"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

"SE JURO FUTURO NÃO CEDER, HAVERÁ RECESSÃO".

 
 
Claudio Belli/Valor / Claudio Belli/Valor
Luiz Fernando Figueiredo: "O Brasil não está sendo contagiado. Está com performance muito pior do que os outros"
 
O Brasil está sofrendo "barbaramente mais do que os outros países" com os efeitos da perspectiva de normalização da política monetária americana. E a razão para isso é que o mercado não está confiante de que "a política fiscal será levada a sério". Essa é a visão do ex-diretor de política monetária do Banco Central e atual sócio da Mauá Sekular Investimentos, Luiz Fernando Figueiredo. Esse receio amplia a demanda por proteção cambial neste momento e faz os juros futuros dispararem.
Figueiredo acredita que esse movimento pode ser classificado de "overshooting" (desvalorização excessiva), ciclo que só poderá ser rompido com um "choque de credibilidade", ou seja, um sinal firme por parte da presidente da República, Dilma Rousseff, de que há compromisso com um superávit primário. Caso esse sinal não venha e o nível atual de juros futuros e de câmbio se mantenha nos próximos três meses, então o país pode entrar em recessão.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Os mercados voltaram a viver dias de forte volatilidade, com dólar e juros disparando. Qual é o ponto central desse momento de estresse?
Luiz Fernando Figueiredo: Existe uma mudança importante acontecendo lá fora, principalmente nos Estados Unidos, que é uma redução dos estímulos que têm sido dados nos últimos anos. Então, os juros por lá já subiram: saíram de 1,70% para 2,88% [rendimento do título do Tesouro americano de 10 anos]. Então, esse é um processo que está acontecendo. E ele não vai gerar uma situação insustentável para o mundo. Pelo contrário. É possível que o mundo saia de um crescimento perto de 2% para algo perto de 3% nos próximos anos, o que é uma notícia boa. Porém, em um primeiro momento, os países que foram muito receptores de investimentos nos últimos anos acabaram sofrendo porque uma parcela desses recursos voltou para os Estados Unidos. Além disso, há uma tendência de que o dólar se valorize - ele já se valorizou em relação a divisas emergentes. O problema é que, no caso brasileiro, o país está sendo muito mal percebido por investidores locais e estrangeiros. Baixa perspectiva de crescimento faz com que o país pareça muito mais vulnerável aos olhos de todos. É o caso do Brasil, que está sofrendo barbaramente mais do que os outros países. Isso não tem a ver com o processo que está acontecendo lá fora, mas sim com o fato de as respostas de política econômica estarem muito aquém do necessário. Para se ter uma ideia, no México, país com perfil semelhante ao Brasil, o peso se depreciou 1% desde o começo do ano. Já o real está depreciando quase 15%. No México, a curva de juros de cinco anos subiu 70 pontos-base. O DI janeiro/2017 abriu 300 pontos.
Valor: Mas esse movimento que se vê aqui pode ser chamado de especulativo ou realmente tem investidor indo embora do país?
Figueiredo: Esse processo é defensivo, ninguém está atacando ninguém. O que tem é gente que tem investimentos no Brasil que não fazia hedge. Tem gente que tinha investimentos e tirou, mas o fluxo não tem sido muito negativo. Quando o câmbio se desvaloriza tanto, existe um receio grande de que o Banco Central tenha que agir mais por causa disso. O Brasil deveria sofrer pouco, porque inibiu a entrada de recursos nos últimos dois anos e, mesmo assim, está sofrendo mais do que outros países. A razão disso é que existe uma perda total de confiança, não na performance da economia brasileira, mas na ideia de que os fundamentos do Brasil vão continuar bons. O país tem hoje bons fundamentos: a nossa dívida pública ainda tem um tamanho razoável e sua dinâmica nem é tão ruim; não tem grandes alavancagens no Brasil; o sistema bancário está super em ordem; o consumidor, embora tenha comprometimento de renda razoável, não tem uma alavancagem como se vê em outros países do mundo. Porém, existe um receio muito grande sobre como será tocada a política econômica que, nos últimos dois anos, produziu uma perda de crescimento e eficiência.
"Além do choque de câmbio, que vai gerar inflação, há também um choque muito grande do lado da demanda"
Valor: Mas exatamente o que provoca esse receio?
Figueiredo: O que assusta muito é que a política fiscal não será levada a sério. Políticas criativas acabam gerando um receio muito grande sobre como o governo vai tocar a política fiscal, principalmente no ano que vem, ano eleitoral. Ninguém está dizendo que a gente precisa de uma política fiscal que dobre ou triplique o tamanho do superávit primário. A questão é que as pessoas estão com receio de que a política fiscal seja bem frouxa no ano que vem, em uma situação em que a gente tem uma pressão inflacionária muito grande, tem uma percepção de que esse processo de queda da dívida está se reduzindo, pode até ter virado a mão. Tem muito mais a ver com o receio com o que vem pela frente, principalmente no próximo ano. Por isso, essa situação no câmbio e nos juros. Para se ter uma ideia, se o Banco Central agir da maneira que está a curva de juros, ou seja, a Selic subir para 13% no início de 2015, o Brasil vai entrar em um processo recessivo, sem dúvida. Com o câmbio subindo do jeito que está subindo e as condições financeiras apertando dessa forma, e ainda com um ciclo vicioso em que mais câmbio gera mais inflação, ela vai deteriorar muito a situação em termos de crescimento.
