"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 18 de janeiro de 2014

EM TEMPO DE MURICI, CADA UM CUIDE DE SI


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Foi um choque saber que não era Tancredo Neves a tomar posse na presidência da República, na manhã de 15 de março de 1981. José Sarney o substituía, como vice-presidente, por razões de saúde do presidente eleito.  Mesmo assim, estava marcada a data do fim do regime militar estabelecido a 31 de março de 1964.
 
Um interregno de 21 anos nas instituições democráticas vigentes,  mesmo aos percalços e sobressaltos, desde novembro de 1945, com a queda do Estado Novo. Daquela vez, foram 19 anos sem ditadura. Agora, até  hoje, são 33.
Nunca em nossa crônica republicana vivemos tanto tempo em liberdade, ainda que submetida aos variados  insultos vindos das profundezas.

Há que manter fé na continuidade democrática, imperfeita e  capenga, exposta  a todo tipo de agressões,  por  enquanto capaz de resistir e de preservar os valores fundamentais do Estado  de Direito. Mas é bom tomar cuidado.   Essas considerações se fazem por conta de estarmos completando 50 anos do  golpe militar e da evidência de que o país  continua o mesmo ao longo de tanta  turbulência.

Aqui repousa um alerta dos diabos.  Quando Getulio Vargas e as forças armadas estupraram a  Constituição de 1934, substituindo-a pela carta fascista de 1937, o trabalhador permaneceu trabalhando e os empresários, empresariando. A classe média deu de ombros ao que se passava ao seu redor. Quase  todos  entoavam loas ao poder estabelecido e levou muito tempo para despertar a consciência libertária nacional.  Pois a partir do golpe militar de 1964 foi a mesma coisa.

Hoje, todo mundo foi da resistência, parece que a nação inteira pegou em armas contra os generais.  Até  indenizações aos montes foram pleiteadas e concedidas a quantos se credenciaram como  heróis.
 
Mentira. Houve resistentes, é claro, inclusive alguns louquinhos que apelaram para a luta armada. Sofreram,  mas não há como  negar que a imensa maioria acomodou-se.
O que se passou nos porões da repressão não era apenas desconhecido, mas canhestramente ignorado pelo cidadão comum.  Não  dizia respeito à grande massa,   acrescida  daquele  percentual de bajuladores e de interesseiros  de todos os tempos,  que hoje  reivindicam honrarias por terem feito o que não  fizeram.

Foi o desgaste da ditadura de 64  o grande responsável  pela sua débâcle, exatamente como aconteceu com o  regime de 37.  Seria bom prestar atenção no  processo  do comportamento das massas. Mesmo quando Hitler invadiu a França, por cinco anos submetida à tirania  nazista, a população  acomodou-se.
Hoje, todo francês foi da resistência, mas seria bom pesquisar além do patriotismo de fachada. Guardadas as proporções, vale o mesmo para os 21 anos de regime castrense,  vivido não apenas pelos militares, mas por imensa parcela  da sociedade brasileira.

Essas correções diante de  euforia demasiada    fazem-se  a respeito das previsões para o futuro. O importante é verificar que as instituições democráticas sobreviveram até agora,  mas caso  ameaças venham a  adensar-se  no horizonte, tanto faz se de um lado ou de outro, que ninguém se iluda: a maioria irá  se acomodar. Tanto  nas elites e nas massas, quanto na imprensa que as reflete, prevalecerá a máxima pronunciada pelo coronel Tamarindo,  perto de ser trucidado pelos jagunços de Antônio Conselheiro:  “em tempo de murici, cada um cuide de si”.

18 de janeiro de 2014
Carlos Chagas

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