Medina Osório diz que o Senado tem o direito de “errar por último” |
O fatiamento da votação do impeachment de Dilma Rousseff é irreversível e não deve ser revisto pelo Supremo Tribunal Federal, segundo o advogado-geral da União, Fábio Medina Osório. Em entrevista à Folha, ele afirma que a solução do Senado de cassar o mandato da petista mas manter seu direito de exercer funções públicas “envolve o mérito” do julgamento e, portanto, não pode ser apreciada pela corte. “O impeachment é página virada e não deve ser remexido pelo STF”, diz.
Sob artilharia nos bastidores de seu padrinho político, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), e entre boatos de que será demitido numa eventual reforma, Osório diz que quem espera “estabilidade” no cargo está “equivocado”.
Qual é balanço do governo em relação ao impeachment?O que o presidente Michel Temer nos passou é de um processo que mostra que o Brasil é uma democracia sólida, em que as instituições funcionaram com legitimidade.
O senhor concorda com o fatiamento da votação?Como jurista, talvez não fosse a solução mais acertada. Porém, do ponto de vista da legitimidade do Senado, me parece uma solução que não deverá ser revista pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, uma solução irreversível. Como é uma matéria jurisdicional de competência do Senado, o Senado tem o direito, em tese, de errar por último. O impeachment é página virada e não deve ser remexido pelo STF.
O senhor acha que o fatiamento foi inconstitucional?O Senado era quem tinha a palavra final sobre esse julgamento quanto ao mérito e o mérito envolvia também essa questão do fatiamento, portanto, entendo que isso não deve mais ser revisto. Temos que olhar para o futuro e pacificar esse assunto.
Mas a defesa de Dilma recorreu do resultado ao STF, enquanto alguns partidos da base de Temer entraram com ações na corte para questionar o fatiamento da votação.Se olharmos a jurisprudência do STF quanto à revisão do mérito dos julgamentos, eu diria que o Supremo não deve rever. Entendo que o fatiamento remete ao mérito do julgamento, já que foi debatido com senadores e pactuado dentro do Senado. Se violou ou não a Constituição, é uma matéria interna corporis e a tendência é não modificar.
O senhor achou justo a ex-presidente Dilma ter seu mandato cassado mas mantido direito de exercer funções públicas?Não me cabe fazer essa avaliação, que era de competência dos senadores.
Na sua avaliação, a decisão do Senado permite que Dilma dispute eleições?Sem dúvida. No momento em que tem mantidos os direitos políticos pelo Senado, ela é hoje uma figura que tem preservada a integridade de sua vida política.
Temer fez algum comentário sobre a manutenção dos direitos de Dilma de exercer funções públicas?Ele, como jurista e estadista, se mostrou respeitoso à vontade do Parlamento, até porque não era o governo que estava julgando. Não competia ao governo gostar ou não daquele julgamento.
Temer foi bastante enfático para combater a tese do golpe, enquanto Dilma prometeu uma oposição “incansável”. Como o governo vai se portar diante dessa oposição?Sempre fui um crítico contundente da tese de golpe, principalmente quanto veiculada por agentes públicos ou pelo próprio governo que estava no poder. Essa linha [de Temer] é muito correta. Não se pode aceitar qualquer resquício de discurso de que tenha havido golpe, porque o impeachment transcorreu dentro do Estado Democrático de Direito. A oposição amadurecerá e criará outro tipo de discurso para o enfrentamento político.
Em maio do ano passado, o senhor deu uma entrevista para o “Diário do Grande ABC” dizendo que o impeachment “não pode ser arbitrário”. “Do contrário”, afirmou, “pode se transformar em uma espécie de golpe”. Mudou de opinião?Na verdade, os fatos que foram veiculados na denúncia foram referentes ao mandato de Dilma de 2015, não anteriores ao mandato, o que seria uma arbitrariedade. Nesse sentido, o impeachment se revestiu de juridicidade.
Em agosto, o senhor pediu ao STF acesso a inquéritos da Lava Jato para embasar futuras ações de ressarcimento e improbidade administrativa contra políticos. Qual o objetivo dessa solicitação?Esse pedido foi deferido pelo ministro Teori Zavascki [relator da Lava Jato no STF] há pouco tempo. O presidente Temer pediu que se consolidasse uma AGU como advocacia de Estado, defendendo interesse público primário, então buscamos resgatar a AGU defensora do patrimônio público. Vamos acessar 12 inquéritos da Lava Jato que foram concluídos pela Polícia Federal.
O senhor está mirando alguém?Não. Só pedimos porque fomos provocados pela PF, que tem uma normativa interna, que aciona a AGU quando finaliza determinadas investigações que envolvem indícios de lesão ao patrimônio público federal para a adoção de medidas cabíveis.
Na semana passada, a holandesa SBM teve o acordo de leniência de mais de R$ 1 bilhão negado. O que aconteceu?O acordo não foi propriamente negado. No que toca à AGU, está plenamente firmado, assim como no que toca ao Ministério da Transparência. Ainda tem a parte do TCU (Tribunal de Contas da União), que está em andamento. Mas, no que diz respeito ao Ministério Público Federal, a 5a Câmara [que trata da homologação] fez algumas ponderações quanto à necessidade de carrear mais elementos para a investigação. Entendemos que hoje esse acordo poderia ser fechado inclusive sem o MPF e vai ser retomado com ou sem MPF.
O senhor tem dito que quer atuar na AGU de maneira “diferente”. O que significa?Esta AGU é distinta daquilo que foi a AGU de governos do PT, que tinha o advogado pessoal do governante.
Mas no governo passado a presidente Dilma estava sofrendo um processo, diferentemente de agora.Com todo o respeito que tenho pelo ex-ministro José Eduardo Cardozo [AGU] e pela ex-presidente Dilma, eu digo que são estilos diferentes de governar.
Há, nos bastidores, a notícia de que o seu comportamento tem desagradado ao presidente Temer e que o senhor estaria perto de ser demitido. Ele já garantiu sua permanência?O presidente Temer uma vez já fez muitos elogios à minha atuação. Penso que qualquer ministro que tenha a pretensão de ter estabilidade num cargo como esse tem uma visão completamente equivocada da natureza de sua função. Seria absurdo
08 de setembro de 2016
Marina Dias, Folha
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