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Foi um choque saber que não era Tancredo Neves a tomar posse na presidência da República, na manhã de 15 de março de 1981. José Sarney o substituía, como vice-presidente, por razões de saúde do presidente eleito. Mesmo assim, estava marcada a data do fim do regime militar estabelecido a 31 de março de 1964.
Um interregno de 21 anos nas instituições democráticas vigentes, mesmo aos percalços e sobressaltos, desde novembro de 1945, com a queda do Estado Novo. Daquela vez, foram 19 anos sem ditadura. Agora, até hoje, são 33.
Nunca em nossa crônica republicana vivemos tanto tempo em liberdade, ainda que submetida aos variados insultos vindos das profundezas.
Há que manter fé na continuidade democrática, imperfeita e capenga, exposta a todo tipo de agressões, por enquanto capaz de resistir e de preservar os valores fundamentais do Estado de Direito. Mas é bom tomar cuidado. Essas considerações se fazem por conta de estarmos completando 50 anos do golpe militar e da evidência de que o país continua o mesmo ao longo de tanta turbulência.
Aqui repousa um alerta dos diabos. Quando Getulio Vargas e as forças armadas estupraram a Constituição de 1934, substituindo-a pela carta fascista de 1937, o trabalhador permaneceu trabalhando e os empresários, empresariando. A classe média deu de ombros ao que se passava ao seu redor. Quase todos entoavam loas ao poder estabelecido e levou muito tempo para despertar a consciência libertária nacional. Pois a partir do golpe militar de 1964 foi a mesma coisa.
Hoje, todo mundo foi da resistência, parece que a nação inteira pegou em armas contra os generais. Até indenizações aos montes foram pleiteadas e concedidas a quantos se credenciaram como heróis.
Mentira. Houve resistentes, é claro, inclusive alguns louquinhos que apelaram para a luta armada. Sofreram, mas não há como negar que a imensa maioria acomodou-se.
O que se passou nos porões da repressão não era apenas desconhecido, mas canhestramente ignorado pelo cidadão comum. Não dizia respeito à grande massa, acrescida daquele percentual de bajuladores e de interesseiros de todos os tempos, que hoje reivindicam honrarias por terem feito o que não fizeram.
Foi o desgaste da ditadura de 64 o grande responsável pela sua débâcle, exatamente como aconteceu com o regime de 37. Seria bom prestar atenção no processo do comportamento das massas. Mesmo quando Hitler invadiu a França, por cinco anos submetida à tirania nazista, a população acomodou-se.
Hoje, todo francês foi da resistência, mas seria bom pesquisar além do patriotismo de fachada. Guardadas as proporções, vale o mesmo para os 21 anos de regime castrense, vivido não apenas pelos militares, mas por imensa parcela da sociedade brasileira.
Essas correções diante de euforia demasiada fazem-se a respeito das previsões para o futuro. O importante é verificar que as instituições democráticas sobreviveram até agora, mas caso ameaças venham a adensar-se no horizonte, tanto faz se de um lado ou de outro, que ninguém se iluda: a maioria irá se acomodar. Tanto nas elites e nas massas, quanto na imprensa que as reflete, prevalecerá a máxima pronunciada pelo coronel Tamarindo, perto de ser trucidado pelos jagunços de Antônio Conselheiro: “em tempo de murici, cada um cuide de si”.
18 de janeiro de 2014
Carlos Chagas
Nunca em nossa crônica republicana vivemos tanto tempo em liberdade, ainda que submetida aos variados insultos vindos das profundezas.
Há que manter fé na continuidade democrática, imperfeita e capenga, exposta a todo tipo de agressões, por enquanto capaz de resistir e de preservar os valores fundamentais do Estado de Direito. Mas é bom tomar cuidado. Essas considerações se fazem por conta de estarmos completando 50 anos do golpe militar e da evidência de que o país continua o mesmo ao longo de tanta turbulência.
Aqui repousa um alerta dos diabos. Quando Getulio Vargas e as forças armadas estupraram a Constituição de 1934, substituindo-a pela carta fascista de 1937, o trabalhador permaneceu trabalhando e os empresários, empresariando. A classe média deu de ombros ao que se passava ao seu redor. Quase todos entoavam loas ao poder estabelecido e levou muito tempo para despertar a consciência libertária nacional. Pois a partir do golpe militar de 1964 foi a mesma coisa.
Hoje, todo mundo foi da resistência, parece que a nação inteira pegou em armas contra os generais. Até indenizações aos montes foram pleiteadas e concedidas a quantos se credenciaram como heróis.
Mentira. Houve resistentes, é claro, inclusive alguns louquinhos que apelaram para a luta armada. Sofreram, mas não há como negar que a imensa maioria acomodou-se.
O que se passou nos porões da repressão não era apenas desconhecido, mas canhestramente ignorado pelo cidadão comum. Não dizia respeito à grande massa, acrescida daquele percentual de bajuladores e de interesseiros de todos os tempos, que hoje reivindicam honrarias por terem feito o que não fizeram.
Foi o desgaste da ditadura de 64 o grande responsável pela sua débâcle, exatamente como aconteceu com o regime de 37. Seria bom prestar atenção no processo do comportamento das massas. Mesmo quando Hitler invadiu a França, por cinco anos submetida à tirania nazista, a população acomodou-se.
Hoje, todo francês foi da resistência, mas seria bom pesquisar além do patriotismo de fachada. Guardadas as proporções, vale o mesmo para os 21 anos de regime castrense, vivido não apenas pelos militares, mas por imensa parcela da sociedade brasileira.
Essas correções diante de euforia demasiada fazem-se a respeito das previsões para o futuro. O importante é verificar que as instituições democráticas sobreviveram até agora, mas caso ameaças venham a adensar-se no horizonte, tanto faz se de um lado ou de outro, que ninguém se iluda: a maioria irá se acomodar. Tanto nas elites e nas massas, quanto na imprensa que as reflete, prevalecerá a máxima pronunciada pelo coronel Tamarindo, perto de ser trucidado pelos jagunços de Antônio Conselheiro: “em tempo de murici, cada um cuide de si”.
18 de janeiro de 2014
Carlos Chagas
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