Sou a favor da liberdade de expressão. Considero uma regressão civilizatória a retirada de um livro do mercado só porque um biografado se sentiu ofendido. Um cidadão incomodado deve ir à Justiça e ser ressarcido pelo dano causado. Mas quem vive e ganha dinheiro se expondo na mídia não tem como reclamar quando seus hábitos no café da manhã são revelados.
Apesar de pensar assim, acredito que Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan, entre outros, prestam um serviço ao ficarem do outro lado do muro. Eles nos ajudam a enxergar o óbvio: o Brasil é um país atrasado. Não estão disseminados por aqui os valores republicanos clássicos. Liberdade de expressão é uma abstração que não faz parte da vida real da imensa maioria dos brasileiros.
Caetano, Chico e Djavan compõem essa paisagem. Chocam parte dos leitores da Folha, mas será que a reação seria a mesma na maioria da população? Não somos o Brasil potência dos anúncios do governo na TV, em que os pobres estão sempre sorrindo e os direitos parecem plenos para todos.
O Brasil real é o das ruas com calçadas esburacadas e ônibus sujos e lotados. Da Justiça lenta e improdutiva. O Brasil é conservador. Seu conjunto de valores está em formação. A democracia só tem 25 anos.
Talvez o Datafolha pudesse perguntar a brasileiros que circulam no viaduto do Chá, em São Paulo, ou na Cinelândia, no Rio: "Você é a favor ou contra retirar do mercado um livro que exponha a vida de Roberto Carlos, incluindo a intimidade do cantor, dramas pessoais na infância sobre os quais ele não fala em público, casamentos malsucedidos e um lado menos conhecido da vida desse artista? Está certo publicar um livro que seja verdadeiro, porém constrangedor para Roberto Carlos?".
Suspeito que muitos aprovariam a censura prévia. O Brasil profundo é assim. Continua refém daquela velha profecia: corre o risco de ficar obsoleto antes de ficar pronto.
19 de outubro de 2013
Fernando Rodrigues, Folha de São Paulo
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