Não passa dia sem que alguém se queixe da invasão de privacidade das ditas redes sociais e, particularmente, do Google. Escreve Joe Nocera, no New York Times:
“Graças a Edward Snowden, sabemos que a Agência Nacional de Segurança (NSA) tem capacidade para ler nossos e-mails e ouvir nossos telefonemas. Google nos exibe anúncios com base nas palavras que usamos e em nossas contas do Gmail. Na semana passada, o Facebook, que tem, no conceito orwelliano, um diretor executivo de privacidade - eliminou uma ferramenta de confidencialidade para que qualquer usuário da rede social possa buscar qualquer outro usuário. No dia seguinte, Google anunciou um plano que lhe permitirá utilizar palavras e imagens dos usuários em anúncios de produtos que eles apreciam - informações que Google conhece porque, bem, Google sabe tudo”.
Tais temores, a meu ver, são preocupações de quem quer posar de defensor da privacidade alheia. Se posto algo numa rede que é pública, é óbvio que quero que isto seja conhecido e divulgado. Por tais razões, posto estas crônicas no Facebook, e me sinto muito contente que elas possam ser acessadas pelo número máximo de pessoas. Se postamos fotos, é pela mesma razão. Claro que não vou postar fotos íntimas, aliás não tenho foto íntima alguma para postar. Jamais fotografei meus momentos de privacidade. Se alguém publica tais fotos nas redes públicas, é claro que deseja expô-las a todo mundo.
Nocera denuncia também o uso de imagens dos usuários em anúncios de produtos que eles apreciam.
Em maio do ano passado, as ações do Facebook estrearam na Nasdaq, bolsa de valores de empresas de tecnologia em Nova York, operando em alta. Minutos após a abertura dos negócios, os papéis, negociados com o símbolo FB, subiam 12%, a US$ 43 – o valor previsto inicialmente era de US$ 38. Houve um atraso de pouco mais de 30 minutos para o início das vendas dos papéis. Logo após a abertura, a companhia já era avaliada em US$ 117,82 bilhões.
Confesso que até hoje não entendi o fato de que o Facebook valha US$ 117,82 bilhões. Como pode valer tudo isso aquela pagininha onde posto estas crônicas e eventualmente converso com amigos? O valor do Facebook – me informam pessoas mais atiladas – está no volume imenso de informações que reúne sobre seus membros. Assim sendo, a publicidade pode ser dirigida a segmentos específicos, que tendem a interessar-se pelos produtos anunciados.
Que publicidade? – me pergunto. Nunca vi publicidade no Facebook. Perplexos, meus informantes sugeriram que eu dê uma olhadela na coluna à direita da página. Foi o que fiz. Para minha surpresa, lá estavam os anúncios.
Sou totalmente refratário ao mundo da publicidade. Abomino toda e qualquer propaganda. Tenho um olhar seletivo. Um jornal pode anunciar um produto qualquer em página inteira e eu não o enxergo. Aconteceu há alguns anos. Eu lia um jornal em um café e fui abordado por uma marqueteira. Queria saber se eu havia visto algum anúncio das casas Bahia. Respondi que não. Ela pegou o jornal e mostrou-me. Havia seis anúncios das tais de casas, de página inteira e de meia página. Eu não havia visto nenhum.
Se disser que jamais comprei algo em função da publicidade, acho que não estou afirmando uma inverdade. Tenho, obviamente, eletrodomésticos em casa. Mas porque necessários. Se alguém me perguntar qual a marca de qualquer apetrecho que tenho na cozinha, vou ter de ir lá e conferir.
Ao descobrir – ó milagre! – que havia propaganda no lado direito da página, passei a lê-la, questão de curiosidade. Pelo jeito, o Zuckerberg não reuniu suficientes informações a meu respeito. Nada do que me oferece me interessa. Me sugere viagens. Mas para mim não adianta sugerir viagens, sou eu que decido viajar, como viajar e para onde viajar. Me oferece gadgets eletrônicos. Merci de tout, o que tenho em casa já me basta. Até que ando vagamente tentado por um desses objetos de desejo, os smartphones, mas até agora não consegui descobrir para que me serviriam.
Carros? Não me interessam. Nenhum de meus ancestrais teve carro, e não pretendo romper com a tradição. Cursos? Não tenho mais idade para cursos e adoro o autodidatismo. Isso sem falar que estou sempre cursando alguma disciplina, entre minhas quatro paredes. Disfunção erétil? Quando chegar a hora, procuro um médico. Planos de saúde? Se nesta altura da vida não tivesse um, talvez não estivesse escrevendo aqui.
