Há mais dúvidas do que se imaginava em relação ao início do governo Temer
Dia da Independência, feriado, teto furado? Transcorridos sete dias do impeachment de Dilma Rousseff e do impasse constitucional por ele criado, a votação fatiada do Artigo 52, há mais dúvidas do que se imaginava em relação ao início do governo Temer. A base aliada está rachada? Há problemas na articulação interna do PMDB? Por que Henrique Meirelles, depois de tanto propalar a importância da reforma da Previdência, disse que não há pressa? Quais os riscos para a proposta de emenda constitucional que prevê a criação do teto de gastos? Será o teto erguido com graves problemas de infiltração? Como as revelações de infiltrações abjetas nos principais fundos de pensão influenciará as perspectivas para a retomada do crescimento? A essa altura, já é possível imaginar escrever um artigo que contenha apenas perguntas.
Em meio à lista de intermináveis perguntas que o cenário pós-impeachment impôs, houve somente uma resposta. Ao contrário do que ainda pensam alguns analistas do mercado, o Banco Central não haverá de reduzir os juros tão cedo. Os 14,25% ao ano que aí estão, conosco permanecerão. O comunicado do Copom após a última decisão de política monetária – decisão tomada no dia fatídico de Dilma, e, portanto, por esse evento ofuscada – com a ata da reunião recém-divulgada detalham todos os fatores condicionantes para que o BC inicie a tão almejada redução dos juros.
É preciso que: “a persistência dos efeitos do choque de alimentos na inflação seja limitada; os componentes do IPCA mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica indiquem desinflação em velocidade adequada; ocorra redução de incerteza sobre a aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia, incluindo a composição das medidas de ajuste fiscal, e seus respectivos impactos sobre a inflação”. Contudo, o documento ressalta que a alta dos preços dos alimentos persiste, que a velocidade do processo desinflacionário tem sido menor do que a desejada, que as projeções de inflação de curto prazo estão acima de níveis desejáveis.
O Copom também fez outra mudança importante em seu comunicado. Deixou de explicitar expectativas em relação às tendências futuras da inflação para enfocar os fatores econômicos que poderiam alterar suas decisões ao longo do tempo. Dito de outro modo, aquela história de falar em horizontes de convergência que a experiência recente mostrou jamais se confirmar cedeu ante o desgaste dessa estratégia e a necessidade de ser, de fato, mais eficaz explicar quais são os temas que fariam o Banco Central mudar de ideia em relação aos rumos futuros dos juros.
Vem em boa hora essa alteração na comunicação, ainda que sua tendência seja a de amarrar o Copom a determinados desfechos. O Copom diz que não, que seus fatores condicionantes não são nem necessários, nem suficientes para que comece a pensar na distensão da política monetária. Contudo, é difícil acreditar que farão cosquinha nas taxas de juros, caso as reformas necessárias não passem no Congresso, ou que demorem a passar.
Para quem achava que a primeira queda da Selic poderia vir em outubro ou novembro, o sonho acaba de ficar mais distante. O ministro da Fazenda já sinalizou que a reforma da Previdência haverá de demorar mais, para consternação de alguns membros da base aliada, notadamente para o PSDB. Além disso, há dúvidas ponderáveis sobre em que consistirá o teto para os gastos e sobre se, como disse-me recentemente Luiz Roberto Cunha, estará repleto de goteiras.
Caso venhamos a ter um teto para os gastos com goteiras, o que fará o Banco Central? Continuará a segurar os juros em 14,25% ao ano? Tomará a iniciativa de reduzi-los, reconhecendo que a economia brasileira já não aguenta taxas de juros, descontadas as expectativas de inflação, de 8,5% ao ano? Ao que transparece da ata, provavelmente não, embora devessem considerá-lo. Diante dos mais recentes descalabros políticos, o cenário mais provável é de que as incertezas perdurem. Incertezas que infiltram as paredes e o teto, tornando o País um verdadeiro espetáculo de mofo e degradação.
