Há alguns anos, o aplicativo Waze surgiu para nos propiciar algo melhor e mais completo do que um GPS convencional. Além dos mapas e direções para se sair do ponto X e se chegar ao Y, o recurso se baseia na interatividade entre os usuários.
No Waze, as rotas são configuradas levando-se em conta as informações em tempo real que são inseridas no sistema pelos seus milhares de usuários. Os usuários podem relatar acidentes, congestionamentos, barreiras policiais, radares escondidos, volume de tráfego, velocidade média da via, câmeras rastreadoras etc. Isso permite que o motorista preveja os pontos onde há maior congestionamento, os locais de acidentes, os bloqueios e os radares móveis.
E é por isso que o Waze é superior ao GPS tradicional: trata-se de um aplicativo baseado na interatividade voluntária e espontânea de seus usuários.
Ao solicitar um trajeto, o aplicativo reúne todas as informações alimentadas pelos usuários e traça a melhor rota para que o motorista economize seu tempo de viagem. Sendo melhor que um GPS, o Waze fornece rotas e atualizações de tráfego em tempo real.
Por seu lado, o próprio motorista também contribui com informações que encontra pelo caminho, seja uma árvore que caiu no chão, pista escorregadia ou uma blitz policial.
E aí começaram os problemas para o estado.
Como o estado não tolera inovações que solapem sua onipotência, ele agora quer acabar com o Waze. E tendo como base o onipresente Marco Civil da Internet.
Leia esta notícia, de 30 de agosto:
Comissão da Câmara dos Deputados aprova projeto para proibir Waze
A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (30/8) um projeto que pode atrapalhar o futuro do aplicativo de navegação em mapas Waze no Brasil: de autoria do deputado Major Fábio (PROS-PB) o projeto de lei nº 5596, de 2013, pretende proibir o uso de aplicativos e redes sociais que alertem motoristas sobre a ocorrência de blitze no trânsito.
O texto pretende alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), instituindo como infração o ato de conduzir veículo com dispositivo, aplicativo ou funcionalidade que identifique radares ou blitze pelo caminho. [...]
Além disso, o projeto de lei se apoia no Marco Civil da Internet para propor que redes sociais, como Facebook e Twitter, sejam obrigadas a retirar do ar postagens de usuários com alertas sobre esse tipo de ação da polícia em todo o Brasil, mediante ordem judicial. Em caso de descumprimento, as empresas que mantêm esses serviços e seus usuários teriam de pagar multa de R$ 50 mil.
A partir da aprovação na comissão de tecnologia, o projeto segue para a Comissão de Viação e Transportes (CVT) e para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Para Francisco Brito Cruz, diretor do instituto de pesquisa de direito digital Internet Lab, a aprovação do projeto na Comissão foi uma surpresa. "Nenhum dos dados apresentados na audiência pública foi levado em conta no projeto de lei", disse o pesquisador, que participou do debate sobre a proposta.
Para ele, "a preocupação com as blitz não será resolvida com bloqueio do Waze", e a proibição desse tipo de aplicativo pode causar "prejuízos à inovação", além de impedir que as pessoas usem o Waze quando precisam pedir ajuda às autoridades policiais O especialista criticou ainda a forma como o debate sobre o assunto foi conduzido. Ele acredita que houve pouca participação do relator do projeto, Major Fábio.
O artigo a seguir é uma ode ao Waze e a tudo aquilo que ele representa.
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Foi só recentemente que comecei a utilizar o Waze em meu smartphone. O aplicativo existe desde 2012, mas, devido à lentidão com que me rendo às novas tecnologias, o Waze ainda era uma novidade para mim até algumas semanas atrás.
O Waze é um aplicativo de navegação que mostra o tráfego em tempo (quase) real, utilizando informações inseridas instantaneamente por usuários. Essencialmente, o aplicativo interliga usuários que estão em uma determinada área, permitindo que eles compartilhem, em tempo real, informações relacionadas a tudo que envolve o trânsito: de congestionamentos a acidentes, passando por objetos perigosos na pista e a localização de uma eventual blitz policial — esta, sem dúvida, sendo o maior perigo de todas.
Assim como o Google Maps, só de dirigir com o aplicativo Waze aberto em seu smartphone você já está enviando informações em tempo real sobre o trânsito, com todas as retenções, os congestionamentos e os perigos sendo captados pelo aplicativo. Você também pode ativamente relatar determinadas condições peculiares do trânsito, das ruas ou da estrada, corroborando o que outros usuários já relataram antes de você.
Por exemplo, se você vir uma árvore caída, você pode relatar que há um "objeto na via", e então, à medida que outros motoristas vão passando pelo local, eles podem verificar se a árvore ainda está lá ou não. Você pode fazer isso para objetos, buracos, animais, veículos parados na pista, acidentes, atropelamentos, obras, ausência de sinalização, meteorologia (nevoeiro, chuva de granizo, alagamento, gelo na pista), interdição e, é claro, para alertar aos outros motoristas que há policiais à espreita e ávidos para tomar seu dinheiro.
Com mais de 50 milhões de usuários ao redor do mundo, o Waze cobre uma multiplicidade de regiões e áreas, com um número de motoristas grande o bastante para fornecer relatos claros e atualizados sobre trânsito, perigos e, principalmente, rotas alternativas, que é a principal atratividade do aplicativo.