Jamais comprei algo em função da publicidade e não seria agora que compraria em função do Facebook. Nos bilhões que vale o Facebook na bolsa não há um centavo sequer de meu bolso. A fortuna de Zuckerberg, a meu ver, depende da humana indigência.
Outro dia, até que o Facebook ofereceu algo que poderia interessar-me, o Anti-Celso, de Orígenes. Mas assim também não vale. Eu havia divulgado o livro em meu blog.
Nunca falta, em tais denúncias, paralelos ao 1984, de Orwell. Não são pertinentes. Na distopia orwelliana, os cidadãos são controlados para a manutenção do poder de uma casta dirigente. No Facebook, se são utilizados, o intuito é publicitário. Se gosto de um produto e declaro isso publicamente, é porque o recomendo. É o que faço com livros, filmes e óperas que me fascinam. Publicidade é a essência do capitalismo. Ou alguém acha que vivemos em um sistema socialista?
Denunciar invasão de privacidade no Google ou Facebook é falta de assunto. Quem vai à chuva é para se molhar. Se você expõe publicamente seus dados, seus amigos, sua vida sexual, não pode queixar-se de que tais dados sejam vistos por qualquer um. Se a NSA, ou qualquer agência de informação, quiser ler meus e-mails ou ouvir meus telefonemas, que estejam a gosto. Desde que não mexam em minhas senhas bancárias, nada tenho a objetar.
De minha parte, há muitas relações em minha vida que não torno públicas para não invadir a privacidade de terceiros. Se as exponho, é porque tenho permissão de expô-las. Em vez de temer o Facebook, sou muito grato, pois graças a esta rede reencontrei amigos de minha infância e até parentes extraviados pelo vasto mundo.
A denúncia de Nocera é denúncia vazia de um neoludita, que parece não ter entendido o mundo em que vive. Ou que julga que cada cidadão não tem capacidade de defender-se da publicidade. É imenso o número de pessoas que dela não consegue escapar. Mas isto não é culpa das redes sociais. Depende do bestunto de cada um.
19 de outubro de 2013
janer cristaldo
“Graças a Edward Snowden, sabemos que a Agência Nacional de Segurança (NSA) tem capacidade para ler nossos e-mails e ouvir nossos telefonemas. Google nos exibe anúncios com base nas palavras que usamos e em nossas contas do Gmail. Na semana passada, o Facebook, que tem, no conceito orwelliano, um diretor executivo de privacidade - eliminou uma ferramenta de confidencialidade para que qualquer usuário da rede social possa buscar qualquer outro usuário. No dia seguinte, Google anunciou um plano que lhe permitirá utilizar palavras e imagens dos usuários em anúncios de produtos que eles apreciam - informações que Google conhece porque, bem, Google sabe tudo”.
Tais temores, a meu ver, são preocupações de quem quer posar de defensor da privacidade alheia. Se posto algo numa rede que é pública, é óbvio que quero que isto seja conhecido e divulgado. Por tais razões, posto estas crônicas no Facebook, e me sinto muito contente que elas possam ser acessadas pelo número máximo de pessoas. Se postamos fotos, é pela mesma razão. Claro que não vou postar fotos íntimas, aliás não tenho foto íntima alguma para postar. Jamais fotografei meus momentos de privacidade. Se alguém publica tais fotos nas redes públicas, é claro que deseja expô-las a todo mundo.
Nocera denuncia também o uso de imagens dos usuários em anúncios de produtos que eles apreciam.
Em maio do ano passado, as ações do Facebook estrearam na Nasdaq, bolsa de valores de empresas de tecnologia em Nova York, operando em alta. Minutos após a abertura dos negócios, os papéis, negociados com o símbolo FB, subiam 12%, a US$ 43 – o valor previsto inicialmente era de US$ 38. Houve um atraso de pouco mais de 30 minutos para o início das vendas dos papéis. Logo após a abertura, a companhia já era avaliada em US$ 117,82 bilhões.
Confesso que até hoje não entendi o fato de que o Facebook valha US$ 117,82 bilhões. Como pode valer tudo isso aquela pagininha onde posto estas crônicas e eventualmente converso com amigos? O valor do Facebook – me informam pessoas mais atiladas – está no volume imenso de informações que reúne sobre seus membros. Assim sendo, a publicidade pode ser dirigida a segmentos específicos, que tendem a interessar-se pelos produtos anunciados.
