"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SANTOS OU TIMOCHENKO: QUEM MANDA NAS NEGOCIAÇÕES DE HAVANA?

           
          Internacional - América Latina 
As FARC não querem renunciar a uma negociação, a única via que lhes resta para se apoderar do Estado e da sociedade colombiana. Por isso sua “pausa” não foi mais que um truque.
 
O que aconteceu neste fim de semana entre as FARC e o presidente JM Santos é um mistério. A crise das negociações em Cuba, bruscamente suspensas, primeiro pelas FARC e depois por JM Santos em 23 de agosto de 2013, foi superada horas depois quando o mandatário colombiano retrocedeu e anunciou que, na segunda-feira seguinte, se retomariam os contatos em Havana como se nada tivesse acontecido.
O mais chocante é que, precisamente, enquanto os diálogos estavam suspensos, a embaixada da Colômbia na Costa Rica foi atacada a bala por desconhecidos e, em seguida, no mesmo dia, 14 militares colombianos foram assassinados pelas FARC e ELN em Tame, Arauca, zona limítrofe com a Venezuela, sem que o presidente colombiano, nem a imprensa santista, tenham querido ver que conexão pode haver entre a “pausa” decretada pelas FARC e esses fatos graves.


O que queria dizer o chefe das FARC, Timoleón Jiménez, cognome Timochenko, quando escreveu em 22 de agosto de 2013, no mesmo dia em que JM Santos lançava sua idéia de referendo, que o mandatário colombiano “não quer ceder um milímetro” para “tranqüilizar o grande capital”? É óbvio que ante esse pronunciamento, os subalternos de Jiménez decretaram a “pausa”. Pausa efêmera (porém, quão sangrenta!), pois algumas horas depois de Santos ter dito que não eram as FARC quem decretavam a suspensão da negociação, elas prometiam regressar pontualmente à mesa de Havana. Depois de haver ensangüentado de novo o solo colombiano.
 
O que teria ocorrido? Quem cedeu? Qual foi o preço que o Governo pagou para que as FARC levantassem sua chantagem de suspensão de negociações? Santos renunciou à sua idéia de organizar um referendo? Acolheu, em segredo, a exigência fariana de que o pactuado entre eles seja ratificado por uma Constituinte? Como ocorre desde o começo dos contatos em Cuba, as duas partes ocultaram de novo seu jogo e suas convergências.
 
Porém, não é impossível vencer tanta obscuridade, pois alguns detalhes lançam certa luz.
Em meio da crise, em 25 de agosto, Timochenko lançou outro comunicado o qual, em poucas horas, pôs todo mundo de acordo. Esse texto poderia explicar a mudança de atitude a respeito da “pausa” dos dois lados. Lá, Timoleón Jiménez continua se mostrando, é verdade, receoso ante Santos, ao dizer: “O que Santos pretende com esse Referendo é que o país vote sim ou não, a dotar o Presidente de poderes extraordinários para expedir decretos com força de lei encaminhados a pôr em vigência os Acordos firmados em Havana”.
 
Porém, imediatamente o cabeça das FARC muda o tom e sugere a Santos uma saída. E até lhe sussurra ao ouvido que essa variante contaria com seu apoio, o qual ajudaria muito, é evidente, ao projeto re-eleicionista do presidente. Timochenko diz que o país deveria votar “sim ou não à conformação de um pequeno Congresso ou corpo legislativo encarregado de redigir os decretos”, e que esse “Congresso estaria conformado por porta-vozes de todos os partidos políticos e nele terá cabimento uma pequena representação das FARC”.
 
Assim, deslizando essa frase sobre o “pequeno congresso”, com “representação” das FARC, Timochenko volta a pôr em cena sua idéia de ratificar os pactos de Havana por uma Constituinte e a oferecer como pano de fundo a re-eleição de Santos.
 
O resto da carta de 25 de agosto é fumaça diversionista. Inclusive Timochenko redige uma frase para mostrar Santos como um negociador intransigente:“Suas posições na mesa continuam sendo inamovíveis quanto a não tocar em um só aspecto da ordem estabelecida”. Tal estimação de Timochenko é falsa. O “marco jurídico para a paz” transborda sim a ordem estabelecida, e viola a própria legislação internacional. Sem falar dos outros pontos absurdos já acordados em Cuba, como isso de entregar às FARC não desarmadas centenas de milhares de hectares de terras produtivas, com milhões de cidadãos dentro, para que erijam bastiões sob o rótulo de “zonas de reserva camponesa”.
 
O episódio da carta de 25 de agosto do chefe das FARC, analisado erroneamente por certa imprensa, transferiu de fato, durante algumas horas, o cenário da negociação e o pôs diretamente nas mãos de Santos e Timochenko.
 
Não sabemos se esse fato mudará o curso dos contatos entre os negociadores em Cuba. Em todo caso, a equipe de Santos fez saber que sua urgência agora é modificar a Constituição para poder realizar no dia das próximas eleições legislativas o referendo em questão. Porém, não disse nada acerca de quais serão os postulados que os colombianos poderiam examinar.
 
Ao que imediatamente Ivan Márquez respondeu na segunda-feira: que o Governo ao “tomar essas atribuições está em flagrante violação do acordo geral firmado em Havana”. Segundo o chefe negociador das FARC, a reforma que o Congresso estudará “sem discutí-lo com a contra-parte, expressa uma situação de fato que nem se compartilha nem se acompanha”. Ao falar de “situação de fato” inaceitável, o chefe terrorista quis dizer que o regime de Santos deve co-governar com as FARC, sobretudo em matéria legislativa, se quer avançar no processo de paz.
 
A conclusão destas idas e vindas do fim de semana é que as FARC não querem renunciar a uma negociação, a única via que lhes resta para se apoderar do Estado e da sociedade colombiana. Por isso sua “pausa” não foi mais que um truque para reiterar, não ao governo, mas à sociedade, que elas querem romper com as instituições democráticas mediante a alavanca dissimulada de um cenáculo restrito (o que elas chamam “assembléia constituinte”), onde elas levarão a batuta e sem que os colombianos possam rechaçar ou acolher, mediante o voto, tal salto para o inferno.
 
Para evitar uma tragédia histórica, os colombianos devemos saber desde já, em termos exatos, o que se está preparando em Havana. Fracassarão os que escolhem o silêncio e esperam pedir-nos na última hora que ratifiquemos umas capitulações aberrantes, apresentadas como a única via para a paz.

29 de agosto de 2013
Eduardo Mackenzie
Tradução de Graça Salgueiro
  


 

 

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