Valor: Mas essa recessão pode ser gerada caso o BC endosse as projeções da curva, ou o simples fato de as taxas futuras subirem já gera esse risco?
Figueiredo: Essa curva é que determina as condições financeiras do mercado, dos investimentos. Se a curva tiver um nível de 'overshooting' e voltar nos próximos dois meses, isso eventualmente não vai acontecer. Mas, se ela se sustentar nos próximos dois, três meses, a gente vai para um processo recessivo, sem dúvida.
Valor: Mas é possível dizer agora se estamos vivendo um 'overshooting'?
Figueiredo: Eu acho que, se estamos dizendo que teremos uma política fiscal razoável, que o Banco Central fará o trabalho dele, provavelmente a gente esteja em um nível de overshooting, sim. Mas toda vez que o mercado está em processos como esse a política econômica precisa responder a isso para acalmar o processo. Você tem que dar um choque. O Brasil não precisa fazer um arrocho, nada disso. Mas o que precisa existir é um mínimo de segurança do que virá do lado fiscal. Não estou falando de um superávit limpo de 3%. Se ele trouxer um superávit de 2% ou pouco mais do que isso, e ficar claro que vai cumprir, será uma resposta importante. Isso, associado ao trabalho do Banco Central, pode reduzir o overshooting. O governo não produziu isso até agora.
Valor: De toda forma, os interlocutores no governo estão neste momento com a imagem desgastada. Há quem diga que promessas já não são mais suficientes...
Figueiredo: Eu acho que o interlocutor, neste caso, é a presidente da República. Ela tem que deixar claro que, no seu governo, o superávit primário no ano que vem será de tanto. E aí o ministro da Fazenda pode explicar como será feito, de onde virá. Mas sem um sinal muito forte nessa direção, é muito difícil evitar um ciclo vicioso.
Valor: E qual é o papel do Banco Central diante desse ambiente?
Figueiredo: Na minha visão, o trabalho dele é continuar esse processo de alta de juros. Não se trata de subir o juro para 12%, 13% ao ano. Eu acho que essa seria uma resposta equivocada de política econômica. A resposta agora é ajudar o BC para que a alta de juros seja a menor possível e se consiga trazer a inflação para perto da meta. Isso passa por fazer as pessoas acreditarem que a política fiscal será entregue, sem criatividade.
Valor: Caso essa resposta não venha, existe o risco de a Selic ter de subir para esse nível?
Figueiredo: Eu acho que não. Para mim, é muito difícil ver a Selic entrando em dois dígitos. Até porque, em um caso como esse, o BC deveria usar outros instrumentos como a taxa de juros, como medidas macroprudenciais. Elas ajudam o BC a promover o mesmo ajuste, mas não usando um instrumento só.
Valor: O senhor falou que a volatilidade reflete um movimento de proteção do mercado. Mas há risco de haver um movimento mais firme de saída de investidor do país? Quanto ainda as coisas podem piorar?
Figueiredo: É difícil dizer até onde o mercado pode fazer o 'overshooting'. Olhando para outros episódios, eu diria que este momento não se compara ao que se viu em 2002, mas é mais semelhante a 2008. O que estamos vendo não é só um choque de câmbio que vai gerar inflação, mas também um choque muito grande do lado da demanda, que vai trazer uma redução dessa pressão de inflação. Então, haverá uma situação mais zero a zero. O câmbio vai se depreciar, ou se depreciou muito, mas a queda da atividade será de tal forma que uma coisa vai matar a outra. Então, não haverá uma piora muito grande da inflação, mas pelo motivo ruim.
Valor: Então é possível pensar na inflação convergindo para o centro da meta em 2014?
Figueiredo: Tivemos nos últimos anos uma fraqueza muito grande do lado da oferta. O que está acontecendo mais recentemente é que tivemos um choque na demanda. Isso quer dizer que teremos mais desemprego. Se isso acontecer de forma gradual, não será um problema. É um ajuste necessário para que a gente reduza a pressão do lado de salários e serviços, o que pode permitir a convergência para um equilíbrio entre demanda e oferta - que no final, é o que ajuda a inflação.
Valor: Existe uma taxa de desemprego que você consideraria necessária?
Figueiredo: Estamos falando de um desemprego que tem que ser superior a 6,5%. Provavelmente, teremos um desemprego maior do que esse. Nosso número é que o desemprego deve superar os 7% no fim de 2014.
Valor: Há outros países, como a Índia, no foco dos investidores neste momento. Essa situação pode gerar um contágio para outros emergentes?
Figueiredo: O Brasil não está sendo contagiado. Ele está com performance muito pior do que os outros. Quando eu digo que a curva de juros do Brasil de cinco anos subiu 300 pontos e a do México, 70 pontos, quem está contagiando quem?
20 de agosto de 2013
Lucinda Pinto - Valor
 

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