"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 19 de outubro de 2013

SOBRE A REPERCUSSÃO DO MELIANTE DA MOTO

 

Uma câmera acoplada no capacete de um motociclista registrou uma tentativa de assalto na leste de São Paulo, no sábado (12 de outubro de 2013). Após a abordagem dos assaltantes, o vídeo mostra um PM atirando contra o criminosos. As imagens se tornaram virais na rede social Facebook, com o título "Foi roubar Hornet e levou bala".


Era uma imagem de rede social que repercutiu nas mídias tradicionais e sociais. Logo abaixo supostas colagens de um usuário dessa rede, pregando a defesa do “meliante da Hornet”.

Eu não daria crédito a essa imagem. Mas, algo me fez ler o texto. Clichês como “polícia despreparada” porque “não sabe o drama daquele jovem, dos seus sonhos e necessidades”, além de “polícia elitista” e a proposta de uma “polícia humana, uma polícia do povo”, que seria a proposta de um determinado partido político, notoriamente oposta ao partido da situação.
O texto ainda continha ideias como  “E o dono da moto? Será que é inocente? Pq ele tava filmando tudo? Ele sabia que ia ser assaltado e queria destruir a imagem desses dois jovens. Se o cara roubou a moto dele, e daí?”. Mais para frente, dizia que fosse o governo do partido oposicionista, ao qual ele seria filiado, seria mais fácil o assaltado comprar outra moto. Além disso, o dono da moto seria, sim, CULPADO, por estar OSTENTANDO.
Com tantos textos assim, talvez a imagem fosse alguma manobra sabe-se lá a favor de quem. No final das contas, o texto feria a todos e, principalmente, ao leitor. Aí, não agüentei, e resolvi colocar minhas considerações sobre o caso desse assalto. Talvez porque esteja preocupado que essas ideias esquisitas passem a ser aceitas pela maioria – o que, graças ao Criador, ainda parece estar longe dessa realidade.
Estudei em escola pública. Meus colegas moravam na comunidade de Heliópolis (eu morava bem perto de lá). Fiz o segundo grau em uma EESG. Comecei a trabalhar adolescente, trabalhei muito e fui conquistando tudo com empenho, estudo e dedicação. Tirava boas notas porque estudava, não porque era oriental e, por isso, privilegiado. Tudo o que tenho é resultado de escolha, de decisão. Você pode me julgar, achar que "pago de playboy", mas "não imagina meu corre, não sabe que quando tô na pista, o bagulho é doido”. Meu “bagulho, mano, chama-se trampo honesto” - aquele que não prejudica ou violenta ninguém, mas, ao contrário, busca contribuir, de certa forma, para construir uma sociedade melhor.
Já fui assaltado várias vezes e não vi, nos olhos de quem me assaltava, algum sonho ou projeto de vida. Vi ganância, violência, carência e desinformação. Entendo a questão social, a falta de oportunidade, que podem ter contribuído para a formação distorcida desses jovens. Mas também vi muita gente saindo da favela e conquistando tudo com esforço, dedicação, ética e moral. Com honestidade, pensando em não prejudicar o próximo, buscando, de fato, a realização de seus sonhos.
É, amigo, estamos em uma tremenda crise moral. A falta de cultura e educação, ideais para a dominação e manutenção do poder, está a serviço de todos os lados da política - direita, esquerda, centro, acima ou abaixo (estes dois últimos, representando não a ideologia política, mas o interesse em alcançar ou derrubar o poder dominante, fique claro o jogo de palavras).
Precisamos sair dessa alienação e desta ilusão toda que é vendida por quem quer se manter ou por quem deseja chegar ao poder. O poder, já vimos, está nas nossas mãos. Vamos começar por nos indignar, de verdade, com a formação da mentalidade distorcida de vandalismo físico, ético e moral. Depois, agir. Buscar na legitimidade dos poderes que NÓS constituímos e que fazem parte da democracia, a força para mudanças. 
E temos força. Dos três poderes, dois são definidos diretamente pelo nosso voto. Mas não basta votar. Depois do pleito, devemos cobrar, mediante pressão popular - movimento igualmente legítimo - sobre os eleitos, que, afinal, foram colocados lá para representar a sociedade - e não apenas parte da população, as mudanças que precisamos para criar, efetivamente, uma sociedade mais justa, digna e que nos permita viver em PAZ.
Devemos também observar o que falta no país: exemplo. A raiz do problema é a CULTURA. Não estou falando de cinema, teatro, arte e espetáculo, mas da cultura no sentido mais amplo - dos hábitos, dos costumes. A começar pela cultura do brasileiro de cultivar a baixa autoestima.
Temos é que exaltar os bons exemplos. Demonstrar que, sim, o brasileiro é bom, honesto e trabalhador. Que sim, ele é melhor do que muita gente que nasceu em país "desenvolvido". E que não é só no futebol, ou outros esportes, que se destaca. Mas que o brasileiro é bom em tudo que se propõe a fazer bem feito. E mudar a cultura de um povo demora muito. É preciso ter paciência. Mas é preciso, sobretudo, agir. Parar de exaltar a mediocridade e dar força ao que não vale a pena.
A discussão tem que ir mais longe. Os cidadãos "de bem", ou seja, quem procura seguir uma lógica de ética e moralidade, também devem lutar pelos seus Direitos Humanos. Como? Pela transformação REAL da sociedade, por meio do atendimento de necessidades básicas - da alimentação, saúde (incluindo saneamento básico, estrutura, atendimento ambulatorial e hospitalar, medicação, muito além de um movimento por mais médicos) e, principalmente, da CULTURA - no modo amplo que citei anteriormente.
De certa forma, essa reforma já começou. Basta prestar atenção.
 
19 de outubro de 2013
Rodolfo Nakamura é professor, publicitário e autor de vários livros na área de comunicação e tecnologia.

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