08 de setembro de 2016
Monica de Bolle
Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Estadão
Dia da Independência, feriado, teto furado? Transcorridos sete dias do impeachment de Dilma Rousseff e do impasse constitucional por ele criado, a votação fatiada do Artigo 52, há mais dúvidas do que se imaginava em relação ao início do governo Temer. A base aliada está rachada? Há problemas na articulação interna do PMDB? Por que Henrique Meirelles, depois de tanto propalar a importância da reforma da Previdência, disse que não há pressa? Quais os riscos para a proposta de emenda constitucional que prevê a criação do teto de gastos? Será o teto erguido com graves problemas de infiltração? Como as revelações de infiltrações abjetas nos principais fundos de pensão influenciará as perspectivas para a retomada do crescimento? A essa altura, já é possível imaginar escrever um artigo que contenha apenas perguntas.
Em meio à lista de intermináveis perguntas que o cenário pós-impeachment impôs, houve somente uma resposta. Ao contrário do que ainda pensam alguns analistas do mercado, o Banco Central não haverá de reduzir os juros tão cedo. Os 14,25% ao ano que aí estão, conosco permanecerão. O comunicado do Copom após a última decisão de política monetária – decisão tomada no dia fatídico de Dilma, e, portanto, por esse evento ofuscada – com a ata da reunião recém-divulgada detalham todos os fatores condicionantes para que o BC inicie a tão almejada redução dos juros.
É preciso que: “a persistência dos efeitos do choque de alimentos na inflação seja limitada; os componentes do IPCA mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica indiquem desinflação em velocidade adequada; ocorra redução de incerteza sobre a aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia, incluindo a composição das medidas de ajuste fiscal, e seus respectivos impactos sobre a inflação”. Contudo, o documento ressalta que a alta dos preços dos alimentos persiste, que a velocidade do processo desinflacionário tem sido menor do que a desejada, que as projeções de inflação de curto prazo estão acima de níveis desejáveis.
O Copom também fez outra mudança importante em seu comunicado. Deixou de explicitar expectativas em relação às tendências futuras da inflação para enfocar os fatores econômicos que poderiam alterar suas decisões ao longo do tempo. Dito de outro modo, aquela história de falar em horizontes de convergência que a experiência recente mostrou jamais se confirmar cedeu ante o desgaste dessa estratégia e a necessidade de ser, de fato, mais eficaz explicar quais são os temas que fariam o Banco Central mudar de ideia em relação aos rumos futuros dos juros.
Vem em boa hora essa alteração na comunicação, ainda que sua tendência seja a de amarrar o Copom a determinados desfechos. O Copom diz que não, que seus fatores condicionantes não são nem necessários, nem suficientes para que comece a pensar na distensão da política monetária. Contudo, é difícil acreditar que farão cosquinha nas taxas de juros, caso as reformas necessárias não passem no Congresso, ou que demorem a passar.
Para quem achava que a primeira queda da Selic poderia vir em outubro ou novembro, o sonho acaba de ficar mais distante. O ministro da Fazenda já sinalizou que a reforma da Previdência haverá de demorar mais, para consternação de alguns membros da base aliada, notadamente para o PSDB. Além disso, há dúvidas ponderáveis sobre em que consistirá o teto para os gastos e sobre se, como disse-me recentemente Luiz Roberto Cunha, estará repleto de goteiras.
Caso venhamos a ter um teto para os gastos com goteiras, o que fará o Banco Central? Continuará a segurar os juros em 14,25% ao ano? Tomará a iniciativa de reduzi-los, reconhecendo que a economia brasileira já não aguenta taxas de juros, descontadas as expectativas de inflação, de 8,5% ao ano? Ao que transparece da ata, provavelmente não, embora devessem considerá-lo. Diante dos mais recentes descalabros políticos, o cenário mais provável é de que as incertezas perdurem. Incertezas que infiltram as paredes e o teto, tornando o País um verdadeiro espetáculo de mofo e degradação.
08 de setembro de 2016
Monica de Bolle
Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Estadão
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