Uma câmera acoplada no capacete de um motociclista registrou uma tentativa de assalto na leste de São Paulo, no sábado (12 de outubro de 2013). Após a abordagem dos assaltantes, o vídeo mostra um PM atirando contra o criminosos. As imagens se tornaram virais na rede social Facebook, com o título "Foi roubar Hornet e levou bala".
Era uma imagem de rede social que repercutiu nas mídias tradicionais e sociais. Logo abaixo supostas colagens de um usuário dessa rede, pregando a defesa do “meliante da Hornet”.
Eu não daria crédito a essa imagem. Mas, algo me fez ler o texto. Clichês como “polícia despreparada” porque “não sabe o drama daquele jovem, dos seus sonhos e necessidades”, além de “polícia elitista” e a proposta de uma “polícia humana, uma polícia do povo”, que seria a proposta de um determinado partido político, notoriamente oposta ao partido da situação.
O texto ainda continha ideias como “E o dono da moto? Será que é inocente? Pq ele tava filmando tudo? Ele sabia que ia ser assaltado e queria destruir a imagem desses dois jovens. Se o cara roubou a moto dele, e daí?”. Mais para frente, dizia que fosse o governo do partido oposicionista, ao qual ele seria filiado, seria mais fácil o assaltado comprar outra moto. Além disso, o dono da moto seria, sim, CULPADO, por estar OSTENTANDO.
Com tantos textos assim, talvez a imagem fosse alguma manobra sabe-se lá a favor de quem. No final das contas, o texto feria a todos e, principalmente, ao leitor. Aí, não agüentei, e resolvi colocar minhas considerações sobre o caso desse assalto. Talvez porque esteja preocupado que essas ideias esquisitas passem a ser aceitas pela maioria – o que, graças ao Criador, ainda parece estar longe dessa realidade.
Estudei em escola pública. Meus colegas moravam na comunidade de Heliópolis (eu morava bem perto de lá). Fiz o segundo grau em uma EESG. Comecei a trabalhar adolescente, trabalhei muito e fui conquistando tudo com empenho, estudo e dedicação. Tirava boas notas porque estudava, não porque era oriental e, por isso, privilegiado. Tudo o que tenho é resultado de escolha, de decisão. Você pode me julgar, achar que "pago de playboy", mas "não imagina meu corre, não sabe que quando tô na pista, o bagulho é doido”. Meu “bagulho, mano, chama-se trampo honesto” - aquele que não prejudica ou violenta ninguém, mas, ao contrário, busca contribuir, de certa forma, para construir uma sociedade melhor.
Já fui assaltado várias vezes e não vi, nos olhos de quem me assaltava, algum sonho ou projeto de vida. Vi ganância, violência, carência e desinformação. Entendo a questão social, a falta de oportunidade, que podem ter contribuído para a formação distorcida desses jovens. Mas também vi muita gente saindo da favela e conquistando tudo com esforço, dedicação, ética e moral. Com honestidade, pensando em não prejudicar o próximo, buscando, de fato, a realização de seus sonhos.
É, amigo, estamos em uma tremenda crise moral. A falta de cultura e educação, ideais para a dominação e manutenção do poder, está a serviço de todos os lados da política - direita, esquerda, centro, acima ou abaixo (estes dois últimos, representando não a ideologia política, mas o interesse em alcançar ou derrubar o poder dominante, fique claro o jogo de palavras).
Precisamos sair dessa alienação e desta ilusão toda que é vendida por quem quer se manter ou por quem deseja chegar ao poder. O poder, já vimos, está nas nossas mãos. Vamos começar por nos indignar, de verdade, com a formação da mentalidade distorcida de vandalismo físico, ético e moral. Depois, agir. Buscar na legitimidade dos poderes que NÓS constituímos e que fazem parte da democracia, a força para mudanças.
E temos força. Dos três poderes, dois são definidos diretamente pelo nosso voto. Mas não basta votar. Depois do pleito, devemos cobrar, mediante pressão popular - movimento igualmente legítimo - sobre os eleitos, que, afinal, foram colocados lá para representar a sociedade - e não apenas parte da população, as mudanças que precisamos para criar, efetivamente, uma sociedade mais justa, digna e que nos permita viver em PAZ.
Devemos também observar o que falta no país: exemplo. A raiz do problema é a CULTURA. Não estou falando de cinema, teatro, arte e espetáculo, mas da cultura no sentido mais amplo - dos hábitos, dos costumes. A começar pela cultura do brasileiro de cultivar a baixa autoestima.
Temos é que exaltar os bons exemplos. Demonstrar que, sim, o brasileiro é bom, honesto e trabalhador. Que sim, ele é melhor do que muita gente que nasceu em país "desenvolvido". E que não é só no futebol, ou outros esportes, que se destaca. Mas que o brasileiro é bom em tudo que se propõe a fazer bem feito. E mudar a cultura de um povo demora muito. É preciso ter paciência. Mas é preciso, sobretudo, agir. Parar de exaltar a mediocridade e dar força ao que não vale a pena.
A discussão tem que ir mais longe. Os cidadãos "de bem", ou seja, quem procura seguir uma lógica de ética e moralidade, também devem lutar pelos seus Direitos Humanos. Como? Pela transformação REAL da sociedade, por meio do atendimento de necessidades básicas - da alimentação, saúde (incluindo saneamento básico, estrutura, atendimento ambulatorial e hospitalar, medicação, muito além de um movimento por mais médicos) e, principalmente, da CULTURA - no modo amplo que citei anteriormente.
De certa forma, essa reforma já começou. Basta prestar atenção.
19 de outubro de 2013
Rodolfo Nakamura é professor, publicitário e autor de vários livros na área de comunicação e tecnologia.
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