Só na cidade de São Paulo há mais de 1,5 milhão de usuários ativos. Na cidade do Rio, 500 mil. Quanto mais você contribui com relatos, e quanto mais os outros usuários confirmam tudo o que você já relatou, mais alta fica a sua classificação no ranking e mais peso seus relatos têm dentro da comunidade do Waze. Trata-se simplesmente de um índice de confiabilidade.
Existe também um aplicativo separado chamado "Waze Rider", no qual os usuários do Waze podem oferecer caronas para outras pessoas que fazem trajetos similares. O objetivo declarado é concorrer com a Uber.
Cooperação e a economia colaborativa
É por meio dessas particularidades do Waze que um fenômeno inerente às sociedades livres se manifesta por completo: a ordem espontânea.
Segundo o economista austríaco Friedrich Hayek:
O que na verdade constatamos em todas as sociedades livres é que, embora grupos de homens se unam em organizações para consecução de alguns fins específicos, a coordenação das atividades de todas essas várias organizações, bem como dos diversos indivíduos, é produzida pelas forças que favorecem uma ordem espontânea. A família, a propriedade rural, a fábrica, a pequena e a grande empresa e as diversas associações [...] são organizações que, por sua vez, estão integradas numa ordem espontânea mais abrangente.
Ou seja, a ordem espontânea é fruto da evolução da ação de vários atores da sociedade e se regula de maneira descentralizada e ao mesmo tempo coordenada.
Veja no caso do Waze: no momento em que o sistema processa as informações inseridas por um determinado usuário que está em uma determinada localidade, este usuário não tem a mais mínima ideia de para onde os outros usuários estão indo. O usuário simplesmente fornece informações, voluntária e espontaneamente, para que os outros usuários tracem suas rotas, mas ele não tem interesse em saber o destino final de nenhum outro usuário. Nenhum usuário sabe para onde outro usuário se desloca, mas mesmo assim eles se auxiliam reciprocamente atualizando informações que vão acrescentando ao longo do trajeto.
Com a utilização do aplicativo, outras informações são fornecidas e utilizadas pelos usuários que servem aos propósitos de cada um. A ordem espontânea que pode ser verificada no Waze é que o melhor itinerário não é conhecido a partir da maior quantidade de possibilidades de rota, mas sim das informações dispersas inseridas pelos indivíduos, as quais ajudam na elaboração do trajeto mais rápido. Essas informações dispersas também possibilitam aos motoristas encontrarem postos de combustível com preços mais atrativos na área onde se situam, por meio do recurso que permite a pesquisa de postos e preços listados pelos usuários do aplicativo.
Ainda segundo Hayek, "precisamos da descentralização porque somente ela poderá nos assegurar que o conhecimento de circunstâncias particulares de tempo e local serão prontamente utilizados".
Um aplicativo que reune todas as informações que seus usuários alimentam (intensidade de tráfego), e as devolve para a utilização na consecução do propósito de cada um deles (o destino escolhido), serve como exemplo de como este conhecimento pautado nas ações aparentemente desconectadas e alheias entre si pode ser produzido por uma vasta e interligada cooperação.
Por tudo isso, o aplicativo Waze realmente é a epítome da economia colaborativa na qual vivemos hoje. É também um grande exemplo de como os mercados unem as pessoas e as incentivam a cooperar e a trabalhar em conjunto para o bem de todos. Eis aí uma tecnologia pode poupar a você tempo e dinheiro, bem como permitir que você dirija com muito mais segurança — e tudo isso a custo zero, graças às pessoas que voluntariamente contribuem e ajudam.
Essa ordem espontânea é a onda do futuro, e são aplicativos como o Waze que trazem esse futuro para mais perto de nós.
Razões para sermos otimistas
Tudo isso mostra como é sensacional o mundo em que vivemos hoje. Com todas as notícias trágicas que nos são apresentadas diariamente, tendemos a nos esquecer de como o mundo está continuamente melhorando para todos. Mais ainda: em termos de riqueza, vivemos em uma época totalmente sem precedentes na história humana.
Se as pessoas — majoritariamente, políticos, burocratas, reguladores e intelectuais que lhes dão apoio — simplesmente refreassem suas propensões ditatoriais, parassem de querer controlar as ações dos outros indivíduos ao redor, e deixassem que o mercado — isto é, a livre interação entre as pessoas — reinasse supremo, vivenciaríamos um crescimento ainda mais inaudito na riqueza e na cooperação. Apenas deixem as pessoas criar e produzir livremente, e a melhora na qualidade de vida virá. E a custos cada vez menores.
Como nos mostra o Waze, o capitalismo e o individualismo não geram isolamento. Muito menos estimulam o "cada um por si". Muito pelo contrário. O que essas idéias estimulam é a interação e a cooperação com outros de uma maneira respeitosa à soberania individual: você mantém suas idéias em relação às coisas relacionadas a você próprio, e respeita as idéias de terceiros em relação às coisas que dizem respeito a eles próprios.
De várias maneiras, trabalhar em conjunto com terceiros trará resultados que são do seu interesse próprio. E tecnologias como Waze, Uber, Airbnb, Descola Aí, Cabe na Mala, Banca Clube, Ebay e várias outras nos permitem, da melhor maneira possível, usufruir a melhor característica do mercado: interagirmos com terceiros e nos beneficiarmos segundo nossos próprios interesses.
Por tudo isso, não podemos tolerar absolutamente nenhuma tentativa de intromissão do estado neste arranjo. Muito menos sua proibição.
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08 de setembro de 2016
André Mellagi é psicólogo e doutorando em Psicologia Social.
Ryan Miller é pós-graduado na Univesidade de Michigan e tradutor freelancer.
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