Que publicidade? – me pergunto. Nunca vi publicidade no Facebook. Perplexos, meus informantes sugeriram que eu dê uma olhadela na coluna à direita da página. Foi o que fiz. Para minha surpresa, lá estavam os anúncios.
Sou totalmente refratário ao mundo da publicidade. Abomino toda e qualquer propaganda. Tenho um olhar seletivo. Um jornal pode anunciar um produto qualquer em página inteira e eu não o enxergo. Aconteceu há alguns anos. Eu lia um jornal em um café e fui abordado por uma marqueteira. Queria saber se eu havia visto algum anúncio das casas Bahia. Respondi que não. Ela pegou o jornal e mostrou-me. Havia seis anúncios das tais de casas, de página inteira e de meia página. Eu não havia visto nenhum.
Se disser que jamais comprei algo em função da publicidade, acho que não estou afirmando uma inverdade. Tenho, obviamente, eletrodomésticos em casa. Mas porque necessários. Se alguém me perguntar qual a marca de qualquer apetrecho que tenho na cozinha, vou ter de ir lá e conferir.
Ao descobrir – ó milagre! – que havia propaganda no lado direito da página, passei a lê-la, questão de curiosidade. Pelo jeito, o Zuckerberg não reuniu suficientes informações a meu respeito. Nada do que me oferece me interessa. Me sugere viagens. Mas para mim não adianta sugerir viagens, sou eu que decido viajar, como viajar e para onde viajar. Me oferece gadgets eletrônicos. Merci de tout, o que tenho em casa já me basta. Até que ando vagamente tentado por um desses objetos de desejo, os smartphones, mas até agora não consegui descobrir para que me serviriam.
Carros? Não me interessam. Nenhum de meus ancestrais teve carro, e não pretendo romper com a tradição. Cursos? Não tenho mais idade para cursos e adoro o autodidatismo. Isso sem falar que estou sempre cursando alguma disciplina, entre minhas quatro paredes. Disfunção erétil? Quando chegar a hora, procuro um médico. Planos de saúde? Se nesta altura da vida não tivesse um, talvez não estivesse escrevendo aqui.
Jamais comprei algo em função da publicidade e não seria agora que compraria em função do Facebook. Nos bilhões que vale o Facebook na bolsa não há um centavo sequer de meu bolso. A fortuna de Zuckerberg, a meu ver, depende da humana indigência.
Outro dia, até que o Facebook ofereceu algo que poderia interessar-me, o Anti-Celso, de Orígenes. Mas assim também não vale. Eu havia divulgado o livro em meu blog.
Nunca falta, em tais denúncias, paralelos ao 1984, de Orwell. Não são pertinentes. Na distopia orwelliana, os cidadãos são controlados para a manutenção do poder de uma casta dirigente. No Facebook, se são utilizados, o intuito é publicitário. Se gosto de um produto e declaro isso publicamente, é porque o recomendo. É o que faço com livros, filmes e óperas que me fascinam. Publicidade é a essência do capitalismo. Ou alguém acha que vivemos em um sistema socialista?
Denunciar invasão de privacidade no Google ou Facebook é falta de assunto. Quem vai à chuva é para se molhar. Se você expõe publicamente seus dados, seus amigos, sua vida sexual, não pode queixar-se de que tais dados sejam vistos por qualquer um. Se a NSA, ou qualquer agência de informação, quiser ler meus e-mails ou ouvir meus telefonemas, que estejam a gosto. Desde que não mexam em minhas senhas bancárias, nada tenho a objetar.
De minha parte, há muitas relações em minha vida que não torno públicas para não invadir a privacidade de terceiros. Se as exponho, é porque tenho permissão de expô-las. Em vez de temer o Facebook, sou muito grato, pois graças a esta rede reencontrei amigos de minha infância e até parentes extraviados pelo vasto mundo.
A denúncia de Nocera é denúncia vazia de um neoludita, que parece não ter entendido o mundo em que vive. Ou que julga que cada cidadão não tem capacidade de defender-se da publicidade. É imenso o número de pessoas que dela não consegue escapar. Mas isto não é culpa das redes sociais. Depende do bestunto de cada um.
19 de outubro de 2013
janer cristaldo
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