é grave. Um dos erros que já cometeu foi o de ceder tão completamente às exigências do funcionalismo público e aprovar aumentos que contrariam a lógica. Uma pessoa no início da carreira de defensor público ganhará 85% do que recebe a pessoa que está no topo da carreira. Não é assim em lugar algum do mundo. É difícil consertar isso, mas o caminho fácil de ir aprovando os reajustes com medo das greves vai inviabilizar as contas públicas federais. O reajuste para os ministros do STF, se for concedido, vai acabar de quebrar os estados.
O teto para as despesas públicas é um dos projetos para deter o aumento constante dos gastos acima da inflação, mas não é a panaceia. Não há o remédio universal para uma situação tão difícil quanto a brasileira. Quem subestimar essa crise será derrotado por ela.
08 de setembro de 2016
Miriam Leitão, O Globo
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